Estigma, preconceito, distanciamento social e procura de ajuda…
A pertença a um grupo social implica que se reconheçam certos comportamentos como integradores e, portanto, é criado um padrão fora do qual se considera a anormalidade, ou seja, o desviante. Neste sentido, uma função protectora será a de criar a sua própria identidade, de pertença a um grupo, fora da qual facilmente se pode destacar a dissemelhança (7). O modo como são percebidos aqueles a quem são atribuídos papéis desviantes é negativo e afeta não apenas o observador, mas também o observado. Trata-se de uma forma de regulamentar os comportamentos “normais” e desviantes. Os papéis desviantes, fonte de estereótipos negativos, tendem a ser objeto de reprovação/desaprovação da sociedade (10) e a fomentar o distanciamento social (afastar o que lhe é diferente). São exemplo de estereótipos associados à doença mental:
- A agressividade (9; 14);
- A baixa confiabilidade;
- Os comportamentos perturbadores;
- A baixa inteligência (1; 14);
- A imprevisibilidade (13);
- A menor competência e menos capacidades de trabalho (1);
- A violência e comportamentos à margem da lei (4; 8; 13; 14).
O estigma é, em grande parte, uma percepção negativa da pessoa com doença mental. As pessoas estigmatizadas têm, ou presume-se que tenham, um atributo que as assinale enquanto "diferentes", levando a que sejam desvalorizadas e discriminadas aos olhos dos outros (6; 9). Pese embora, o facto das diferentes formas de caracterizar outrem, serem tentativas de encontrar um padrão. Sucede que, na procura de uma explicação para o comportamento, podemos encontrar justificação em causas externas à pessoa (a culpa é da família, do stress) ou então culpar o próprio pela condição em que se encontra. Esta é uma forma de podermos “desculpabilizar” (ou não) determinado comportamento (5). Como consequência da atribuição a causas externas ao próprio diminui o distanciamento social. Se há crença de causalidade inerente ao próprio (o individuo é culpado por ter aquela doença), verifica-se o efeito inverso. Basta pensarmos em dois exemplos para a mesma doença – a depressão. Exemplo 1: “ela sempre foi ‘fraca’…ela não quer trabalhar”. Exemplo 2: “Com aquela família é normal que não consiga concentrar-se ou trabalhar…o trabalho dela é demasiado exigente”.
Assim, falar de estigma em saúde mental implica falar de ignorância, de estereótipos, de discriminação, mas também de preconceitos, pois esquecemo-nos (ou não sabemos) o quanto estas doenças são incapacitantes e não dependem da vontade do próprio.
O preconceito está ligado ao processo de socialização do indivíduo e será, portanto, dependente do meio sociocultural onde se insere. O preconceituoso tende a desenvolver diferentes crenças em relação a diversos objectos (doente mental, homossexualidade...) independentemente das características próprias deste. Neste sentido, o preconceito é um juízo preconcebido, manifestado através de uma atitude de discriminação perante pessoas, lugares ou tradições. É indicador de desconhecimento e atribui uma conotação pejorativa ao que lhe é diferente (3).
O estigma afeta de diferentes formas a pessoa ou grupo sobre o qual recai. As pessoas são sujeitas a tratamento negativo e discriminação directa (afectando o seu bem-estar, estatuto social e saúde), a processos de confirmação (há tendência para a confirmação das ideias estigmatizantes perante qualquer tipo de comportamento), a activação automática de estereótipos e a processos de ameaça à sua identidade (as ideias estigmatizantes podem não ir de encontro a determinadas características da pessoa, porém, esta será vista como detentora dela) (9). A partir do momento em que o indivíduo é rotulado como ente “desviante” muito dificilmente se pode desprender desta imagem implicando, muitas vezes, situações de isolamento e distanciamento social (10).
Por outro lado, o estigma pode ter a ver com as reacções que a população em geral tem para com a doença mental e/ou com as crenças do próprio relativamente à sua doença.
O estigma prejudica as pessoas com doença mental a três níveis, nomeadamente:
- Ao tentar evitar o rótulo a que estão sujeitas há maior dificuldade de adesão aos tratamentos;
- Há um bloqueio no alcance de objectivos de vida podendo apresentar maior dificuldade em lidar com situações de stress;
- A pessoa com doença internaliza ideias estigmatizantes e acredita que é menos valorizada por causa do seu transtorno psiquiátrico (2).
Neste sentido, a discriminação a que as pessoas com doença mental estão sujeitas desenvolve-se de diferentes formas - coerção, segregação, hostilidade, evitamento.
Discriminação será, portanto, uma forma de fazer uma distinção a nível social e o preconceito uma avaliação pejorativa da pessoa pelo facto de ser percebida como pertencente a um grupo (12). Neste sentido, a discriminação resultará, em última análise, da expressão do preconceito, mediado pelos estereótipos.
O reconhecimento da doença mental ainda não é feito de forma adequada. Constata-se que das dez causas de incapacidade mais frequentes, cinco são perturbações relacionadas com a saúde mental, estimando-se um incremento das mesmas no futuro (11). Dois em cada dez portugueses sofrem de perturbações psiquiátricas, colocando Portugal no topo da Europa quando associada a perturbações deste foro. A taxa de prevalência remete-nos para cerca de 43% de portugueses a sofrerem de perturbações mentais ao longo da vida (15). Esta questão é crucial, pois sabe-se existir carência de informação, a qual associada a estigma, preconceito e discriminação, se revela um dos grandes obstáculos à intervenção, tanto na prevenção como no apoio à pessoa com doença. Este facto tem implicações cruciais na vida das pessoas, na convivência familiar e em sociedade. É, pois motivo para nos preocuparmos e repensarmos de forma crítica a forma como nos catalogamos e como podemos colocar em risco a nossa saúde, a saúde de pessoas que nos são importantes, bem como a de todos os que nos rodeiam. Não podemos descurar o facto de ser um problema nosso e não do “outro”, pois a probabilidade de contactar ou vir a contactar com alguém com doença (ou vir a ter doença) deve estar bem presente.
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Marta Cristina da Silva Gouveia, Enfermeira Especialista em enfermagem de saúde mental e psiquiatria, Mestre em enfermagem de saúde mental e psiquiatria. Centro Hospitalar Tondela-Viseu, unidade de Viseu, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, sector feminino e equipa de intervenção no primeiro surto psicótico
Este artigo foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.