Opinião

Angioedema hereditário «pode ser doloroso, exuberante e incapacitante»

Atualizado: 
04/03/2021 - 11:32
O angioedema hereditário (AEH) é uma doença genética autossómica dominante que se manifesta por episódios recorrentes de angioedema mucocutâneo. Esta doença rara classifica-se, atualmente, em AEH com deficiência de C1 inibidor e AEH com C1 inibidor normal.

O AEH com deficiência de C1 inibidor tem uma prevalência estimada de 1:50000 e está associado a mutações no gene SERPING1, estando descritas mais de 450. A deficiência de C1 inibidor pode ser quantitativa (AEH tipo I; cerca de 85% dos casos) ou funcional (AEH tipo II).

Os sintomas têm, habitualmente, início na adolescência/início da idade adulta, sendo que, quanto mais precoce o seu início, mais grave o curso da doença.

O AEH com C1 inibidor normal foi descrito mais recentemente, tendo sido identificadas mutações em vários genes, designadamente do Fator XII da coagulação, da angiopoetina, do plasminogénio, do cininogénio e da mioferlina. Outras estarão ainda por identificar. A prevalência deste tipo de angioedema não é conhecida. As primeiras manifestações ocorrem mais tarde, frequentemente após o início de terapêutica com estrogénios.

O C1 inibidor esterase é uma enzima serino-protease com papel na regulação sistema do complemento, fibrinolítico e de contacto, através da inibição de várias proteínas. A sua deficiência vai conduzir à produção exagerada da bradicinina, principal mediador do AEH, que atua a nível dos recetores β2 na superfície das células endoteliais. Na crise aguda, o aumento de bradicinina promove a permeabilidade vascular e a passagem de líquido do espaço intravascular para o espaço extravascular, causando angioedema.

O diagnóstico de AEH é baseado na clínica e confirmado laboratorialmente, através do estudo do complemento e/ou estudo genético. A ausência de história familiar não exclui o diagnóstico, uma vez que cerca de 20-25% dos casos correspondem a mutações de novo.

A expressão clínica dos vários tipos de mutações é comum e traduz-se por crises recorrentes e imprevisíveis de angioedema, que pode ser doloroso, exuberante e incapacitante e que afeta tipicamente as extremidades, face, genitais, mucosa gastrintestinal e das vias aéreas superiores, incluindo a da laringe. O angioedema laríngeo é a forma mais grave de apresentação e é potencialmente fatal. Urticária e prurido cutâneo não são manifestações da doença.

Vários fatores foram identificados como potenciais desencadeantes de crise aguda, nomeadamente hormonais, ansiedade/stress emocional, traumatismo, infeções e fármacos (estrogénios, IECAs, fibrinolíticos).

O AEH pode ter elevado impacto na atividade diária e qualidade de vida do doente. Assim, o diagnóstico precoce e a instituição de estratégias terapêuticas adequadas são fundamentais.

O tratamento inclui 3 vertentes. O tratamento da crise aguda tem por objetivo impedir a progressão da mesma, reduzindo a morbilidade e prevenindo a potencial mortalidade. Deve ser instituído o mais precocemente possível, com fármacos específicos (concentrado de C1 inibidor, via endovenosa e/ou inibidor seletivo dos recetores β2 da bradicinina, via subcutânea), preferencialmente em autoadministração. O tratamento com corticosteróides, anti-histamínicos e adrenalina não é eficaz e não está indicado.

A profilaxia de curta duração, com concentrado de C1 inibidor, está recomendada previamente a todos os procedimentos médicos ou cirúrgicos (dentários, endoscópicos e outros), associados a impacto mecânico no trato respiratório ou digestivo superior, potencialmente causador de crise aguda, nomeadamente laríngea.

A profilaxia de longa duração visa reduzir o número global e a gravidade das crises, bem como o impacto na qualidade de vida do doente. Existem várias opções terapêuticas, de acordo com as características do doente e o curso da sua doença.

Autor: 
Dra. Eunice Dias de Castro - Serviço de Imunoalergologia
Centro Hospitalar Universitário de S. João
Nota: 
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