Doença rara espera aprovação de tratamento inovador
A Colangite Biliar Primária (CBP) é uma doença rara do fígado causada por uma reação autoimune que provoca a inflamação constante dos pequenos canais biliares presentes neste órgão. “Nesta doença é como se organismo deixasse de reconhecer o fígado e o sistema imunitário começasse a agredi-lo”, começa por explicar Helena Cortez-Pinto, especialista em Gastrenterologia do Centro Hospitalar Lisboa Norte – HSM.
Estima-se que, em Portugal, possam existir entre 500 a 1000 casos de Colangite Biliar Primária, tendo o diagnóstico da doença aumentado nos últimos 60 anos. “Não se sabe, ainda, se este aumento está relacionado com o aumento da incidência desta doença ou com o facto de os médicos estarem mais despertos para o seu diagnóstico”, acrescenta a professora da Faculdade de Medicina de Lisboa.
Apesar de não existir ainda uma explicação científica que justifique o porquê de esta doença ser mais predominante junto do sexo feminino, sabe-se ainda que afeta entre nove a 10 mulheres para um homem. “Contudo, sabe-se que as doenças autoimunes são mais incidentes nas mulheres”, adianta.
Com maior incidência em pessoas entre os 40 e os 60 anos de idade, esta doença pode, no entanto, ser diagnosticada em idades mais jovens.
Quanto às suas causas, uma vez que se trata de uma doença multifatorial, “o que se sabe é que tende a aparecer onde existe uma maior atividade industrial, quando existem hábitos tabágicos associados ou alterações nos cromossomas sexuais”. Por outro lado, “é mais suscetível de aparecer em pessoas que tenham infeções do trato urinário frequentes e em pessoas em que o sistema imunitário está debilitado”.
Embora possa ser assintomática, os sintomas mais comuns são a fadiga, prurido ou comichão forte. “O prurido surge, habitualmente, com mais intensidade à noite ou quando está calor e pode ter uma menor ou maior intensidade”, explica a gastroenterologista. Em fases mais avançadas da doença pode surgir icterícia.
Uma vez que é bastante frequente os doentes não apresentarem sintomas durante os primeiros anos, pode suspeitar-se do diagnóstico da doença quando as análises de rotina apresentem alterações nas análises do fígado. “Apesar do diagnóstico ser relativamente simples, verificamos que, desde as primeiras alterações até ao diagnóstico, podem decorrer vários anos, período durante o qual a doença vai evoluindo”, lamenta a médica.
“Existem dois exames do sangue que podem diagnosticar esta doença e que são bastante simples, e que são a pesquisa de anticorpos antimitocondriais e os níveis séricos fosfatase alcalina. No entanto, sobretudo a primeira não é uma análise de rotina, só sendo, habitualmente, pedida quando se suspeita da doença”, explica Helena Cortez-Pinto.
Sem cura, a verdade é que o prognóstico desta doença depende do estadio em que ela é diagnosticada. “Se for diagnosticada numa fase inicial, existe uma maior probabilidade do tratamento impedir a progressão da doença. No caso de ser detetada mais tardiamente, a doença pode evoluir para formas mais graves, como é o caso da cirrose ou cancro do fígado podendo, eventualmente, ser necessário proceder-se ao transplante hepático”, adianta a especialista.
Sabe-se, aliás, que a Colangite Biliar Primária é responsável por “cerca de 9% dos transplantes de fígado realizados na Europa, por cirrose hepática”.
De acordo com a professora da Faculdade de Medicina de Lisboa, o tratamento médico disponível para esta doença é o ácido ursodeoxicólico (UDCA) que, quando administrado e tomado de forma correta permite um maior controlo sobre a doença durante largos anos.
“Contudo, uma percentagem dos doentes não respondem de forma adequada ao tratamento, verificando-se a sua progressão. Existe ainda uma percentagem, ainda que pequena, que não tolera bem o tratamento”, refere. A verdade é que, de acordo com os dados disponíveis sabe-se que cerca de 20 por cento dos doentes com Colangite Biliar Primária “têm uma resposta inadequada ao tratamento standard ou não o consegue tolerar”.
Deste modo, tal como explica Helena Cortez-Pinto, seria “muito importante encontrar-se uma resposta alternativa para esta percentagem de casos em que os doentes não respondem ao tratamento já existente”.
Nos últimos 20 anos não houve qualquer inovação no tratamento farmacológico desta doença. No entanto, um tratamento inovador para a CBP foi, recentemente, aprovado nos Estados Unidos - o Ácido Obeticólico - e espera agora por aprovação na Europa, representando uma esperança para estes doentes.
“Ao progredir, a Colangite Biliar Primária pode levar à cirrose ou mesmo ao cancro do fígado. A cirrose é a destruição parcial do fígado, levando a complicações como ascite (barriga de água), encefalopatia (confusão mental) ou sangramento digestivo (por rotura das varizes do esófago)”, conclui a especialista em Gastroenterologia.