Opinião

Raquitismo Hipofosfatémico ligado ao X ou XLH

Atualizado: 
31/01/2022 - 10:23
O raquitismo hipofosfatémico ou XLH (do inglês X-linked hypophosphatemia) é uma doença hereditária que cursa com perda renal de fósforo, levando a deformidade óssea. Trata-se de uma doença rara, progressiva e para toda a vida.

O nosso organismo recebe o fósforo através das fontes alimentares (alimentos lácteos, carne, peixe, etc.) e os níveis do mesmo dependem, entre outros fatores, da absorção intestinal e da excreção renal. O fósforo desempenha muitas e importantes funções no corpo humano, sendo fundamental para a saúde dos ossos, dentes e músculos.

Esta doença tem uma incidência de 3,9 por 100.000 nascimentos e é a causa mais comum de hipofosfatémia hereditária, correspondendo a cerca de 80% dos casos. Tem uma forma de transmissão dominante ligada ao X, o que significa que se um doente homem tiver XLH todas as suas filhas mulheres irão também tê-la e nenhum dos seus homens a terá, enquanto que se uma mulher tiver a doença tem 50% de probabilidade de a transmitir a todos os seus filhos (homens e mulheres). No entanto, cerca de 20 a 30% dos casos tratam-se de mutações de novo, ou seja, que surgiram pela primeira vez no doente sem que os seus pais estejam afetados.

A doença é devida a uma mutação no gene PHEX, que provoca o aumento de uma hormona, o FGF-23. Esta hormona tem vários efeitos no organismo, entre os quais:

  • bloqueia os transportadores renais de fósforo, impedindo a reabsorção do mesmo, pelo que há perda renal de fósforo e, consequentemente, hipofosfatémia;
  • impede a produção renal de calcitriol, o qual é a forma ativa da vitamina D e que é responsável pela absorção intestinal de fósforo; assim, estes baixos níveis de calcitriol vão também contribuir para a hipofosfatémia.

Estes baixos níveis de fósforo vão, deste modo, causar alterações sobretudo a nível dos ossos, músculos e dentes.

A doença habitualmente manifesta-se quando a criança começa a andar, dado que os ossos se encontram pouco mineralizados e, portanto, são mais "moles", e ao suportarem o peso do tronco quando a criança se coloca de pé vão acabar por se deformar, habitualmente com encurvamento.

As manifestações clínicas da XLH podem variar ao longo da vida. Assim, na criança as manifestações mais típicas são: atraso no crescimento, crescimento desproporcionado (o tronco tem maior comprimento que os membros inferiores), craniossinostose (deformidade do crânio), atraso no desenvolvimento motor, alterações na marcha e deformidade óssea a nível dos membros inferiores, sendo o mais habitual o varismo (o joelho fica virado para fora), mas podendo também surgir valgismo (joelho virado para dentro) ou outras alterações.

Na idade adulta podem surgir: fraturas e pseudofraturas; alterações reumatológicas, como artrite e calcificações extra-ósseas; e perda auditiva. Existem ainda manifestações que são comuns a ambos os grupos etários, como a baixa estatura, as cáries e abcessos dentários, a dor nos ossos e articulações, as alterações na marcha, pelo que esta doença tem assim um elevado impacto psicossocial e acarreta uma diminuição na qualidade de vida. Há ainda a destacar que a magnitude das manifestações clínicas varia muito de doente para doente, inclusive na mesma família.

Dado o mecanismo fisiopatológico da XLH, é fácil inferir quais as suas alterações laboratoriais: aumento do fósforo urinário/diminuição da taxa de reabsorção do fósforo, diminuição do fósforo sérico e aumento da fosfatase alcalina (um dos marcadores da saúde óssea). Dado que esta doença é causada por um aumento da FGF23, esta hormona poderá também estar aumentada no sangue. O cálcio sérico tem habitualmente níveis normais. A hormona paratiroideia ou PTH (hormona produzida pelas glândulas paratiroideias, localizadas junto à tiroide, cuja principal função é a regulação do cálcio no organismo) está habitualmente normal ou elevada. A nível radiológico pode ser possível observar alargamento das metáfises (zona onde se encontra a cartilagem que assegura o crescimento ósseo) com deformidade em taça, irregularidade da placa de crescimento, deformidade dos membros inferiores, etc.

O diagnóstico da XLH baseia-se na colheita da história clínica, importando perceber se existe história familiar, os sintomas do doente, a idade de aquisição da marcha, que medicamentos tomou, etc.; no exame físico, no qual se avalia o crescimento, a deformidade dos MI e a presença ou não de alterações dentárias e de deformidade craniana; na avaliação laboratorial, sendo necessário realizar análises ao sangue e à urina, com as quais se procura perceber se existem as alterações já descritas e excluir outras causas para as alterações encontradas; na realização de radiografias; e eventualmente, no pedido de um teste genético, sobretudo se não existir história familiar da doença. O diagnóstico da doença é habitualmente feito na infância, mas existem doentes, com manifestações mais ligeiras, que são apenas diagnosticados na idade adulta.

Num doente com história familiar positiva compatível o diagnóstico é (ou deveria ser) realizado mais precocemente, dado que os filhos de doentes com XLH deverão ser logo sinalizados para avaliação médica. No caso de um doente com uma mutação de novo o diagnóstico é habitualmente mais demorado, dado não haver história familiar e agravado pelo facto de, numa fase inicial da vida, o varismo (a deformidade dos membros inferiores mais frequente na XLH) poderá ser uma alteração fisiológica, presente nas crianças saudáveis e acabando por corrigir ao longo do crescimento (ao contrário do que acontece na XLH, na qual a mesma se vai agravando), pelo que inicialmente não desencadeia suspeita clínica. De realçar que quanto mais precoce for o diagnóstico da doença e mais cedo for iniciado o tratamento, melhor irá ser o prognóstico, nomeadamente no que diz respeito aos efeitos ao nível do crescimento.

O acompanhamento destes doentes requer uma intervenção multidisciplinar, que envolve diversos profissionais de saúde e várias especialidades médicas: nefrologista ou endocrinologista, ortopedista, estomatologista ou dentista, fisiatra, neurocirurgião, otorrinolaringologista, reumatologista, genetista, enfermeiro, psicólogo, etc.

Como mensagem final, gostaria de relembrar a extrema importância de um diagnóstico e início de tratamento atempados, dado que a precocidade dos mesmos vai ter um impacto muito significativo no prognóstico desta doença. Assim, todos os doentes com XLH deverão ser educados no sentido de que os seus filhos deverão ser avaliados nos primeiros meses de vida por médico especialista, já que, e tal como já referido, todas as filhas mulheres de um homem com XLH irão ter a doença e, no caso de uma mulher com XLH, existe uma probabilidade de 50% dos seus filhos homens ou mulheres herdarem a doença; por outro lado, na suspeita clínica de XLH (criança que começa a cruzar percentis de crescimento, com deformidade dos membros e alterações da marcha) o doente deverá realizar uma avaliação metabólica por forma a excluir esta ou outras formas de raquitismo.

Autor: 
Dra. Telma Francisco - Unidade de Nefrologia Pediátrica do Hospital Dona Estefânia
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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