Cegueira e demência entre os principais sintomas da Doença de Batten
Embora muitos especialistas utilizem o termo para descrever um grupo de distúrbios denominado Ceroidolipofuscinose Neuronal (CLN), a Doença de Batten está entre a forma mais graves e também a mais comum das CLN.
Segundo a neuropediatra, Mónica Vasconcellos, “A Ceroidolipofuscinose Neuronal (CLN) é um grupo heterogéneo de doenças neurometabólicas raras, hereditárias, caracterizadas por acumulação intracelular de material lisossómico autofluorescente (lipofuscina ceróide)”, que, inevitavelmente, conduz a uma disfunção da célula e à sua morte.
De acordo com a especialista existem 14 tipos diferentes de CLN “de acordo com a sua causa genética, todas partilhando características semelhantes”. No entanto, embora partilhando algumas características as suas “manifestações clínicas variam de acordo com a idade de início da sintomatologia e a evolução da doença é diferente de acordo com o tipo de CLN”.
Na Doença de Batten, as manifestações clínicas da doença surgem após um período de desenvolvimento psicomotor aparentemente normal seguindo-se uma rápida deterioração do estado geral do doente.
“As principais manifestações clínicas são as crises epiléticas recorrentes, atraso/regressão do desenvolvimento psico-motor, ataxia, mioclonias e diminuição da acuidade visual”, descreve Mónica Vasconcellos, acrescentando que “nas formas mais frequentes, a doença progride rapidamente e a epilepsia torna-se de difícil controlo, refratária aos fármacos antiepiléticos, há perda progressiva da acuidade visual (evolui para cegueira) e deterioração cognitiva e motora”.
Tratando-se de uma doença de progressão rápida, “que resulta em perda das capacidades cognitivas, motoras e visuais”, o seu controlo passa a ser difícil conduzindo, numa parte importante dos casos, à demência e ao estado vegetativo. De acordo com a especialista em neuropediatria a esperança média de vida destes doentes “é baixa”.
“Sendo uma doença rara, o clínico deve estar familiarizado com as manifestações clínicas da doença, de forma a suspeitar deste diagnóstico e confirmar a doença laboratorialmente”, defende a médica acrescentando que o seu “diagnóstico se baseia na combinação dos achados clínicos, oftalmológicos, electroencefalográficos e neurorradiológicos”.
“A confirmação é feita através de testes bioquímicos e genéticos. Assim, o diagnóstico é estabelecido através de um teste enzimático que mede a atividade da enzima deficitária e através de um teste genético/molecular, com identificação de mutações patogénicas”, explica.
A importância do diagnóstico precoce
O diagnóstico precoce é fundamental, uma vez que permite alterar a progressão de uma doença tão devastadora “e otimizar os cuidados ao doente, melhorando a sua qualidade de vida e a da sua família”.
“A epilepsia torna-se de difícil controlo, refractária aos fármacos anti-epilépticos, há perda progressiva da acuidade visual (evolui para cegueira) e deterioração cognitiva e motora, levando à demência e ao estado vegetativo”, afirma a especialista
De acordo com Mónica Vasconcellos, “o tratamento sintomático inclui a tentativa de controlo das crises epiléticas, controlo da dor, fisioterapia, terapia ocupacional, terapia da fala e cuidados nutricionais” e deve ser iniciado o quanto antes.
“Várias estratégias terapêuticas têm sido exploradas, mas presentemente existe apenas um fármaco clinicamente aprovado que demonstrou ser eficaz para atenuar a progressão de um tipo de CLN, a CLN2: a cerliponase alfa, uma proenzima recombinante humana da enzima tripeptidil-peptidase 1 (TPP1 – enzima deficitária na CLN2), que é administrada através de infusão intracerebroventricular”, descreve quanto às opções terapêuticas disponíveis para tratar estes doentes.
No entanto, tendo em conta que “as manifestações clínicas desta doença surgem após um período de desenvolvimento psico-motor aparentemente normal e, geralmente, depois existe uma rápida deterioração do estado geral do doente” e que há um perído médio de dois anos até se confirmar o seu diagnóstico, o sucesso do tratamento – a terapêutica enzimática de substituição está apenas aprovada para um tipo de CLN, o CLN2 - acaba por ficar comprometido.
O projeto LINCE permite um diagnóstico rápido, de forma a proporcionar os melhores cuidados ao doente
Segundo Mónica Vasconcellos, “o projeto LINCE, lançado no início deste ano, disponibiliza uma ferramenta diagnóstica rápida e de forma gratuita aos médicos portugueses, em caso de suspeita de CLN1 e CLN2. Este projeto nasceu de uma parceria científica da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria, com a Liga Portuguesa Contra a Epilepsia e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge”.
Sempre que um médico suspeitar de um possível caso de CLN1 ou CLN2, deve solicitar um kit por e-mail e através de uma gota de sangue seco (semelhante ao “teste do pezinho”) é possível obter um diagnóstico em duas semanas.
“A abordagem destas crianças deve ser multidisciplinar, envolvendo médicos (neuropediatras, epileptologistas, especialistas em doenças metabólicas, geneticistas), enfermeiros, terapeutas (terapia ocupacional, fisioterapia, terapia da fala), psicólogos e nutricionistas”, explica adiantando que este acompanhamento se deve adaptar à evolução e necessidade destas crianças.