A problemática mundial e o impacto pessoal do AVC
De acordo com a World Stroke Organization (WSO), 15 milhões de pessoas sofrem um acidente vascular cerebral (AVC) por ano. A Organização Mundial de Saúde (OMS) aponta o AVC como a segunda causa de morte em pessoas acima dos 60 anos e a quinta em pessoas entre os 15 e os 59 anos. Este organismo refere ainda que uma em cada seis pessoas no mundo terá um acidente vascular cerebral na sua vida. Em 2013, A Direcção-Geral da Saúde (DGS) acrescentou que tinha havido nos últimos anos uma progressiva diminuição da mortalidade.
Para além das mortes que causa, o AVC é responsável por uma significativa percentagem de incapacidades. A DGS, já em 1996, concluiu que três meses após o AVC, apesar de 30,8% dos doentes terem ficado com independência, 24,0% traduziram-se por sequelas que originaram limitações graves e 18,2% apresentaram incapacidade ligeira.
Os números são alarmantes, quando analisados sob o prisma da saúde pública, mas o impacto é ainda maior quando o AVC é experimentado no seio de uma família. Ao impacto mundial do AVC acrescenta-se ainda um maior dramatismo quando analisadas diversas histórias pessoais. E é necessário desmistificar esta ideia, porque, se o AVC aparece ligado à mortalidade e incapacidade, também vem, frequentes vezes, associado a pessoas que lhe sobreviveram sem sequelas ou com incapacidades mínimas e que retomaram normalmente as suas vidas.
A importância de uma detecção precoce
O AVC corresponde à interrupção de fornecimento de sangue para as células do cérebro, geralmente causado por um rebentamento ou obstrução de um vaso sanguíneo cerebral. O fornecimento de oxigénio e nutrientes é assim interrompido causando danos ao tecido cerebral. O AVC popularmente é conhecido como trombose, com origem no termo trombo, coágulo. Em rigor este é um termo que se liga a um tipo de AVC: o AVC isquémico. Quando a causa é o rebentamento, denomina-se AVC hemorrágico.
É de extrema importância a rápida detecção do AVC. Quanto mais precoce for detetado, mais rápida será a intervenção com vista a minimizar a área de morte celular cerebral. Deve-se estar atento aos chamados aos 3 principais sinais de alerta, mencionados pela Associação AVC, nomeadamente a instalação súbita de:
- Perda de força Facial: a pessoa consegue sorrir? Tem a boca ou um olho de um dos lados caído?
- Perda de força no braço: a pessoa consegue levantar os braços?
- Problemas de expressão: a pessoa consegue exprimir-se de forma clara e compreender o que lhe é dito?
A presença de um destes sinais é motivo para suspeitar de um AVC e ligar imediatamente ao 112.
Segundo a National Stroke Association (NSA), podem ocorrer concomitantemente os seguintes sintomas:
- Confusão;
- Tonturas;
- Problemas de visão;
- Perda de equilíbrio ou coordenação;
- Forte dor de cabeça, súbita e de causa desconhecida.
Recuperação no AVC: Neuroplasticidade aliada a celeridade e intensidade
Emanuel Silva (2010) explana que existem três maneiras possíveis de o indivíduo com lesão cerebral poder recuperar as capacidades funcionais perdidas: recuperação de uma forma repentina, restituição ou compensação da função perdida. Esta compensação ocorre devido à neuroplasticidade. A reabilitação apoia-se nesta capacidade que o cérebro tem em aprender e mudar. Hoje em dia sabe-se que as células de outras regiões cerebrais não afectadas podem assumir determinadas funções realizadas pelas células da área cerebral onde ocorreu a morte celular.
As incapacidades originadas pelo AVC dependerão da área cerebral afectada e da sua extensão. Daí que as pessoas que sofreram um AVC não fiquem com iguais limitações e não reajam de igual forma ao processo de recuperação. Segundo Isabel Ramires (1997),
“o progresso da reabilitação varia de pessoa para pessoa. Para algumas a recuperação fica completa em algumas semanas a seguir ao AVC. Algumas queixas e dificuldades desaparecem ou melhoram muito com o tempo e a reabilitação, especialmente nos 3 primeiros meses a seguir ao AVC”. Ainda para esta autora, “80% dos doentes que sofreram um AVC atingem o melhor nível funcional às seis semanas, 90% atingem-no às 12,5 semanas (3 meses). Não é de esperar grande melhoria funcional ou neurológica após os 3 meses, pois só 5% dos doentes farão algum progresso a partir desta altura. Uma percentagem próxima dos 50% retomará uma profissão ou manterá as actividades normais”.
A DGS menciona um outro estudo (Nível de evidência A, National Stoke Foundation. Clinical Guidelines for Stroke Management 2010, Melbourne, Austrália), no qual se refere que a reabilitação deve ser estruturada para fornecer o máximo de intensidade nos primeiros seis meses após AVC.
Tanto um estudo como outro concordam no mesmo ponto: são fundamentais as primeiras semanas pós-AVC para a recuperação. Não será de estranhar por isso a preocupação com a celeridade e intensidade inerentes ao processo de reabilitação pós-AVC e que esteve na base da criação da via verde do AVC e das unidades especializadas no AVC. Todavia, esteja o doente internado numa unidade especializada no tratamento do AVC, num serviço sem especialização ou no domicílio, os princípios no processo de recuperação serão os mesmos. No domicílio ganham maior preponderância os cuidadores e profissionais alocados a equipas domiciliárias especializadas em reabilitação, como, por exemplo, as Equipas de cuidados continuados integrados (ECCI). A maior parte dos doentes quando têm alta das unidades de AVC voltam ao seu domicílio, e aqueles que naquelas não são internados permanecem junto dos cuidadores, por isso, estes, mesmo no decorrer de um internamento, terão um papel fundamental no plano de reabilitação desenvolvido.
A celeridade e intensidade são princípios que devem ser adoptados quaisquer que sejam os contextos em que o doente se encontra. Estas características devem ser desenvolvidas num plano individual de pessoa para pessoa. E é nesse percurso individual que os ganhos serão individuais. O ganho transversal a qualquer situação será a diminuição do impacto do AVC, seja através de recuperação das funções que ficaram afectadas ou uma readaptação à limitações que serão permanentes.
A vida para além do AVC com o Enfermeiro de Reabilitação
Recuperar de um AVC e reencontrar um caminho na vida que existe para além deste, passa por, de uma forma integrada, os cuidadores e doentes, devidamente acompanhados, envolverem-se num plano de recuperação que permita eliminar ou minimizar sequelas ou, caso persistam, a reaprender a viver com estas. É fundamental haver uma envolvência por parte de todos e uma reorganização do domicílio. O domicilio afigura-se como um importante local de prestação de cuidados e onde o processo de recuperação, reaprendizagem ou readaptação serão desenvolvidos. Durante este período o enfoque deverá estar centrado na melhoria da qualidade de vida, promovendo-se a sua independência funcional ou adaptação às limitações resultantes da doença, com o favorecimento da dignidade e auto-estima.
É indispensável que os profissionais de saúde pensem no significado das suas acções nos cuidados a prestar a um doente com AVC. Na saúde, o “ajudar” e o “cuidar” não são um simples facto do senso comum enraizado nas boas intenções de quem ajuda. Neste contexto, cada vez mais em saúde é reconhecido o papel determinante dos Enfermeiros Especialistas de Reabilitação ao longo deste processo, refletindo-se as suas práticas em ganhos a nível da saúde e da economia. A prática de enfermagem de reabilitação tem um âmbito abrangente intervindo nas disfunções neurológicas entre outras causadas pelo AVC. Trata-se de um processo de cuidar precoce, abrangente e holístico enquanto modelo assistencial, mas essencialmente educativo.
Actuando na saúde e na doença, aguda ou crónica, o enfermeiro de reabilitação intervém na maximização do potencial funcional e de independência física, emocional e social das pessoas, minimizando as incapacidades, nomeadamente através da reeducação funcional respiratória, reabilitação funcional motora, treino de atividades de vida diária, ensino sobre a otimização ambiental e utilização de ajudas técnicas.
Existe vida para além do AVC e ao longo desta, apesar da brutalidade dos números mundiais, deve-se ter em conta que cada história pessoal pode significar sucesso e para que este surja é necessário abandonar atitudes fatalistas e deterministas que paralisam e impedem a adopção de medidas fundamentais por parte do doente, família, cuidadores formais, profissionais de saúde, com vista a diminuir o impacto de incapacidades ou o surgimento de complicações.
Bibliografia e Webgrafia
Associação AVC. Página electrónica consultada a 22 de Outubro de 2014 em http://www.associacaoavc.pt
Direcção-Geral da Saúde (2001). Unidades de AVC. Acedido em 19 de Outubro de 2014 em http:// www.dgs.pt
Direcção-Geral da Saúde (2011). Norma da Direcção-Geral da Saúde 054/2011. Acedido em 19 de Outubro de 2014 em http:// www.dgs.pt
Direcção-Geral da Saúde (2013). Portugal – Doenças Cerebro-Cardiovasculares em números. Acedido em 19 de Outubro de 2014 em http://www.spc.pt
National Stroke Association. Página electrónica consultada a 22 de Outubro de 2014 em http://www.stroke.org
Organização Mundial da Saúde. Página electrónica consultada a 22 de Outubro de 2014 em http://www.who.int
Ramires, Isabel (1997). Reabilitação no Acidente Vascular Cerebral: do Hospital à Comunidade. Ata Médica Portuguesa. 10: 557-62
Silva, Emanuel (2010). Reabilitação após AVC. Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Acedido em 19 de Outubro de 2014, em http://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/52151/2/Reabilitao%20aps...
Sociedade Portuguesa do AVC. Página electrónica consultada a 22 de Outubro de 2014 em http://www.spavc.org
World Stroke Organization. Página electrónica consultada a 22 de Outubro de 2014 em http://www.world-stroke.org
Carina Rebelo, Enfermeira Especialista em Enfermagem da Reabilitação, Centro Hospitalar Baixo Vouga
Bruno Costa, Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Reabilitação, ACES Entre Douro e Vouga II - Aveiro Norte