Doenças raras e medicamentos órfãos

Heterogeneidade das doenças raras dificulta o desenvolvimento de tratamentos eficazes

Atualizado: 
10/08/2020 - 13:15
Atualmente, estão identificadas cerca de oito mil doenças raras. De carater crónico e progressivo, muitas comprometem a vida do doente sem que existam tratamentos eficazes para as combater. O número limitado de doentes e o facto de a mesma doença poder apresentar sintomas diferentes de doente para doente, tornam ainda mais difícil a investigação nesta área.
Criança triste agarrada a peluche

Por definição, as doenças raras são aquelas que afetam um pequeno número de pessoas quando comparado com a população em geral. Na europa, por exemplo, está estabelecido que uma doença é considerada rara quando afeta 1 em 2.000 pessoas. Até hoje, já foram identificadas cerca de 8.000 destas patologias, muito embora se admita que regularmente sejam descritos novos casos na literatura médica. Dada a sua complexidade e a falta de conhecimento sobre as mesmas, nem sempre é possível encontrar uma resposta adequada para o seu tratamento. De acordo com Joaquim Marques, coordenador do Grupo de Trabalho das Doenças Raras e Medicamentos Órfãos da P-Bio (Associação Portuguesa de Bioindústrias), o caminho até ao diagnóstico é longo e, em alguns casos, pode levar entre dois a três anos a lá chegar. Já o desenvolvimento de um novo medicamento pode, “em média, demorar entre 10 e 14 anos”.

“Cerca de 2/3 das doenças raras manifestam-se em idade pediátrica, correspondendo, muitas delas, a patologias complexas, multissistémicas e com largo espectro de gravidade clínica”, começa por explicar o especialista. “Coletivamente, este grupo é responsável por 35% das mortes no primeiro ano de vida em países desenvolvidos”, acrescenta reforçando que para se chegar a um diagnóstico “é crítico aceder” a diversos dados, como história familiar, história natural da doença, problemas neonatais, entre outros. Por outro lado, diz ser “fundamental que haja formação pré-graduada adequada” que prepare os médicos para condições tão complexas.  No entanto, e tendo em conta que esta área foi deixada de lado durante muitos anos, há um défice de conhecimentos médicos e científicos que ainda vai deixando muitos doentes sem resposta.

Quanto ao desenvolvimento de novos medicamentos, este é, por regra, um processo moroso e que deve obedecer a determinados critérios. De acordo com Joaquim Marques, este processo inicia-se com uma fase de desenvolvimento pré-clínico, “com descoberta da entidade molecular”, formulação do medicamento e que se completa com a elaboração de estudos farmacológicos e toxicológicos.

A fase seguinte, do desenvolvimento clínico propriamente dito, encontra-se dividida em quatro etapas: a Fase I, em que se recorre a voluntários saudáveis para verificação de segurança e tolerância do novo medicamento; a Fase II que consiste na avaliação da sua eficácia e na qual são definidas as doses do tratamento; a Fase III onde se avalia novamente a eficácia e a segurança do fármaco desenvolvido e a Fase IV que culmina na aprovação, autorização de comercialização, definição do preço e produção. Por fim segue-se a Farmacovigilância para deteção, registo e avaliação das reações adversas.

No âmbito das doenças raras, são múltiplas as dificuldades que se atravessam no processo de desenvolvimento de novos medicamentos, conhecidos por medicamentos órfãos. Tal como explica Joaquim Marques, se por um lado a “heterogeneidade das doenças raras” torna muitas vezes impossível determinar a resposta a determinado medicamento – “o mesmo medicamento irá inevitavelmente resultar em graus variáveis de eficácia devido às diferentes mutações que estas doenças evidenciam, mesmo que os doentes sejam diagnosticados como tendo a mesma doenças” -, por outro lado o número limitado de doentes para as diversas doenças acaba por dificultar a realização de estudo pré-clínicos e, principalmente, clínicos.

E apesar dos vários incentivos ao seu desenvolvimento, como a “diminuição ou ausência do pagamento de taxas para aprovação dos medicamentos pelas entidades regulamentares ou a facilitação do acesso a financiamento e exclusividade de mercado durante 10 anos”, este é um processo bastante dispendioso.

Neste âmbito, a investigação já começa a ser feita por startups e espera-se que os custos associados à investigação e desenvolvimento possam vir a facilitar o acesso dos doentes a tratamentos inovadores 

Atualmente, os produtos biológicos mostram ser os mais promissores no campo da pesquisa biomédica. Joaquim Marques acredita mesmo que estes, ao darem acesso a novas tecnologias baseadas em terapêuticas biológicas – “como a terapia de substituição enzimática ou a terapia genética”, podem abrir novas portas, “num futuro próximo para o tratamento de doenças raras que não possuem terapêutica aprovada”.

Livro Branco das Doenças Raras e dos Medicamentos Órfãos apresenta toda a informação científica disponível sobre doenças raras em Portugal

Apresentado no final de fevereiro, o Livro Branco das Doenças Raras e dos Medicamentos Órfãos é o primeiro documento do género a compilar todo o conhecimento científico sobre a realidade portuguesa nesta área “de forma a ter uma fotografia da realidade” e onde são também apresentados “novos caminhos a trilhar num futuro próximo”.

Segundo o coordenador do Grupo de Trabalho das Doenças Raras e Medicamentos Órfãos da P-Bio (Associação Portuguesa de Bioindústrias), Joaquim Marques, “este é um livro de consulta e estudo que tem como destinatários os decisores, profissionais de saúde, doentes e a sociedade em geral”.

Este livro, que resultou de um esforço conjunto do Grupo de Trabalho das Doenças Raras da P-BIO e do Centro de Avaliação de Tecnologias de Saúde e Investigação do Medicamento AIBILI, contou com a participação de quinze especialistas e com a coordenação de Joaquim Marques da P-BIO e de Francisco Batel Marques, Professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra e Diretor do AIBILI.

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Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
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