Doença genética rara

Fibrose Quística: será que estamos mais próximos da cura?

Atualizado: 
15/03/2023 - 17:01
A Fibrose Quística é uma doença genética rara progressiva e multissistémica, mas que atinge, mais frequentemente, os sistemas respiratório e digestivo. Ainda sem cura, tem-se assistido, no entanto, a progressos no desenvolvimento de tratamentos que permitem melhorar a qualidade de vida do doente. Há, aliás, ensaios clínicos em curso, cujos resultados demonstram que podemos estar mais próximos da cura. Telma Barbosa, Responsável pela Unidade de Fibrose Quística Pediátrica do Centro Materno Infantil do Norte (CMIN), admite que, apesar de ainda haver muito para fazer, “a evolução nesta área tem sido estrondosa”.

“A Fibrose Quística é a doença genética mais comum na raça caucasiana, e a sua transmissão é autossómica recessiva, o que significa que os pais são portadores de uma mutação, são completamente assintomáticos, e ao juntarem-se têm 25% de probabilidade de ter um filho com duas mutações”, começa por explicar a pediatra, Telma Barbosa.

“As crianças com esta patologia, com as duas mutações, têm, caracteristicamente, secreções muito mais espessas do que a comunidade geral e, quer a nível pulmonar, quer a nível digestivo, vão condicionar determinadas alterações. No pulmão originam infeções recorrentes, podendo apresentar-se na forma de pneumonias de repetição ou asma de difícil controlo. Em termos intestinais, têm habitualmente fezes muito espessas que não conseguem eliminar no período neonatal, que se chama ileum meconial, ou então, em crianças mais velhas, devido a várias alterações pancreáticas, podem também apresentar-se com diarreia com gordura ou má evolução de peso condicionada por diminuição da absorção intestinal”, acrescenta advertindo que, muito embora, estes sejam os sistemas mais afetados, podem existir outros sintomas associados a outros órgãos.

“As mutações no gene vão afetar a produção e/ou o funcionamento de uma proteína (CFTR, Cystic Fibrosis Transmembrane Conductance Regulator) que, por sua vez, vai fazer com que haja este tipo de sintomas, e esta mesma proteína tem expressão em vários órgãos ou sistemas além do respiratório e intestinal, nomeadamente nas glândulas sudoríparas, fazendo com que o suor dessas crianças seja mais concentrado e salgado, podendo levar a desidratações graves nos meses de calor”, refere.

O diagnóstico é feito através do rastreio neonatal – o chamado teste do pezinho -, o que significa que a doença é identificada mesmo antes de surgirem os primeiros sintomas. Não obstante, há casos em que as manifestações clínicas da doença surgem logo após o nascimento. “Se tiver sintomas precoces e graves, podemos diagnosticar logo quando as crianças nascem, nomeadamente pelas fezes que não se conseguem eliminar (ileum meconial), e esta apresentação é logo precoce. As manifestações respiratórias, em geral, só acontecem mais tarde quando as crianças entram na escola, quando estão muitas vezes constipadas ou estão sempre a fazer pneumonias”, revela a especialista sublinhando a importância do teste do pezinho.

Entre os fatores de agravamento da doença estão fatores genéticos e ambientais. Segundo a especialista responsável pela Unidade de Fibrose Quística Pediátrica do Centro Materno Infantil do Norte (CMIN), “existem mais de 2000 mutações descritas, e existem mutações caracteristicamente mais graves e de apresentação mais precoce do que outras. Uma delas, sendo a mais comum, a F508DEL, é a mutação mais frequente e mais grave”.

Sem cura, o tratamento tem como objetivo recuperar o funcionamento da proteína CFTR. No entanto, “a nível pulmonar, quando já existem alterações definitivas da arquitetura, quando há bronquectasias ou lesões irreversíveis”, os fármacos existentes não produzem o efeito desejado, ou seja, já não conseguem inverter as alterações produzidas pela doença. “Conseguimos, sim, fluidificar as secreções. Isto significa que, em termos teóricos e de acordo com vários estudos publicados, quanto mais cedo começarmos este tipo de terapêutica, menos lesões irreversíveis, nomeadamente a nível pulmonar, iremos ter”, revela a pediatra.

Não obstante, “existem vários ensaios clínicos que estão a ser realizados, nomeadamente nos Estados Unidos da América que são os grandes pioneiros, mas também na Europa, que falam que estamos muito próximos da cura, nomeadamente de substituir ou melhor, de corrigir a mutação a nível celular”. 

Por outro lado, “também existem novos fármacos que estão mais avançados e têm mais benefícios em termos de higiene respiratória, como também há antibióticos que de facto conseguem controlar melhor as infeções por microrganismos que são cada vez mais resistentes”, o que demonstra que “a evolução nesta área tem sido estrondosa”. E apesar de considerar que ainda há grande caminho pela frente, este é um caminho que acalenta esperança na cura.  “Temos de estar satisfeitos com tudo aquilo que já atingimos nesta área”, afirma.

«A abordagem multidisciplinar é essencial»

No que diz respeito aos cuidados de acompanhamento destes doentes, Telma Barbosa revela que “as equipas multidisciplinares são essenciais para conseguirmos manter uma criança, um adolescente ou mesmo um adulto com o seguimento adequado”.

“Esta patologia, ao afetar vários sistemas e dado que cada vez mais, graças a novos avanços terapêuticos, temos tido uma esperança de vida muito mais aumentada, vamos ter patologias que não víamos sem ser em idades mais avançadas, por isso, a abordagem multidisciplinar é essencial. Por exemplo, com o avanço da idade vamos ter problemas que por vezes nos surgem na adolescência, como a diabetes e depois surgem outras patologias nomeadamente patologias ósseas, e também conseguimos abordar a temática da fertilidade, pois são pessoas que se vão tornar adultos produtivos e que querem ter filhos”, explica.

Segundo a especialista “a abordagem multidisciplinar não deve excluir a figura do médico assistente ou gestor de caso dada a sua importância na adequada orientação da pessoa com Fibrose Quística”.

“Estes doentes também devem ter uma abordagem logo muito precoce de fisiatria e fisioterapia respiratória, para podermos assegurar a drenagem adequada das secreções, como também têm de ter o apoio da de muitas outras especialidades ou subespecialidades, nomeadamente pneumologia, gastroenterologia, nutrição, endocrinologia”, acrescenta.

Em Portugal, existem cinco centros de referência e tratamento da Fibrose Quística: “dois no Porto, um em Coimbra e dois em Lisboa, como também dois centros satélite nas regiões autónomas da Madeira e dos Açores, respetivamente”. Estes centros “funcionam não só com equipas multidisciplinares, mas também com uma grande coesão a nível nacional, traduzindo-se em benefícios inequívocos em termos de evolução nesta área em Portugal”.

 

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Freepik