Voltar a ver, sem gastar dinheiro, graças a voluntários portugueses
Aos 64 anos e sem gastar um tostão, o guineense acabou de ser operado às cataratas, já em estado agravado, como quase todos os casos diagnosticados na Guiné-Bissau: acabam em cegueira, mas podem ser revertidos.
No país é muito difícil ter acesso a serviços de saúde.
São raros e quando há poucos têm dinheiro para os pagar ou informação para lá chegar - a maioria da população é analfabeta.
“Muitas pessoas ficam cegas por causa de problemas para os quais já há solução”, explica à Lusa o médico oftalmologista Dionísio Cortesão.
Ele e outros 10 médicos e enfermeiros são voluntários: pagaram as viagens de avião de Portugal para a Guiné-Bissau, bem como todas as outras despesas para ficar 11 dias a dar consultas e a realizar cirurgias no Hospital de Cumura, nos arredores de Bissau.
É a quinta Missão Visão que funciona sob a alçada da fundação católica João XXIII e que, ano após ano, angaria consumíveis e reúne médicos e enfermeiros através do “passa a palavra”.
Em oito dias de voluntariado, a equipa já tinha operado cerca de 70 pessoas e prestado quase 700 consultas - com mais dois dias pela frente.
“Cerca de quatro quintos dos doentes que operamos têm menos de 10% de visão em cada olho ou são totalmente cegos”, descreve Dionísio Cortesão.
Na Guiné-Bissau este grupo de médicos depara-se com problemas comuns, como Glaucoma, ou outros mais raros, como o Tracoma, uma inflamação crónica que podia ser evitada com um antibiótico no tempo certo.
Mas a doença que se destaca “são as cataratas, aqui num grau muito mais dramático” daquilo a que os médicos estão acostumados a observar na Europa e com um impacto muito mais grave na vida dos pacientes.
É o caso de Amadu Balde, 75 anos, que perdeu quase toda a visão.
“Mal consigo ver quem está à minha frente”, contou à Lusa depois da consulta onde foi encaminhado para cirurgia.
“Não tenho medo nenhum de ser operado. Quero é ver bem”, sublinhou.
As intervenções são feitas num bloco operatório do Hospital de Cumura, no mesmo piso térreo das consultas, duas portas ao lado, onde à equipa portuguesa se juntam médicos guineenses.
“Aprendemos a usar esta tecnologia mais avançada”, refere Seco Indjai, médico da Guiné-Bissau que não perde a oportunidade de trabalhar com os colegas portugueses.
“Temos muita cegueira evitável e acho que isso pelo menos vamos conseguir resolver” graças às indicações que recebeu, realçou.
A formação no exercício da actividade poderá fazer com que um dia se cumpra o sonho do líder da missão, o oftalmologista Luís Gonçalves.
“O meu sonho era daqui a algum tempo poder vir cá, à Guiné, e não precisar de fazer cirurgia nenhuma por estarem os colegas de cá a trabalhar. E eu venho passar umas férias”, descreveu.
Enquanto isso não acontece, outras missões repletas de trabalho diário vão seguir-se.
Esta quinta-feira à tarde é tempo de fazer o balanço e um inventário que servirá para preparar a missão do próximo ano.
Os médicos oftalmologistas prometem regressar para "transformar vidas", conclui Luís Gonçalves.