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Cigarro eletrónico: uma nova terapia ou um novo vício?

Atualizado: 
17/11/2014 - 17:15
O cigarro eletrónico tem sido anunciado como uma alternativa ao cigarro convencional, que pode ser usado em ambientes fechados e espaços públicos, por não libertar fumo.
Cigarro eletrónico

Este novo produto apresenta-se como um “auxílio para deixar de fumar”. Este artigo de caráter informativo aborda este e outros aspetos, tendo por objetivo contribuir para a reflexão desta temática, que ainda encerra muito desconhecimento e divergências na comunidade científica, bem como pretende consciencializar a sociedade civil para este assunto tão atual e que será matéria de acesa discussão num futuro próximo, no nosso país e no espaço europeu, face à recente diretiva da Comissão Europeia sobre a matéria. Trata-se de um artigo meramente informativo, pelo que deve consultar sempre um profissional de saúde para esclarecer as suas dúvidas e discutir o seu caso. O autor do artigo declara não haver conflitos de interesses.

O que são cigarros eletrónicos (CE)?
Este produto emergiu na China em 2004 e rapidamente se espalhou pelo mundo inteiro entre 2008 e 2009, tendo a sua venda vindo a crescer exponencialmente (Serra, 2011). Em Portugal, durante o ano de 2013, assistiu-se à abertura duma série de lojas especializadas em CE nas principais cidades do nosso país.

O CE é um dispositivo que permite mimetizar o ato de fumar e que possibilita ao utilizador obter, na maior parte dos casos, uma dose variável de nicotina por inalação (Gomes, 2014).

O CE habitualmente tem a forma de um cilindro metálico que mimetiza um cigarro tradicional no tamanho e na aparência, mas que não contém tabaco. Este dispositivo pode ser descartável ou recarregável e é composto por uma bateria, um cartucho ou reservatório (onde está contido o líquido, com ou sem nicotina) e um atomizador (contém uma resistência que aquece o líquido e o vaporiza produzindo fumo, semelhante na aparência ao fumo do cigarro tradicional). Na compra do kit é disponibilizado um cabo para recarregar a pilha, podendo assim ser reutilizável. O cartucho contém propileno-glicol, água, aromatizantes com diversos tipos de sabores e cheiros (por ex. menta, café, chocolate, maçã, morango) e pode conter ou não nicotina (Serra, 2011; Gomes, 2014).

Assim, assistimos a um novo comportamento a nível mundial, “vapear” (do inglês “to vape”, e que resulta da vaporização do líquido mencionado) e a um aumento exponencial de lojas que comercializam os CE. Uma parte dos consumidores deste produto gosta de chamar-se “vapeadores” em vez de fumadores (Gomes, 2014).

Cigarros eletrónicos não declaram centenas de substâncias que contêm
Importa referir que atualmente, os cigarros tradicionais são obrigados a declarar as centenas de substâncias que contêm. Porém, atualmente as marcas de CE e as recargas não têm ainda essa obrigatoriedade, apenas publicitando a inexistência de alcatrão e de monóxido de carbono, dado não haver combustão.

No CE a nicotina é inalada diretamente nas vias aéreas, pelo que o seu potencial de adição é elevado. Os cartuchos de nicotina comercializados têm muita variabilidade em relação à quantidade de nicotina disponibilizada, inclusive dentro da mesma marca. Existe um intenso debate mundial sobre a sua utilização em termos de redução de dano (muito em parte favorecido pelo marketing), pelo que este facto terá aproximado a comunidade científica a interessar-se por esta matéria. Lembramos que algo de parecido se passou há alguns anos no que se refere aos cigarros com filtro ou pobres em nicotina (incorretamente designados de light), que se denominavam como menos nocivos, e que posteriormente se demonstrou que tinham o mesmo risco ou mais que os cigarros ricos em nicotina, especialmente quando os fumadores consumiam mais cigarros pelo efeito de compensação nicotínica (Garcia & Andrés, 2013).

A escassa informação e legislação, nesta área dos CE, e o desconhecimento dos efeitos do uso destas substâncias, a longo prazo, na saúde dos utilizadores devem fazer-nos ponderar a sua utilização.

São mesmo seguros os CE?
Nem todas as marcas admitem que os cartuchos para CE contêm nicotina, pelo que análises independentes mostram que a maioria contém doses variáveis desta droga. Um estudo da Food and Drug Administration (FDA) dos EUA revelou que a quantidade de nicotina vem determinada pela carga dos cartuchos que se utilizam, ou pela concentração do líquido com que sejam recarregados (em geral, entre 0 e 36 mcg por inalação de 100 ml de vapor). É dizer, que há CE sem nicotina, segundo o fabricante, mas onde foi detetada a sua presença. Se as quantidades de nicotina são consideradas demasiado baixas, não ajudarão a deixar de fumar, e se forem demasiado altas, serão tóxicas.

Doses de nicotina 100 vezes mais do que nos cigarros vulgares e vapor tóxico
A quantidade total de nicotina por cartucho oscila entre 6 e 24 mg, mas num caso a dose total alcançou os 100 mg, o que equivale a 100 cigarros. Há que ter em conta que a dose letal de nicotina oscila entre 0,5 e 1 mg de nicotina por Kg de peso, pelo que uma criança de 30 Kg poderia morrer se ingerisse acidentalmente o conteúdo de um só cartucho. Algumas marcas disponibilizam mais do dobro de nicotina de que um inalador de nicotina farmacológico aprovado pela FDA, pelo que o mais habitual é que as doses disponibilizadas sejam baixas (Garcia & Andrés, 2013).

Também o vapor do CE contêm substâncias tóxicas e nocivas para a saúde, habitualmente propelentes como o dietilenglicol, ainda que se use cada vez mais o propilenglicol. Um estudo da Junta de Andaluzia detetou dietilenglicol em 42% das marcas analisadas. Algumas marcas apresentam quantidades detetáveis de N-nitrosaminas, cancerígeno que também se encontra nos cigarros tradicionais. Muitas marcas contêm doses de glicerina e presença de diversos aditivos do tabaco. Foram diagnosticados casos de pneumonia lipóide exógena por inalação de glicerina e casos de fibrose pulmonar, o que indica perigosidade de inalar certos produtos aparentemente inócuos. Outros produtos detetados noutras investigações foram a anabasina, miosmina e b-nicotirina. Muitos destes produtos são cancerígenos e perigosos para a espécie humana se usados durante anos consecutivos (Garcia & Andrés, 2013). Ao nível da segurança dos aparelhos, também foram detetados problemas, como a falta de uma rolha em certas recargas. Uma falha perigosa já que a nicotina pode causar intoxicações em caso de exposição cutânea, principalmente nas crianças.

CE: Dispositivo de dispensa de nicotina ou um produto de tabaco?
Desde o início da comercialização do CE que as autoridades de saúde de diversos países têm vindo a tomar posição sobre este produto, mas a questão não é simples e parece que está longe de ser resolvida. Contribuindo para isto está o facto que a maioria das marcas de CE foge de abordar esta questão. Observa-se que essas marcas utilizam fortemente no seu marketing, a referência de que muitos fumadores deixaram de fumar com a sua utilização, mas não existem estudos científicos que comprovem e suportem esta afirmação. Se os CE podem ser utilizados para deixar de fumar então deverão ser considerados dispositivos de dispensa de nicotina com uma utilização semelhante a outros produtos que contêm nicotina (por ex. sistemas transdérmicos, gomas e pastilhas).

A verdade é que até hoje nenhuma marca de CE avançou com pedidos de registo como medicamento em nenhum país do mundo, pois teriam de demonstrar cientificamente a segurança e eficácia do CE no abandono do tabagismo (Serra, 2011).

É de salientar que, quer a Food and Drug Administration (FDA), quer outras entidades científicas de renome mundial, têm alertado para os perigos da utilização destes dispositivos, pois o consumo de quaisquer quantidades de nicotina pode levar à dependência. A comercialização destes dispositivos com aromas apelativos para os jovens poderá conduzir à dependência e ao consumo dos cigarros tradicionais, levando ao aparecimento de todas as doenças relacionadas com o tabaco. Não se pode subestimar o poder do marketing, pois este leva ao consumo e uso do CE nos locais de diversão frequentados pelos jovens, onde é proibido fumar os cigarros tradicionais, por ser um cigarro sem tabaco.

Líquido das cápsulas dos cartuchos com produtos cancerígenos
Foram divulgados alguns estudos sobre a composição do líquido contido nas cápsulas dos cartuchos onde é referido a existência de produtos cancerígenos (nitrosaminas, relacionadas com a extração da nicotina da planta do tabaco) e tóxicos (dietilenoglicol, um anticoagulante tóxico), bem como outros produtos. Como é sobejamente conhecido, a nicotina contida nos CE só existe em quantidades rentáveis, do ponto de vista comercial, na planta do tabaco. Desta forma, o CE é um produto de tabaco! (Serra, 2011).

Em abril de 2011 a FDA anunciou que considera o CE como um produto de tabaco. Assim foi regulamentado como todos os outros produtos de tabaco, obrigando as empresas que comercializam este produto a dar todas as informações sobre a verdadeira composição do líquido que existe nos cartuchos dos CE.

A nível europeu a venda do CE encontra-se generalizada através da internet e lojas instaladas em locais muito frequentados pelos consumidores. Não estão sujeitos a qualquer controle por nenhuma entidade de saúde ou de defesa do consumidor podendo assim ser vendidos sem nenhum controle.

OMS e o INFARMED, em Portugal, desaconselham cigarros eletrónicos
Mais recentemente a Organização Mundial de Saúde (OMS) tomou uma posição sobre o CE desaconselhando o seu uso (OMS, 2014). Em Portugal, as autoridades de saúde (INFARMED, 2011) também já se pronunciaram sobre o CE desaconselhando a utilização deste tipo de produtos, por não ser possível assegurar a sua qualidade, segurança e eficácia. Até ao momento a Direção-Geral de Saúde ainda não se pronunciou sobre esta matéria. Com efeito, continua tudo na mesma. Veremos mais adiante neste artigo, como uma nova diretiva da Comissão Europeia poderá ajudar a mudar este cenário no espaço europeu, onde se insere Portugal (Comissão Europeia, 2014).

Serão os CE um método eficaz para deixar de fumar?
A eficácia dos CE para deixar de fumar ainda não foi cientificamente demonstrada. Um comunicado da OMS (OMS, 2013) recorda de que não há evidência científica consistente para apoiar o uso terapêutico destes produtos. No fundo, a OMS refere que desconhece se o mecanismo mediante o qual se produz a inalação pulmonar de nicotina através do CE pode ajudar a vencer a adição, ou pelo contrário, pode ajudar a mantê-la ou iniciá-la entre os jovens. Por outro lado, a OMS proibiu expressamente os fabricantes de anunciarem os CE como uma forma de tratamento do tabagismo.

Também a FDA não considera estes produtos válidos para ajudar a deixar de fumar. Vários investigadores chamam a atenção para o facto de que as notícias de que estes cigarros reduzem o risco, como informam algumas marcas, pode ter um efeito adverso de impedir a cessação tabágica definitiva e seduzir os jovens e os ex fumadores a experimentar estes novos produtos, ao serem atraídos pelos sabores e pela falsa imagem de segurança. Nos EUA um estudo revelou que 25% de pessoas fumadoras que pensavam deixar de fumar acreditavam que estes produtos tinham menos risco que os cigarros convencionais e pensavam reconsiderar a sua decisão. Uma pesquisa do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) revela um alarmante aumento de consumo de CE por parte dos jovens (Garcia & Andrés, 2013).

Do outro lado da barricada, os defensores dos CE baseiam-se no conceito de redução de danos, pelo que a visão individual deste conceito não coincide com uma visão populacional. A evidência para propor o CE como uma estratégia de saúde pública é débil e inconsistente, pois em todo o mundo estão disponíveis terapias de substituição da nicotina em várias formas: pensos transdérmicos, gomas, pastilhas, comprimidos sub-linguais, inaladores bucais e aerossóis nasais. Todos estes produtos foram objeto de numerosos ensaios controlados e demonstraram segurança e eficácia. Na maioria dos países, as terapias de substituição da nicotina estão indicadas para uso breve (12 semanas) para deixar de fumar, pelo que a inclusão dos riscos de nicotina “limpa”, livre de cancerígenos, minimiza o risco. Se o CE vier a fazer parte no futuro deste grupo de terapias, deverá demonstrar ao menos, os mesmos resultados dos produtos referidos. Um facto que faz duvidar da sua eficácia para deixar de fumar é que as grandes companhias tabaqueiras comercializam os seus próprios CE e absorvem as empresas especializadas, enquanto seguem apostando fortemente no cigarro tradicional (Garcia & Andrés, 2013).

Como já foi referido, nos últimos anos surgiram vários estudos que referiam que a redução de danos pode ser um objetivo terapêutico aceitável, pelo que poder-se-ia utilizar o CE. Atenção, pois grande parte destes estudos procedem de profissionais implicados no negócio, pelo que deverá ser posto em causa a sua independência, intenções e rigor científico ao apresentar conflito de interesses (Garcia & Andrés, 2013).

Com a evidência disponível atualmente, os profissionais de saúde não podem “demonizar” este produto, nem considerar a sua proibição total, mas também, há pouca evidência para poder recomendá-lo de uma forma proactiva aos utentes fumadores, nem admitir a sua publicidade junto a menores ou o seu consumo em espaços públicos fechados.

Urgente investigar a segurança e autoridades de saúde regulamentarem

Concluindo, é urgente a investigação da sua eficácia e segurança e a sua regulação pelas autoridades de saúde, antes de ser tomada uma decisão sobre o seu uso terapêutico, pois o objetivo de saúde é romper a adição à nicotina, não aceitá-la como um mal menor. Existem, portanto, múltiplas dúvidas pendentes para responder acerca dos CE e que a comunidade científica deverá responder com a maior brevidade possível. Eis algumas dessas perguntas:

- Qual deveria ser a idade mínima legal para o seu consumo?

- Quais são as diretrizes de fabricação em termos de nicotina total e dose disponibilizada por inalação?

- Que propelentes e aditivos são autorizados sem risco conhecido para a saúde?

- Qual o tempo máximo utilizado na desabituação do cigarro?

- Onde se podem comprar estes dispositivos? Em farmácias? Noutros locais?

- Poder-se-á publicitar e promover o seu consumo entre menores?

- Podem-se usar em espaços públicos fechados?

- Quem financiará estudos sobre a sua segurança e eficácia?

CE: Qual o enquadramento legal e sua comercialização em Portugal?
Na sequência das inúmeras questões relativas aos CE, nomeadamente sobre o enquadramento legal, a comercialização e segurança destes produtos, o INFARMED -Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P. em Circular Informativa (2011) vem esclarecer que os CE podem ter diferentes apresentações e reivindicar indicações médicas/terapêuticas que condicionam o seu enquadramento legal. O CE contendo nicotina com indicação para o tratamento da dependência da nicotina ou para auxílio ao combate ao tabagismo – é classificado como medicamento. O Kit que inclua um CE e cápsula com nicotina com indicação para o tratamento da dependência da nicotina ou para auxílio ao combate ao tabagismo – o cigarro reutilizável é um dispositivo médico (avaliado de acordo com a Diretiva 93/42/CEE) e a cápsula de nicotina é um medicamento, pelo que o conjunto é classificado como medicamento (Conselho das Comunidades Europeias, 1993). O CE não contendo nicotina e com indicação para o tratamento da dependência da nicotina ou para auxílio ao combate ao tabagismo - é classificado como dispositivo médico.

Em suma, o enquadramento do CE enquanto medicamento, dispositivo médico ou produto de consumo geral, depende do seu conteúdo em nicotina, da sua indicação de uso, e se essa é, ou não, uma finalidade médica. Os fins médicos devem ser devidamente fundamentados, com dados clínicos e científicos, e esses dados têm que ser submetidos às autoridades competentes para avaliação.

Este tema foi alvo de discussão a nível europeu e, a 22 de Maio de 2008, foi publicada uma nota de orientação relativa aos CE, segundo a qual: um CE que não contenha tabaco não é enquadrável na Diretiva dos Produtos de Tabaco. No referido documento, também é referido que o seu enquadramento como medicamento de uso humano, de acordo com a Diretiva 2001/83/CE, depende do facto de ser ou não caracterizável como tal, graças à sua apresentação e/ou função. Acrescenta ainda que o enquadramento do CE na Diretiva 93/42/CEE irá depender da existência de uma finalidade médica. Por último, conclui que a Diretiva 2001/95/CE, relativa à segurança geral dos produtos, poderá ser aplicada uma vez que não existe outra Lei Comunitária específica. Esta Diretiva permite a retirada do produto do mercado caso o regulador prove que este representa um perigo para a saúde e segurança do consumidor (Comissão Europeia, 2008).

Ainda na referida circular do INFARMED (2011) está bem explícito que “tal como o cigarro convencional, o uso de CE pode induzir dependência, independentemente da quantidade de nicotina dispensada.”. Sabemos que até ao momento, o Infarmed não tem qualquer autorização ou registo para este tipo de produtos, nem como medicamento, nem como dispositivo médico. Assim, o Infarmed desaconselha a utilização deste tipo de produtos, por não ser possível assegurar a sua qualidade, segurança e eficácia/desempenho.

Também, como já foi referido anteriormente, até ao momento a Direção-Geral de Saúde ainda não se pronunciou sobre esta matéria. Pensamos que esta deverá ser objeto de reflexão e devidamente integrada no âmbito do Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo através da emissão de circulares e orientações dirigidas aos profissionais de saúde.

CE: O que pensam os especialistas portugueses sobre esta matéria?
Em Portugal vieram a público recentemente, vários especialistas da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) que desaconselham o CE, considerando mesmo que este é “um retrocesso na luta contra o tabagismo”, pelo que recomendam que não seja utilizado enquanto os efeitos e a eficácia não forem provados. Acrescentam, ainda, que se deve ter em conta que alguns jovens não fumadores podem começar a usar o CE por acreditarem ser menos nocivo do que fumar os cigarros tradicionais. Não se trata apenas de olhar para o CE como um incentivo ao consumo e à dependência da nicotina, mas, também, como um retrocesso na longa batalha que ao longo dos anos a SPP tem vindo a travar contra o tabagismo.

Segundo o Presidente da SPP, Carlos Robalo Cordeiro, “torna-se urgente que a questão do CE seja regulamentada, isto para que dentro de 20 anos não tenhamos uma nova geração de fumadores, conquistados através dos cerca de 7000 sabores existentes no mercado e das atrativas campanhas publicitárias como as que em tempos conferiram glamour ao cigarro” (Agência Lusa, 2014 a).

O que é que o Orçamento de Estado para 2015 tem a ver com os CE?
O Orçamento de Estado (OE) para 2015 prevê a introdução de um imposto sobre o líquido usado no CE de 60 cêntimos por mililitro, o que representa 6 euros em cada frasco de 10 ml, o habitualmente vendido (Agência Lusa, 2014 b).

Recentemente o Presidente da Associação Portuguesa de Empresas de CE (APECE), Tiago Machado, apresentou ao Ministério das Finanças um estudo do impacto económico da concretização do imposto no sector, referindo que o imposto obrigará a duplicar ou mesmo a triplicar o atual preço cobrado pelo líquido dos CE. Acrescentou ainda que “esse aumento de preço terá como consequência o abandono dos CE por muitos dos consumidores, o que não significa que deixarão de fumar, mas vão deixar um produto que faz muito menos mal à saúde dos que os cigarros convencionais”. Concluiu referindo que em outros países da União Europeia, nomeadamente na vizinha Espanha, a tributação proposta é mais de 10 vezes inferior à indicada para Portugal, ficando nos 0,5 cêntimos. O Presidente da APECE estima que o sector dos CE renderá ao Estado cerca de 3,2 milhões de euros entre IVA e direitos aduaneiros. Com a proposta fixada do OE para 2015, a associação estima que o valor suba para os 7,3 milhões de euros, mas avisa que a receita do Estado pode ser maior ainda, caso seja adotada a proposta apresentada pelas empresas do sector.

CE: A nova Diretiva Europeia está a chegar…O que vai mudar?
Em março deste ano, foi publicada uma Diretiva Europeia, que deverá ser aplicada até 2016, que regulamenta o fabrico, apresentação e venda destes produtos (ex. concentração máxima de nicotina do líquido até 20 mg/ml) e que permitirá a obtenção de dados, tendências e padrões de consumo destes produtos (Comissão Europeia, 2014).

Como os Estados-membros dispõem de um período de transposição de 2 anos, a maioria das novas medidas deverá ser aplicada só no primeiro semestre de 2016. Assim, com a revisão da legislação os CE com menos de 20 mg/dl de nicotina e sem alegações de saúde passarão a ser considerados como produtos de tabaco, os que têm mais, serão considerados medicamentos, sendo o seu uso monitorizado por um profissional de saúde. Os CE com propriedades alegadamente curativas ou preventivas de doenças (usados enquanto terapia de substituição de nicotina) só poderão ser autorizados e comercializados como medicamentos, desde que cumpram as obrigações legais a que estes estão sujeitos.

Por seu turno, fabricantes e importadores ficam também obrigados a fornecer às autoridades competentes a lista de todos os ingredientes presentes nos dispositivos. Por último, a publicidade a CE será sujeita às mesmas restrições que a publicidade a produtos de tabaco. 

Os CE sem nicotina não são regulados pela nova diretiva comunitária, o que é de lamentar. Tratando-se de produtos inalados com um risco ainda desconhecido, é inadmissível que continuem a ser vendidos livremente, sem enquadramento legal específico.

Algumas recomendações práticas para os profissionais de saúde enquanto não surgem orientações emanadas pelas autoridades de saúde competentes:

- Informar e respeitar a decisão dos utentes fumadores que decidem usar os CE como terapia de cessação tabágica;

- Informar sobre a ineficácia da redução do número de cigarros como objetivo a médio e longo prazo;

- Desaconselhar ativamente os CE enquanto não estão registados como produtos terapêuticos;

- Interceder para que não se faça publicidade destes produtos igual à dos produtos de tabaco;

- Sensibilizar para que não se consumam CE em espaços públicos fechados.

Notas finais

- A maioria dos fumadores recorre aos CE (com ou sem nicotina) com o intuito de deixar de fumar, não sendo este um método mais eficaz que outros já existentes para ajudar à cessação tabágica;

- Foram identificadas substâncias tóxicas e carcinogénicas no vapor dos CE;

- O intenso marketing praticado atualmente pode levar ao aumento da utilização dos CE por jovens, por não fumadores e ex-fumadores;

- O CE é atualmente um produto não medicamentoso, pelo que está fora dos mecanismos habituais de controlo de segurança e eficácia dos produtos de saúde. Em consequência, as referências na literatura científica são escassas;

- O CE não é um método cientificamente comprovado para deixar de fumar, pois não existem estudos a este respeito. A OMS proibiu expressamente aos seus fabricantes que anunciem os CE como uma nova forma de tratamento do tabagismo;

- Existe ainda uma escassa legislação e regulamentação sobre este produto. Devido a isto os controles de qualidade são praticamente inexistentes;

- O fumo produzido por um CE pode conter agentes irritantes e tóxicos (propilenglicol-dietilenglicol), assim como nicotina em concentrações diversas (de 0 a 36 mg/dl);

- Devido à sua crescente popularização, é necessário a regulamentação da sua venda e que se proceda à realização de controlos de qualidade e de toxicidade do produto;

- Não se descarta a hipótese que seja um método que possa ajudar algumas pessoas a deixar de fumar. Contudo, neste momento ainda não pode ser aconselhado, devido ao desconhecimento sobre a sua segurança e falta de estudos de efetividade.

 

Referências Bibliográficas

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Garcia, Rodrigo C. & Andrés, Concepción S. (2013), “Cigarrillo Electrónico”, in AMF, Vol. 9, N.º 11, pp. 624-627.
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Serra, A. Santos (2011), “Cigarro Eletrónico – Cigarro fora da Lei!”, in Newsletter – Grupo de Tabagismo Região Centro, novembro 2011, ARS Centro IP.

Pedro Quintas, Enfermeiro Especialista em Saúde Comunitária, UCSP Figueira Sul, ACES Baixo Mondego, ARS Centro IP ([email protected])

Este artigo foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico

Autor: 
Pedro Quintas - Enfermeiro Especialista em Saúde Comunitária
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico e/ou Farmacêutico.
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