“É importante definir estratégias para a mudança de comportamentos alimentares"
“Vários estudos têm revelado que os hábitos alimentares dos portugueses estão a sofrer alterações devido aos novos ritmos de vida. Assiste-se a uma deterioração dos hábitos alimentares dos portugueses pela falta de recursos económicos, pelo pouco tempo que têm para se preocupar com as questões da saúde, por falta de informação ou até de motivação”, refere Nuno Borges, Nutricionista da Direcção da Associação Portuguesa dos Nutricionistas ao Atlas da Saúde, a propósito do Dia Mundial da Alimentação que se assinala hoje - 16 de Outubro.
Para a mesma responsável a existência de um dia dedicado à alimentação permite que sejam desenvolvidas diversas acções de sensibilização de extrema importância para a população. Por isso, neste dia “a Associação Portuguesa dos Nutricionistas (APN) é parceira de diversas entidades/instituições, em acções de sensibilização, disponibilizando materiais educativos que fornecem informações credíveis sobre alimentação saudável e possibilitando a participação de nutricionistas nos locais das acções”, esclarece, acrescentando que, “também hoje, a Associação promove ainda a entrega dos prémios Food and Nutrition Awards, uma iniciativa pioneira na área da Nutrição em Portugal”. O objectivo destes prémios é a “promoção da inovação no sector agro-alimentar, agregado às áreas da Educação e da Saúde, sendo um motor para o empreendedorismo, valorização da produção nacional e promoção de estilos de vida e hábitos alimentares saudáveis”.
Diz a sabedoria popular que ‘há quem coma para sobreviver e há os que vivem para comer’. Seja qual for o caso, é importante perceber que é através dos alimentos, que o organismo humano consegue obter a energia necessária para se manter vivo e todos os nutrientes essenciais à manutenção de um estado saudável. Por isso, importa perceber que, conforme explica Nuno Borges, “os alimentos assumem um papel preponderante na manutenção da vida”, sublinhando que “se assiste actualmente a uma crescente valorização da alimentação, com o pressuposto de optimizar a saúde e prevenir o aparecimento de doenças”. Ou seja, as principais causas de morte e de perda de qualidade de vida estão relacionadas com o estilo de vida e, particularmente, com os hábitos alimentares. Isto é uma realidade tanto para Portugal como para o resto do mundo.
Quer isto dizer que os principais perigos de uma alimentação inadequada se traduzem em “doenças crónicas não transmissíveis, tais como a obesidade, as doenças cardiovasculares, o cancro, a diabetes mellitus ou as doenças respiratórias crónicas”. Todas estas doenças, conforme nos conta Nuno Borges “estão a aumentar drasticamente a nível mundial e de uma forma transversal a todos os países”. Estas patologias, destaca o especialista, “são responsáveis por mais de 60% das mortes a nível mundial. Além do mais, estima-se que cerca de 80% das doenças cardiovasculares e diabetes mellitus e 40% dos cancros, poderão ser prevenidos através de hábitos saudáveis, realçando-se que muitos destes podem resultar de intervenções baratas e rentáveis”.
Os erros dos portugueses
“Actualmente, a elevada taxa de desemprego, o nível de pobreza, a diminuição da capacidade financeira e do poder de compra, fazem com que parte da população não apresente condições económicas para a aquisição de alimentos considerados essenciais (ex: leite, fruta, hortícolas, peixe, carne, arroz, batatas, massa) ”, explica Nuno Borges. Por tudo isto, é natural que as pessoas optem por alimentos mais baratos e menos ricos nutricionalmente. Porém, o especialista alerta que além das questões económicas a baixa literacia pode estar na origem dessas escolhas.
Os últimos dados apresentados pela Direcção-Geral da Saúde acerca da obesidade revelam a elevada prevalência na sociedade portuguesa (cerca de 1 milhão de adultos obesos e 3,5 milhões de pré-obesos). No que concerne à diabetes, segundo o Observatório Nacional de Diabetes, a prevalência em Portugal é de 12,4% em indivíduos entre os 20 e os 79 anos. “Os dados são, de facto, preocupantes”, nota o responsável da APN.
Para além disso, os últimos dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística, referentes ao período de 2008 a 2012, mostram uma acentuação dos desequilíbrios da dieta portuguesa, que se reflecte, conforme explica Nuno Borges “num excesso do consumo calórico e de gorduras saturadas, numa ingestão baixa de frutos, hortícolas e leguminosas secas e num recurso excessivo aos grupos alimentares de ‘carne, peixe e ovos’ e de ‘óleos e gorduras’. Não é difícil perceber que estas (más) escolhas resultam num aumento de peso, apesar de todos dizermos que Portugal tem uma dieta mediterrânica. A verdade é que nos temos vindo gradualmente a afastar da dieta tradicional tipo mediterrânico, habitualmente associada a saúde e qualidade de vida. Na opinião de Nuno Borges “este afastamento está relacionado com uma deterioração do estilo de vida e, particularmente, dos hábitos alimentares que desempenham um papel preponderante no aumento destas doenças crónicas”.
O que fazer?
A crise económica e social veio agravar as más escolhas alimentares, havendo uma relação directa entre a “falta de recurso dos portugueses, o pouco tempo de que dispõem e uma economia alimentar deficiente”. No entanto, para o responsável, “o maior erro poderá estar na falta de informação ou de motivação para melhorarem hábitos de consumo e de confecção dos alimentos”. É por isso que o especialista considera necessário informar e incentivar as famílias a retomar hábitos alimentares tradicionais, muitas vezes mais saudáveis e a custos mais baixos.
“Em casas de famílias portuguesas, cuja gestão alimentar não é eficiente, nem sempre os comportamentos alimentares transmitidos aos filhos são efectuados da melhor maneira”, lamenta, acrescentando que “os pais apesar de se preocuparem em oferecer aos seus filhos alimentos seguros e saudáveis, nem sempre estão suficientemente informados e motivados”.
Nessa medida é importante definir estratégias para contribuir para a mudança de atitudes e comportamentos alimentares das famílias portuguesas, já que a alimentação saudável promove a saúde e previne a doença. O melhor guia para uma alimentação saudável é, na opinião da especialista, a Roda dos Alimentos e os que princípios a ela associados. “É uma forma racional de comer que assegura variedade, equilíbrio e quantidade justa de alimentos, que devem ser escolhidos pela sua qualidade nutricional e higiénica e que são submetidos a benéficas manipulações culinárias”, diz.
O Nutricionista reconhece que quer a Direcção-Geral de Educação, quer pela Direcção-Geral da Saúde se preocupam cada vez mais em difundir diversos programas para promoção de hábitos alimentares saudáveis.
Alimentação vs publicidade
A par da preocupação social e médica sobre o aumento da obesidade e hábitos alimentares menos correctos estão as campanhas publicitárias da indústria alimentar cuja (única) preocupação parece ser o volume de vendas. Esta realidade tem sido “largamente estudada e verificada”, uma vez que, “as empresas do sector agro-alimentar podem assumir um papel preponderante na adopção de hábitos alimentares saudáveis pelos consumidores, já que são responsáveis quer pela produção e distribuição, quer pela publicidade e campanhas de marketing dos produtos”, explica Nuno Borges que acredita que as empresas do ramo agro-alimentar têm assumido uma posição mais controlada no que respeita à publicidade.
Se assim é ou não, importa que este sector desenvolva campanhas de marketing assertivas e responsáveis, de forma a satisfazer as necessidades dos consumidores.
Segundo a responsável esse objectivo pode ser conseguido através dos rótulos dos produtos alimentares. “São uma excelente fonte de informação, pelo que caberá às empresas comunicarem aos consumidores não só as vantagens nutricionais dos seus produtos, como também aproveitar para veicular informação relativa às vantagens da aquisição de um estilo de vida saudável”, refere rematando: ”De forma a responder às novas exigências da população, as empresas do ramo agro-alimentar têm apostado na inovação e no desenvolvimento de novos produtos, procurando conciliar o sabor “tradicional” com a melhoria da qualidade nutricional dos alimentos, ambicionada pelas pessoas”.