Doença genética rara

Hipofosfatémia ligada ao X (ou XLH): «Na maioria dos doentes existe história familiar documentada»

Atualizado: 
28/11/2023 - 15:15
A hipofosfatémia ligada ao X (ou XLH) é uma doença rara que afeta 4.8 bebés por 100.000 nascimentos. É uma doença genética em que ocorre uma mutação no gene PHEX.

Este gene é responsável pela regulação do fosfato no corpo e uma mutação resulta num aumento dos níveis séricos da proteína FGF-23. Os níveis elevados de FGF-23 promovem uma excreção anormalmente elevada de fosfato pelo rim (incapaz de reter o fosfato de forma adequada). Os doentes afetados por esta mutação apresentam níveis reduzidos de fosfato no sangue com consequente alteração da mineralização dos ossos e dos dentes. Na maioria dos doentes existe história familiar documentada, contudo, em 25% dos casos ocorre uma mutação de novo.  

A XLH tem uma gravidade diferente de pessoa para pessoa (mesmo dentro da mesma família). As primeiras manifestações surgem habitualmente após o primeiro ano de vida quando a criança começa a andar e os pais relatam deformidades dos membros inferiores (“pernas arqueadas”), quedas frequentes ou alterações precoces nos dentes. Se existe história familiar é extremamente importante um rastreio do recém-nascido por uma equipa especializada. Na ausência de história familiar, nos primeiros sinais de alerta a criança deve ser encaminhada para realização de análises ao sangue e urina para despiste desta doença. Em idade pediátrica é muito importante ter em conta os níveis de fosfato sérico de acordo com a idade pois níveis aparentemente normais num adulto poderão encontrar-se abaixo do esperado para a idade da criança. Embora numa fase posterior possa ser feito o teste genético, o diagnóstico é realizado com base na história familiar, manifestações clínicas e alterações analíticas detetadas. Em 10 a 30% dos doentes pode não ser identificada qualquer alteração genética.  

As manifestações da doença têm início na infância. Durante o crescimento, fruto de uma mineralização deficiente dos ossos, os doentes apresentam baixa estatura desproporcionada, ou seja, um crescimento do tronco e dos membros superiores adequado, com deformação dos membros inferiores e uma notória alteração da marcha. Numa percentagem importante de doentes pode ocorrer um encerramento anormal das fontanelas (encerramento precoce da sutura sagital) com deformidades do crânio (crânio estreito e alongado – dolicocefalia - é a alteração mais frequente). Ainda durante a infância podem surgir problemas dentários graves em idades muito precoces, nomeadamente, atraso na erupção de dentes, periodontites ou abcessos dentários. A fraqueza muscular, a dor óssea e a rigidez articular são sintomas relatados desde a infância e, ao contrário do que se acreditava no passado, a doença não desaparece com o final do crescimento ósseo.   

As manifestações osteo-articulares da XLH tendem a agravar-se na idade adulta (osteoartrite precoce, entesopatias, dor crónica) com um profundo impacto na vida dos doentes e das suas famílias. Embora menos frequente, em resultado das deformações dos ossos do crânio, podem ocorrer algumas manifestações de compressão do tronco cerebral e da medula espinhal, nomeadamente, dor na região cervical, cefaleia recorrente ou baixo rendimento escolar. A alteração da acuidade auditiva pode ser notória logo desde a infância ou surgir mais tardiamente devendo ser rastreada de forma sistematizada no adulto mesmo na ausência de sintomas.  

O diagnóstico atempado desta doença é fundamental pois o início precoce da medicação dirigida pode ter um impacto importante na diminuição das deformações ósseas e permitir um crescimento adequado. A única medicação disponível até recentemente era a suplementação com fosfato e vitamina D ativada. As crianças e adolescentes com XLH têm indicação para realizar esta terapêutica, sob orientação de uma equipa médica especializada, com doses adequadas à idade e monitorização de valores analíticos, curvas de percentis de altura e deformidades dos ossos longos dos membros inferiores. Uma grande parte dos doentes relata intolerância gastrointestinal (sobretudo náuseas, dor abdominal e diarreia) à terapêutica com fosfato e, adicionalmente, são necessárias tomas frequentes (3 a 4 vezes por dia) da referida terapêutica, o que em conjunto dificulta a adesão ao tratamento. 

Após o encerramento das placas epifisárias (fim do crescimento ósseo) não é claro o benefício de manter a terapêutica de suplementação. Nesta altura, a decisão de manter a terapêutica deve ser discutida entre o médico e o doente, ponderando os riscos e benefícios, pois só os adultos sintomáticos (com dor músculo-esquelética, fraturas ou pseudo-fraturas e alterações dentárias), com alterações analíticas sugestivas de osteomalacia, cirurgias (ortopédicas ou estomatológicas) programadas, mulheres grávidas ou a amamentarem terão algum benefício em manterem a terapêutica.  

Recentemente surgiu um fármaco dirigido para esta doença. Trata-se de um anticorpo monoclonal contra o FGF-23, o burosumab. Este anticorpo é administrado por via subcutânea e vai ligar-se à proteína FGF-23 que se encontra em quantidades excessivas no sangue. Assim, vai impedir que o FGF-23 atue a nível renal permitindo ao rim absorver uma maior quantidade de fosfato e normalizar os seus níveis séricos. Em idade pediátrica está demonstrado o benefício da realização deste medicamento. 

Na idade adulta os estudos realizados são menos informativos, mas parecem melhorar a dor, a rigidez articular e a capacidade física dos doentes. Em Portugal a utilização deste fármaco na idade adulta ainda se encontra em avaliação pelas autoridades.

 

Autor: 
Dra. Marta Pereira – Serviço de Nefrologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHUNL)
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Freepik