Doença rara

Angioedema Hereditário: o que é e como se trata?

Atualizado: 
21/02/2024 - 05:15
Trata-se de uma entidade clínica rara, de origem genética e potencialmente fatal, que se caracteriza pelo desenvolvimento recorrente, e de instalação súbita, de edema. Face, lábios, língua, laringe e as extremidades são as partes do corpo mais atingidas.

Segundo a Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) o angioedema “é um termo utilizado para definir uma situação de edema subcutâneo ou submucoso de instalação súbita e carácter transitório, envolvendo áreas bem delimitadas, com sensação dolorosa ou de queimadura” e que pode atingir várias partes do organismo.

O angioedema hereditário é uma doença rara, de transmissão autossómica dominante, em que há uma deficiência ou disfunção do inibidor de C1 – uma proteína que participa na regulação da via de ativação clássica do complemento, e que desempenha um papel importante de defesa a infeções por microrganismos. Embora, na maioria dos casos, existam outros familiares afetados pela doença, estima-se que 20% resulte de mutações recentes sem história familiar associada.

Classicamente existem dois tipos específicos de disfunção que ajuda a classificar a doença: o tipo 1, no qual existem baixos níveis de C1-inibidor e que está presente em mais de 80% dos casos; e o tipo 2 em que a proteína existe mas não funciona. Alguns autores admitem, no entanto, a existência de um terceiro grupo, mais raro, em que tem de existir história familiar para o seu diagnóstico mas cuja expressão depende do controlo hormonal. “Neste caso há predomínio no sexo feminino e aparece mais tarde na vida, habitualmente em idade adulta, sendo associado ao uso de estrogénios, quer contraceptivos, quer terapêutica hormonal na menopausa, ou com a gravidez”, esclarece a SPAIC em manual.

Os doentes com Angioedema Hereditário têm episódios de edema localizado recorrente, sem urticária ou prurido, que, embora possa afetar qualquer parte do corpo, atinge com mais frequência as regiões ricas em tecido conjuntivo laxo da face, como as pálpebras e os lábios, e das extremidades, assim como as mucosas do aparelho digestivo e respiratório. O envolvimento destes dois aparelhos pode resultar em eventos muito graves, conduzindo a obstrução da via aérea e asfixia. O edema da glote é aliás a principal complicação desta doença, sendo responsável por 25% da mortalidade associada ao Angioedema Hereditário.

De acordo com a Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica, “outra complicação grave é o choque hipovolémico, resultante da saída de plasma de dentro dos vasos nos casos de edema muito significativo. Mais raramente, um quadro abdominal de vómitos, dor ou rigidez abdominal pode simular uma situação de abdómen agudo, por edema na parede intestinal, podendo mesmo motivar uma cirurgia urgente desnecessária”.

Mais raramente o angioedema pode apresentar retenção urinária, tosse por derrame pleural e pontada ligeira. Cefaleias muito intensas, afasia, hemiplegia e convulsões podem ocorrer se houver envolvimento do Sistema Nervoso Central.

As crises de Angioedema podem surgir de forma espontânea ou serem desencadeadas por stress emocional, traumatismo (como as quedas, por exemplo), infeções, manipulações médico-cirúrgicas (como os tratamentos dentários), ou induzidas por medicamentos como os anticoncepcionais e alguns medicamentos utilizados para tratar a hipertensão (inibidores da ECA – enzima de conversão da angiotensina).

Habitualmente, os primeiros episódios de Angioedema Hereditário surgem durante a infância ou nos primeiros anos da adolescência.

A frequência das crises é muito variável, podendo ocorrer com uma frequência semanal ou com intervalos de anos. Habitualmente, estes episódios resolvem-se espontaneamente no espaço de 24 a 72 horas.

No que diz respeito ao tratamento, este pode ser dividido em três níveis: o tratamento da crise aguda, o tratamento de manutenção ou prevenção a longo e a curto prazo.

Para as crises agudas, cujo objetivo é reverter o quadro clínico em poucos minutos, o Grupo de Interesse “Anafilaxia e Doenças Imunoalérgicas Fatais” da SPAIC, refere que “os fármacos mais eficazes são o concentrado de C1-inibidor e o icatibant, antagonista do receptor 2 da bradicinina. Este último com a vantagem de ser uma seringa pré-carregada para administração subcutânea”. No entanto, ambos apresentam um custo económico significativo e só se encontram disponíveis em algumas unidades hospitalares.

Relativamente ao tratamento preventivo, o manual desenvolvido pela SPAIC, revela que a “profilaxia a longo prazo (caso esteja indicada) é feita com androgénios modificados orais, como o estanazolol e o danazol, na dose mínima eficaz para controlo dos sintomas”, estando estes contraindicados na criança (sobretudo antes da puberdade) e durante a gravidez.  Podem ser ainda utilizados “inibidores de fibrinólise, como o ácido tranexâmico e o ácido aminocapróico”. Em caso de gravidez pode ser administrado regularmente o concentrado de C1-inibidor. “O lanadelumab é um fármaco biológico que também pode ser utilizado na prevenção das crises”, revela a SPAIC.

Antes de uma extração dentária ou outros procedimentos que estão associados ao desenvolvimento de crises, “está indicado o concentrado de C1-inibidor 1 a 6 horas antes” do procedimento. Ou, caso não exista contraindicação, os androgénios modificados orais podem ser utilizados 5 dias antes e 3 dias depois da intervenção.

Nestes doentes, aconselha a SPAIC, “é imprescindível o correto diagnóstico e seguimento em consulta, devendo o doente e seus prestadores de cuidados estarem informados e serem portadores de um cartão identificador com diagnóstico e indicação do local ode se encontra disponível o concentrado C1-inibidor e o icatibant para utilização em caso de crise grave”.

Os doentes com Angioedema Hereditário têm ainda direito ao Cartão da Pessoa com Doença Rara.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Fonte: 
Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica e Manual MSD
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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