Doenças Raras têm uma abordagem complexa
O número exacto de doenças raras não é conhecido, admitindo-se que existam, até agora, seis a oito mil. E se individualmente cada doença é rara, no seu conjunto têm outro impacto, acabando por afetar entre 6% e 8% da população, o que corresponde a mais de 600 mil pessoas em Portugal, cerca de 27 a 36 milhões na União Europeia e mais de 300 milhões de pessoas em todo o mundo. Cerca de 80% das doenças raras são de origem genética, já identificada, o que aponta desde logo para a importância do reconhecimento de famílias de risco e sua orientação. As restantes doenças raras estão relacionadas com causas infeciosas, inflamatórias, autoimunes, cancros raros e outras ainda sem causa conhecida.
Existe uma enorme diversidade de doenças raras, com apresentações e envolvimentos totalmente distintos. Na sua maioria são doenças graves, crónicas, progressivas, muitas vezes incapacitantes e com risco, por vezes elevado, de complicações associadas e sobrevida encurtada. São doenças de abordagem complexa, para as quais o diagnóstico precoce é urgente, necessário para definição de plano de orientação e prevenção de complicações, exigindo a intervenção especializada de peritos, de equipas multidisciplinares e cujo tratamento, quando existe, é frequentemente oneroso, com a utilização de meios terapêuticos inovadores. Assim, para além da raridade e da diversidade destas doenças, a sua gravidade e a complexidade de orientação, associadas à escassa informação, ocasionam frequentemente consequências desfavoráveis a nível individual, familiar e social.
Muitas destas doenças apresentam-se ao nascer ou durante os primeiros anos de vida (66%), mas outras causam sintomas apenas mais tarde, na adolescência ou idade adulta. Os sintomas de apresentação podem ser diversos, muitas vezes sobreponíveis aos de outras doenças comuns; contudo, estas doenças não são evocadas, quer pelo desconhecimento dos profissionais e má referenciação do doente, quer pela necessidade de meios específicos de avaliação, sendo o diagnóstico final difícil, prolongado no tempo, sem a intervenção terapêutica e de aconselhamento necessários, originando qualidade de vida menos favorável e sofrimento ao doente, à família e cuidadores. De uma forma geral a família sabe "que algo não está bem", mas por vezes o diagnóstico é tardio e os apoios não acontecem.
Desde o início deste século XXI, na Europa, com os programas dirigidos para as doenças raras, têm sido desenvolvidas políticas de saúde, procurando centrar os cuidados no doente raro, de forma a “garantir o igual acesso ao tratamento e melhor orientação, à melhor qualidade de cuidados e apoios”. Em Portugal, foi publicado em 2008 o Programa Nacional de Doenças Raras, focando a importância do papel de equipas experientes multidisciplinares coordenadas, para a melhor orientação destes doentes.
Recentemente, com a aprovação da Estratégia Integrada para as Doenças Raras 2015-2020 e a criação de uma Rede Nacional para Doenças Raras, o reconhecimento de Centros de Referência já ocorrido e em curso para alguns grupos destas doenças, permite e permitirá, mais e mais, maximizar as perspectivas futuras destes doentes, com real melhoria da qualidade de vida, dos cuidados e apoios aos doentes, sua família e cuidadores. Paralelamente neste campo, é de salientar o papel fundamental que as organizações de doentes representam, agregando e defendendo os interesses comuns de quem vive com uma doença rara, impondo-se como parceiros essenciais na divulgação, no incentivo da investigação dirigida, no apoio global e defesa do Doente Raro, com participação alargada em trabalho de rede, procurando que nenhum doente com doença rara seja esquecido. Muito se tem feito e muito mais se fará com a colaboração de todos.
*O texto foi redigido, pelo autor, de acordo com antigo Acordo Ortográfico.
Ligações:
1. Programa Nacional para Doenças Raras: https://ec.europa.eu/health/ph_threats/non_com/docs/portugal.pdf
2. Orphanet: http://www.orpha.net/national/PT-PT/index/sobre-doenças-raras/
3. «Useful Information on Rare Diseases from an EU Perspective» (PDF). European Commission: http://ec.europa.eu/health/rare_diseases/policy/index_en.htm
4. https://ec.europa.eu/health/non_communicable_diseases/rare_diseases_en
5. https://www.eurordis.org/pt-pt/doencas-raras
6. www.aliancadoencasraras.org
Dra. Elisa Leão Teles - Pediatra, Centro de Referência de Doenças Hereditárias do Metabolismo do Centro Hospitalar Universitário São João, Porto