"Doença multissistémica crónica, progressiva e debilitante"

XLH constitui cerca de 80% dos raquitismos hereditários

Atualizado: 
22/05/2023 - 10:14
O raquitismo é definido como uma deficiência de mineralização óssea na criança e geralmente se manifesta como deformidades ósseas, dor óssea e velocidade de crescimento comprometida. Existem vários subtipos de raquitismo: o dependente de vitamina D (defeitos na produção da vitamina D), o nutricional (causado pela deficiência nutricional de vitamina D e/ou cálcio) e o raquitismo hipofosfatémico (secundário a perda renal do fósforo). O raquitismo associado a hipofosfatemia tem quase sempre uma causa genética subjacente, sendo o raquitismo hipofostatémico ligado ao cromossoma X (XLH) o mais frequente constituindo cerca de 80% dos raquitismos hereditários.

O XLH é uma doença hereditária rara com uma incidência estimada de 1,7- 4,8/100 0002 indivíduos por ano, não havendo informação epidemiológica para a população portuguesa. Resulta de mutações no gene PHEX, condicionando níveis elevados de fator de crescimento de fibroblastos 23 circulante (FGF23)3.

O FGF23, produzido no osso, tem como principal função a regulação da homeostase do fósforo e da vitamina D. O excesso de FGF23 circulante impacta na reabsorção de fósforo e consequentemente leva a níveis reduzidos do fósforo e da vitamina D. Importante salientar que o fósforo é um dos principais elementos do organismo humano, sendo que 80% dele encontra-se no esqueleto. O défice do fósforo impede a adequada mineralização óssea, ou seja, a formação normal do osso.

Sintomas

A expressão clínica de XLH é muito variável, podendo ser diferente entre doentes da mesma família. Na maior parte dos casos, o XLH manifesta-se durante o processo da aquisição da marcha, particularmente evidente entre o primeiro e o segundo ano de vida. O principal sinal é o encurvamento progressivo dos membros inferiores. Dada a afeção predominante dos ossos longos, a restrição do crescimento é marcada nos membros e ligeira no restante esqueleto, o que determina uma desproporcionalidade entre os segmentos corporais.

Outros sinais e sintomas pediátricos incluem bossa frontal por fusão prematura de suturas cranianas, atraso da erupção dentária, dores ósseas, fraqueza muscular, atraso da aquisição da capacidade de marcha e marcha defeituosa.

Dada a raridade da doença e a variabilidade da sua apresentação inicial, é comum haver um atraso no seu diagnóstico. Os fatores como a história da doença na família, a facilidade de acesso aos cuidados médicos e o grau de conhecimento da doença por parte dos profissionais de saúde influenciam o diagnóstico atempado.

Manifestações da doença em doentes adultos

A doença pode manifestar-se unicamente por níveis reduzidos de fósforo sérico ou ser diagnosticada apenas em idade adulta, na avaliação da baixa estatura. A explicação consta no fenótipo da doença, ou seja, na gravidade da doença:  existem formas graves diagnosticadas na infância e formas menos graves como, por exemplo, só presença de baixa estatura sem deformidades ósseas que levam ao diagnóstico na idade adulta.

Em adultos, a clínica inclui, além de deformidades ósseas, também dor óssea crónica ao nível das articulações, dor e fraqueza muscular, osteoartrites, pseudofraturas (são fraturas que ocorrem devido a uma falta de mineralização óssea em locais de stress do osso) e fraturas recorrentes. É frequente a ocorrência de abcessos (infeção) dentários espontâneos. Alguns adultos desenvolvem diminuição da acuidade auditiva (hipoacusia neuro-sensorial).

Complicações

O XLH é uma doença multissistémica crónica, progressiva e debilitante, com prejuízo das funções físicas e da qualidade de vida. As complicações incluem raquitismo, atraso de crescimento, desmineralização dentária com abcessos, deformação dos membros inferiores e/ou limitação da mobilidade com incapacidade para prática de desportos físicos, podendo acarretar também um negativo impacto psicológico. Nos adultos, verifica-se ainda desenvolvimento precoce de osteoartrose, entesopatias e surdez. A incapacidade pode levar à depressão e influencia a habilidade de trabalho e de executar as tarefas do dia-a-dia.  Frequentemente, o tratamento destas complicações obriga à realização de procedimentos cirúrgicos corretivos, com morbilidade própria associada.

Diagnóstico

O diagnóstico é baseado na avaliação conjunta de achados clínicos, radiológicos e laboratoriais seguido por estudo genético.

Na avaliação laboratorial destacam-se: a redução da concentração sérica de fósforo, a elevação da fosfatase alcalina sérica, redução da reabsorção renal de fosfato, níveis reduzidos de vitamina D e níveis aumentados de FGF23.

Os achados radiológicos em criança incluem as lesões raquíticas que predominam nas zonas de crescimento rápido do osso longo (sendo as mais ilustrativas as extremidades distais do rádio, da tíbia e do fémur), bem como nas articulações da parede anterior do tórax denominado rosário raquítico.

Em idade adulta constatam-se outros achados radiológicos: muito frequentemente as fraturas e pseudofraturas, os sinais sugestivos de osteoartrose (predominantemente na coluna vertebral, articulações coxofemorais e joelhos).

Acompanhamento médico

A identificação de XLH num indivíduo com familiares saudáveis justifica o seu rastreio nos familiares que possam ser portadores da mesma.  É importante que a família da criança seja informada sobre a heritabilidade da doença e sobre os recursos disponíveis para evitar a sua transmissão.

O seguimento médico é de extrema importância e baseia-se em avaliações clínicas, analíticas e imagiológicas regulares, tendo como objetivo monitorizar a progressão da doença e identificar eventuais efeitos adversos da terapêutica.

O seguimento deve ser multidisciplinar e guiado por um médico com experiência nesta doença.

Desafios

O raquitismo hipofosfatémico ligado ao X é uma doença multissistémica que se manifesta em idade precoce. Contudo, devido à raridade, existe muito desconhecimento da mesma por parte dos prestadores de cuidados de saúde o qual, acoplado à inespecificidade das suas primeiras manifestações, determina atrasos significativos no seu diagnóstico que condicionam pior prognóstico.

Referências:

  1. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3313733/
  2. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC9778127/
  3. https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32162120/
Autor: 
Dra. Olga Gutu - Serviço de Endocrinologia; Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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