Síndrome Antifosfolípidico ou Síndrome de Hughes
Síndrome Antifosfolípido: o que é?
O síndrome antifosfolípido (SAF) ou de Hughes (Professor Graham Hughes que em 1983, em Londres, descrevia esta doença), é uma doença autoimune sistémica. O organismo doente produz anticorpos contra as proteínas ligadas aos fosfolipídios - elementos estruturais presentes na membrana das células do organismo, incluindo as células sanguíneas e as que revestem os vasos sanguíneos.
A presença destes anticorpos pode aumentar o risco de desenvolvimento de coágulos sanguíneos nas veias ou artérias ou aumentar o risco de aborto espontâneo na mulher grávida. Assim a doença pode caracterizar-se por episódios, recorrentes ou não, de trombose das artérias ou veias e/ou por morbidade na gravide, contudo, algumas pessoas são portadoras destes anticorpos, mas nunca chegam a desenvolver a doença.
De acordo com o médio internista, embora a prevalência desta patologia não seja conhecida sabe-se, contudo, que atinge sobretudo o sexo feminino e, embora seja mais frequente entre “jovens adultos e adultos de meia-idade”, pode “manifestar-se também em crianças e idosos”.
Classificação
As síndromes trombóticas que se associam à presença de anticorpos anti-cardiolipina, foram inicialmente classificadas, por Bick (1994) em 4 tipologias, baseadas nas diferentes manifestações:
- Tipo I - trombose venosa profunda com ou sem trombose/embolia pulmonar;
- Tipo II - trombose das artérias coronárias; trombose arterial periféricas; trombose aórtica; trombose carotídea;
- Tipo III - trombose da artéria ou veia retinianas; trombose cerebrovascular; acidente isquémico transitório;
- Tipo IV - uma rara combinação dos tipos I, II e III.
Mais tarde, também pelo mesmo autor, foram acrescentados mais dois tipos, o V associado à perda fetal e o tipo VI que caracteriza indivíduos aparentemente saudáveis, que apesar de possuírem anticorpos antifosfolípidicos nunca apresentaram manifestações da síndrome e são, portanto, assintomáticos.
De uma outra forma, mais simplificada, esta síndrome pode dividir-se em três tipos: o trombótico, onde predominam a formação de coágulos no sistema vascular, venoso ou arterial; o obstétrico, associado às complicações da gravidez e o catastrófico, em que se dá o atingimento de 3 ou mais regiões vasculares distintas, no período de uma semana associada ou não à falência de órgãos.
A SAF pode também classificar-se como primária, quando surge isoladamente, ou secundária, quando associada, por exemplo e mais frequentemente, a outra patologia autoimune, sendo o Lupus Eritematoso Sistémico aquele com maior representatividade, com cerca de 50% dos casos. Pode, contudo, surgir também associada à Doença Mista do Tecido Conjuntivo, Artrite Reumatoide, Artrite Psoriática, Arterite Temporal, Panarterite Nodosa, Síndrome de Churg-Strauss, Granulomatose de Wegener, Doença de Behçet, Arterite de Takayasu entre outras doenças autoimunes.
Também existe associação descrita a algumas doenças infeciosas, com aparecimento de anticorpos antifosfolípidicos, mas raramente com manifestações de trombose. O caso paradigmático é o VIH, em que cerca de 70% dos infetados, desenvolvem anticorpos de SAF, mas cuja manifestação única é a trombocitopenia (diminuição do número de plaquetas).
Outras infeções como a rubéola, o sarampo, adenovírus, lepra e micoplasma também podem originar anticorpos anticardiolipina, contudo apenas de forma transitória e, mais uma vez, não relacionados com tromboses.
Grupos de risco
De acordo com Francisco Ferreira da Silva, embora a SAF primária se trate de uma trombofilia – “doença que propicia aparecimento de trombos vasculares” - adquirida, não hereditária, alguns estudos apontam para uma possibilidade de maior prevalência em descendentes de portadores de anticorpos anticardiolipina ou de indivíduos com diagnóstico de SAF.
Por outro lado, explica, “conhecendo-se a estreita relação destra síndrome, na sua forma secundária, com outras doenças autoimunes, nomeadamente com o Lupus Eritematoso Sistémico, é importante considerar a hipótese de rastrear a presença dos autoanticorpos em doentes com patologia autoimune ou com diagnóstico de SAF em familiares próximos”.
Diagnóstico
Segundo o internista, o seu diagnóstico “baseia-se na conjugação de critérios clínicos como as tromboses venosas ou arteriais por vezes recorrentes e/ou insucesso obstétrico, por um ou mais abortos nas primeiras dez semanas, morte fetal, ou ainda prematuridade”. A estas manifestações clínicas tem de associar-se o critério laboratorial que inclui a deteção de anticorpos antifosfolípidos em análises de sangue e que são: anticorpos anticardiolipina, anticoagulante lúpico e/ou anti-ß2glicoproteína1.
“A presença destes anticorpos deve ser confirmada após primeira identificação, passadas 6 a 8 semanas, pois, por vezes, eles podem existir, associados a outras doenças como cancro, infeções ou alguns medicamentos, sem, no entanto, serem causadores de doença”, explica o especialista em Medicina Interna.
Quanto a sintomas que permitam identificar a doença precocemente, Francisco Ferreira da Silva esclarece que não existem sinais ou sintomas que permitam prever a existência ou não da doença antes da sua manifestação clínica, “até porque o diagnóstico da doença exige que haja uma manifestação clínica”.
Deste modo, a realização de um diagnóstico precoce “vai depender do grau de suspeição do clínico que avalia um doente com quadro de trombose vascular, ou grávida com história de abortos de repetição, por exemplo”.
Não obstante, “os doentes portadores de outras doenças autoimunes, principalmente o Lupus, são muitas vezes rastreados para a presença de anticorpos antifosfolípidos, não significando, contudo, que venham a sofrer de SAF, se estes estiverem presentes”, chama a atenção o especialista.
Complicações
As complicações clássicas da SAF “e que classicamente a definem são, a trombose venosa ou arterial, muitas vezes recorrente e em qualquer território vascular, e, no caso das grávidas os abortos de repetição antes das 10 semanas de gestação, a morte fetal acima das 10 semanas ou a prematuridade antes das 34 semanas de gestação”.
Há depois, muitas outras manifestações e complicações, umas que derivam da própria síndrome e outras das consequências do atingimento de determinado território vascular/órgão.
São alguns exemplos de complicações descritas associadas ao SAF: demência, epilepsia, psicoses agudas, cegueira, diminuição do número de plaquetas, anemia hemolítica (com destruição dos glóbulos vermelhos), destruição de válvulas cardíacas, hemorragia pulmonar, livedo reticular (alteração da coloração da pele, que adquire um aspeto rendilhado de cor vermelho-azulada, muitas vezes em resposta ao frio), hipertensão e insuficiência renal.
“Importa, contudo, realçar que estas complicações não se manifestam em todos os doentes e que podem cursar de forma mais ou menos grave”, ressalva o especialista em Medicina Interna.
Na gravidez podem surgir ainda outras complicações como alterações dos batimentos cardíacos do feto, alterações do fluxo de sangue da artéria umbilical, baixo volume de líquido amniótico, restrição do crescimento do feto, baixo peso ao nascer. “Também nas grávidas o risco de tromboses vasculares está presente, principalmente nos membros inferiores”, acrescenta o internista.
Tratamento
Tratando-se de uma doença crónica, que confere um risco associado de complicações potencialmente graves, a primeira componente essencial para o tratamento, de acordo com Francisco Ferreira da Silva, “é a correta explicação da doença, riscos e complicações, para que a informação seja bem compreendida e interiorizada pelo doente”.
A terapêutica farmacológica consiste na utilização “de anticoagulantes (orais ou injetáveis) que visam reduzir a possibilidade de formação de coágulos/trombos ou tratá-los quando estes aparecem. Por vezes, utilizam-se também os antiagregantes plaquetários, isoladamente ou em associação aos anticoagulantes, como no caso da gravidez”.
Cuidados a ter
Se for diagnosticado com esta síndrome há alguns cuidados fundamentais a ter em conta:
- Ter acompanhamento médico regular;
- Cumprir o plano de tratamento prescrito, aderindo à toma regular da medicação aconselhada;
- Evitar outros fatores de risco que possam potenciar a formação de coágulos: fumar, tomar anticoncetivos orais, desidratação, imobilização e sedentarismo, obesidade;
- Informar que é portador deste síndrome sempre que tiver de ser submetido a um procedimento/tratamento médico, principalmente cirúrgico;
- Vigiar possíveis efeitos secundários da medicação, principalmente o aparecimento de hemorragias;
- Todas as mulheres que desejem engravidar e saibam e que têm o diagnóstico de SAF devem ser acompanhadas desde antes da conceção.
*com Dr. Francisco Ferreida da Silva - Medicina Interna - Clínica de Santo António