Dia Mundial das Doenças Raras 2021

“Doença rara” é ainda um conceito muito abstrato para grande parte da sociedade

Atualizado: 
28/02/2021 - 18:28
As doenças raras são uma realidade de muitas pessoas e de muitas famílias, e serão de muitas mais nos próximos anos, contudo os desafios continuam a ser demasiados. Na ANDO Portugal, a associação Nacional de Displasias Ósseas, iremos continuar a trabalhar pelas pessoas e com as pessoas.

“Doença rara” é ainda um conceito muito abstrato para grande parte da sociedade, que “quase nunca acontece ou quando acontece, é aos outros”. Numa população de 10 milhões de pessoas, são poucas as que conhecem quem tenha uma doença destas, com nomes quase impronunciáveis.

Em tempos de pandemia, a maioria da população tem sentido “na pele” a disfuncionalidade dos serviços de saúde, bloqueado a uma única doença. Com consultas canceladas, cirurgias adiadas, atestados de saúde suspensos, centros de saúde sem atender chamadas, sem forma de contactar médicos, pareceu fundamental evitar ficar doente.

Mas, enquanto a maioria da população é recetora de cuidados de saúde, nas doenças raras é preciso “arregaçar as mangas”. Para muitas pessoas com uma doença rara e famílias, a pandemia não trouxe um estado inédito, com frequentes desafios de saúde que começam por encontrar profissionais de saúde que saibam o que fazer, o que há a fazer e onde. Chegar ao diagnóstico pode ser uma verdadeira odisseia de anos e o acesso a cuidados diferenciados e multidisciplinares, com profissionais de saúde experientes, pode ser ainda outra odisseia.

Estima-se que existam entre 6000 a 8000 doenças raras e estima-se que, a cada semana, sejam identificadas 5 novas doenças raras a nível mundial. Mas, embora raras, estima-se que existam na Europa cerca de 35 milhões de pessoas com uma doença rara. Em Portugal, a estimativa é de existirem 600 000 a 800 000 pessoas e, entre estas, estima-se que cerca de 1500 terão uma displasia óssea (doença óssea rara).

E, neste curto texto, é fácil de perceber que ainda se “estima” demasiado em doenças raras. Em Portugal, com Programa Nacional de Doenças Raras de 2008, que teve execução muito limitada, e a Estratégia Integrada para as Doenças Raras 2015-2020, com missão definida em papel, mas pouco implementada, o trabalho de apoio a pessoas com doenças raras foi na sua maioria feito pelas Associações de doentes e por alguns clínicos interessados e mais conhecedores, que empreenderam na criação de grupos dedicados a doenças raras específicas.

O caminho ainda é longo

São muito poucas as doenças raras sobre as quais há conhecimento médico, e ainda menos aquelas com investigação científica e médica a decorrer, havendo tratamento disponível só para 5%. Entre todas as doenças raras, existem 461 displasias ósseas estando disponível tratamento apenas para 5 displasias ósseas. O processo de investigação de medicamentos órfãos é lento e os desafios são imensos, e cada novo medicamento aprovado é uma vitória. O mais recente exemplo foi a aprovação pelo Infarmed de um PAP (programa de acesso precoce) para um fármaco inovador para a XLH, a hipofosfatémia ligada ao cromossoma X. As crianças que estão atualmente a receber este medicamento órfão em Portugal tem tido resultados muito positivo na recuperação das deformidades esqueléticas e, felizmente, já está aprovado para adultos também. Mas precisamos de muito mais.

E porquê estudar e avançar conhecimento em doenças raras se “acontece só aos outros”?

Primeiro, porque as doenças raras têm, na sua maioria, um impacto multissistémico com necessidade de seguimento clínico em várias especialidade, inúmeras consultas e cirurgias, com um significativo impacto orçamental nos serviços de saúde. Têm acima de tudo, um enorme impacto na saúde e qualidade de vida da pessoa com doença rara, a par de desafios familiares, profissionais, financeiros e emocionais.

Segundo, porque a investigação em doenças raras pode trazer benefícios muito para além destas, com avanços e novos conhecimentos em doenças mais comuns, como os processos patológicos em que evoluem que por vezes começa pela descoberta de formas raras e do conhecimento da sua base molecular.

E terceiro, com o evoluir da sociedade, com prioridades como terminar um curso, construir uma carreira, adquirir uma casa e só depois pensar em formar família, os casais têm filhos cada vez mais tarde, muitos após os 40 anos. Sabendo que 80% das doenças raras têm origem genética e com cada vez mais novos pais e mães com idades superiores a 40 anos, os riscos vão aumentando.

As doenças raras são uma realidade de muitas pessoas e de muitas famílias, e serão de muitas mais nos próximos anos, contudo os desafios continuam a ser demasiados. Em Portugal, o governo, Associações de Doenças raras, o Infarmed, as universidades, os centros clínicos, as sociedades médicas e as empresas de tecnologia e inovação, têm de trabalhar em conjunto para criar um registo nacional de doenças raras, aumentar o conhecimento sobre estas doenças, quebrar estigmas sociais, agilizar o acesso a cuidados diferenciados e comunicação com as 24 Redes de Referência Europeias de grupos de doenças raras, criar mais equipas multidisciplinares, responder às necessidade médicas, educativas, sociais e profissionais das pessoas com doença rara, com a estruturação e execução real de um plano de ação adaptado e ajustado a diferentes grupos de doenças raras.

Na ANDO Portugal, a associação Nacional de Displasias Ósseas, iremos continuar a trabalhar pelas pessoas e com as pessoas.

Autor: 
Inês Alves - Presidente da ANDO Portugal
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Pixabay