Entrevista

“Todos juntos, podemos mudar a vida” do doente com Distrofia Muscular de Duchenne

Atualizado: 
07/09/2021 - 08:51
A Distrofia Muscular de Duchenne é a doença neuromuscular mais frequente na infância. Apesar de surgir logo ao nascer, a sua sintomatologia só aparece por volta dos 4 a 5 anos de idade, com perda de força muscular, cansaço fácil e “pouca apetência para a atividade física”. Em entrevista ao Atlas da Saúde, Joaquim Brites, Presidente da Associação Portuguesa de Neuromusculares, descreve uma patologia que, embora não tenha cura, é das mais investigadas “em todo o grupo de doenças neuromusculares”. No entanto, faltam, no país, Centros de Referência, “ligados à Rede Europeia”, para que o tratamento, que deve ser multidisciplinar, chegue a todos os doentes, em qualquer fase de evolução da doença.

O que é a Distrofia Muscular de Duchenne e qual a sua incidência em Portugal? Qual o número de casos registados?

A Distrofia Muscular de Duchenne é uma doença rara, genética, incluída no grupo das doenças neuromusculares. A sua incidência em Portugal, que segue os mesmos padrões europeus, está calculada em um caso para cada 3500 nascimentos do sexo masculino. Segundo as últimas projeções, haverá, em Portugal, entre 1200 e 1500 casos. O número exato só poderá ser determinado quando for possível juntar todos os registos, que estão dispersos pelas diversas unidades hospitalares que seguem estes doentes, seja em idade pediátrica ou na idade adulta.

Quais os principais sintomas?

O sintoma mais comum, é a falta de força. No entanto, e a ele associados, surgem as quedas frequentes, a dificuldade em subir escadas, o cansaço fácil, uma estranha hipertrofia dos gémeos (mais conhecidos como a barriga das pernas), pouca apetência para a atividade física, como andar de bicicleta ou correr, etc.

Em que idade surgem as primeiras manifestações da doença?

A idade dos primeiros sintomas, depende muito da severidade da doença e da capacidade de observação dos pais, ou dos familiares. Podemos dizer que, hoje, depende também do conhecimento e da avaliação pediátrica, feita pelo médico assistente. De uma maneira geral, as crianças portadoras começam a manifestar dificuldades mais visíveis, entre os 4 e os 5 anos. Isso acontece quando se pretende que elas acompanhem os amigos da escola, na educação física, ou em outras atividades mais exigentes.

Como é feito o seu diagnóstico? É uma doença fácil de diagnosticar ou quando surgem os primeiros sintomas, estes podem ser facilmente desvalorizados?

O diagnóstico pré sintomático da Distrofia de Duchenne só é feito se for conhecido um histórico da doença na família. Por exemplo, se a mãe for portadora de uma alteração genética, mesmo que assintomática ou, se houver irmãos mais velhos atingidos.

Para uma despistagem inicial, basta a realização de uma análise ao sangue, conhecida por CPK (Creatinofosfoquinase). A confirmação e o detalhe do diagnóstico, deverá ser feita através de análise genética, seguida de uma consulta de genética médica.

O aparecimento dos primeiros sintomas, tende a não ser desvalorizado uma vez que a criança sente dificuldades crescentes e, cada vez mais notórias. Essa evolução determinará o encaminhamento para uma consulta de neuropediatria, por parte do médico assistente.

A que sinais deve a família estar atenta?

A família deve estar atenta, sobretudo, aos pormenores. Sempre que a criança manifesta um cansaço recorrente, ou cai sem razão aparente. De uma maneira geral, quando se percebe que as questões físicas, consideradas normais para uma criança de 3, 4 ou mesmo 5 anos, como por exemplo andar de bicicleta, correr, saltar, nadar ou qualquer atividade que exija alguma força muscular, não a entusiasmem, podem ser consideradas como um sinal. É muito importante relatar tudo ao médico.

Quais as causas da Distrofia Muscular de Duchenne?

Todas as pessoas consideradas saudáveis, produzem uma proteína que é responsável pelo bom funcionamento dos músculos – A distrofina. Na Distrofia de Duchenne, esta, pode estar totalmente ausente, ser de má qualidade ou ser produzida em quantidades insuficientes para que as fibras musculares de todo o corpo sejam suficientemente fortes. Resumidamente, esta é a principal causa.  

Não tendo cura, em que consiste o tratamento? Tem existido investigação na área?

É verdade. A DMD não tem, ainda, cura. Os tratamentos considerados mais eficazes centram-se, sobretudo, na área da reabilitação. Quando efetuadas por profissionais, conhecedores destas patologias, a fisioterapia, hidroterapia, terapia ocupacional, entre outras, são as terapias que conseguem os melhores resultados, quando executadas com muita regularidade. Apesar de alguns efeitos secundários, considerados pouco relevantes, a utilização de corticoides também tem permitido uma progressão mais lenta da degradação muscular, permitindo uma atividade física mais prolongada.

Esta doença, é das mais investigadas em todo o grupo de doenças neuromusculares. Há mais de vinte anos, a aposta na terapia celular representava uma enorme esperança. Nos dias de hoje, fruto do enorme avanço na investigação em terapia genética, é possível pensarmos que, em breve, poderá haver boas notícias. Não necessariamente uma cura, mas, tratamentos mais eficazes.

Quais as principais dificuldades sentidas por estes doentes e suas famílias? Após o diagnóstico, onde podem estas famílias obter apoio?

As principais dificuldades centram-se, sobretudo, na falta de apoio psicológico à família, para enfrentar o pós-diagnóstico. Tratando-se de uma doença progressiva, toda a sua evolução é rodeada de necessidades de ajudas técnicas, cuja atribuição e financiamento estão longe de ser os ideais, apesar de haver legislação que o permita.   

O que falta fazer em termos de conhecimento da doença e na descoberta ou acesso a tratamentos que melhorem a qualidade de vida destes doentes?

Como atrás referi, esta doença é das mais investigadas do mundo. Julgo, por isso, que a grande questão que se coloca é a de uma abordagem multidisciplinar mais efetiva e alargada a todas as unidades hospitalares que acompanham estes doentes, em todas as fases da sua evolução. É urgente a criação de Centros de Referência, ligados à Rede Europeia, para que, de uma forma mais integrada, mais profissional e com regras uniformes, se sigam as recomendações internacionais relativas ao acompanhamento de doentes em idade pediátrica e na fase adulta.

Quais as principais complicações da doença? E qual o seu prognóstico? De que forma esta doença impacta a vida destes doentes e suas famílias?

A doença é acompanhada por várias dificuldades. Para além das já mencionadas, juntam-se as dificuldades respiratórias, cardíacas e alimentares. O posicionamento degrada-se, pelo aparecimento de escolioses precoces e as contraturas provocam retrações tendinosas muito difíceis de superar.

Esta degradação constante, que causa uma sensação de impotência à família mais próxima, tem um impacto muito severo na vida de um casal, que vê alterados todos os projetos de vida. Grande parte da intervenção social, deve ser feita nesta área.

De um modo geral, quais os cuidados a ter no decurso da doença?

Ao nível dos cuidados, devem ser priorizados todos aqueles que permitam manter alguma esperança e ação. Sobretudo, aqueles que fomentem a normalidade, a integração do doente na sociedade e a construção de um projeto de vida equivalente às suas limitações. A inclusão, deve ser a palavra de ordem.

No âmbito do Dia Mundial para a Consciencialização da Distrofia Muscular de Duchenne, que mensagem gostaria de deixar?

As mensagens que este dia pretende deixar, são muitas. Mas, dado que se trata de um dia de consciencialização para a doença, a mensagem principal é a de que, todos juntos, podemos mudar a vida destas pessoas.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.