Doença crónica

Viver com uma doença Inflamatória do Intestino

Atualizado: 
17/05/2019 - 15:36
De causa desconhecida a Doença Inflamatória Intestinal resulta da resposta imune desregulada do organismo contra a sua microflora intestinal. Doença de Crohn e Colite Ulcerosa, são duas doenças que enquadram esta patologia e que, em Portugal, afetam cerca de 200 pessoas por ano. Inês Lopes e Sandra Silva dão a voz pela doença.

Inês Lopes tinha 22 anos quando foi diagnosticada com uma Colite Ulcerosa, uma doença Inflamatória Intestinal crónica da qual nunca tinha ouvido falar.  “Confesso que depois de saber o que era, e apesar de saber que teria de lidar com esta doença para o resto da minha vida, me senti  muito mais aliviada”, refere.

“Eu era uma miúda. Estava na Universidade, a estudar arquitetura, e com 22 anos nunca me passou pela cabeça ter uma doença crónica”, acrescenta. “No entanto, este diagnóstico fez-me, por um lado, respirar de alívio”, admitindo que, enquanto andou de médico para médico em busca de um diagnóstico, pensou tratar-se de cancro.

“Eu comecei por ter algumas cólicas que se foram tornando cada vez mais frequentes. E, eu que até nem era muito regular do meu trânsito intestinal, comecei a ir à casa de banho todos os dias, várias vezes por dia”, explica a jovem.

Em pouco mais de um mês já tinha perdido cerca de 10 quilos, apresentava perda de apetite, febre e dejeções com sangue e muco.

“A dada altura eu comecei a achar que nada daquilo era normal. E fiquei assustadíssima a primeira vez que as fezes apresentaram sangue”, admite.

“O meu médico de família assustou-me mais ainda. Falou da possibilidade de ser cancro... e eu era tão nova...”, explica.

Enquanto esperou por uma colonoscopia, consultou outro médico que lhe falou da possibilidade de se tratar de uma infeção. “Cada um dizia uma coisa e eu lá fazia mais análises e mais exames... até que falaram à minha mãe de um gastrenterologista que era muito bom. Hoje costumo dizer que se não fosse esse médico se calhar não estaria cá para contar esta história”, desabafa.

Inês confessa que foi “aterrorizada” realizar o exame de diagnóstico. “A palavra colonoscopia ainda hoje me assusta”, admite. “Mas não custou nada e ao fim de uns dias tinha o resultado da biopsia – eu sofria de colite ulcerosa, não era cancro. Foi um alívio”, diz.

De acordo com Sandra Faias, coordenadora do Serviço de Gastrenterologia do Hospital Lusíadas, em Lisboa, a Colite Ulcerosa é uma das patologias que enquadram a Doença Inflamatória Intestinal, que envolve o reto e o intestino grosso, e apenas a mucosa e submucosa deste órgão.

Estima-se que, todos os anos, surjam cerca de 200 novos casos da doença no País.

“Geralmente manifesta-se por hematoquésias (sangue nas fezes), diarreia, dores abdominais e emagrecimento. Pode haver febre, dores articulares, cansaço”, explica Sandra Faias.

“O diagnóstico é feito com uma conjugação de dados obtidos por vários meios de diagnóstico, nomeadamente análises de sangue (anemia, leucocitose, PCR elevada), exames culturais das fezes (para excluir infeção bacteriana, parasita e clostridium), colonoscopia com visualização da mucosa e biópsias da mucosa”, acrescenta.

Sabe-se que em 25 por cento dos casos a doença está limitada ao reto e em 10 por cento atinge todo o colón. “Nos restantes atinge o cólon numa extensão variável”, refere a especialista.

De acordo com a gastrenterologista, a Doença Inflamatória Intestinal (que inclui Colite Ulcerosa e a doença de Crohn) tem causa desconhecida. “No entanto, sabemos que corresponde a uma resposta imune desregulada do indivíduo e uma resposta alterada à microflora intestinal. O resultado final é disrupção da mucosa intestinal e inflamação aguda e crónica simultânea da mucosa “, explica.

“A incidência é idêntica em homens e mulheres. A idade de diagnóstico maioritária é entre os 15 e os 40 anos, em forma de sino, com pico pelos 20 anos. 10 por cento dos doentes têm menos de 18 anos e há um segundo pico de diagnóstico entre os 55 e os 65 anos”, refere ainda a especialista.

Segundo os dados disponíveis, é possivel observar um aumento da incidência da Doença Inflamatória Intestinal, sobretudo nas áreas urbanas e nos países mais frios.

De um modo geral, os doentes com DII “têm um aumento de mortalidade em relação à população em geral, sendo a mortalidade devida à própria doença, infeções, doença pulmonar obstrutiva crónica. Têm um aumento dos tumores digestivos, o que implica, na colite ulcerosa, realizar colonoscopias de vigilância com intervalos entre um a dois anos, ao completar 10 anos de diagnóstico da doença”, refere Sandra Faias.

“Além disso os sintomas da doença, os efeitos secundários da medicação – nomeadamente os corticóides – condicionam a qualidade de vida dos doentes”, afirma.

Inês passou a ser medicada e rapidamente a sua qualidade de vida melhorou. “Não precisei de tomar corticoides orais, fiz apenas os enemas durante as primeiras semanas de tratamento. E melhorei substancialmente assim que o comecei a fazer”, recorda após 10 anos de diagnóstico.

“No entanto admito que não foi fácil saber que teria de lidar com uma doença para o resto da vida. Eu queria ficar boa, mas não queria tomar medicação para sempre, sentir-me condicionada. Tive uma fase de negação, de revolta, na verdade...”, confessa. “Óbvio que me assustavam as consequências: a possibilidade de ter uma recaída e as lesões estenderem-se pelo intestino, e na pior das hipóteses ter de me sujeitar a uma cirurgia, a uma ostomia...”, acrescenta.

No entanto, ao fim de um ano a doença entrou em remissão até aos dias de hoje. “Já fiz mais duas colonoscopias. Uma ao fim de um ano, que por coincidência desencadeou uma pequena crise, e outra passados estes 10 anos, e está tudo bem”, conta.

“Hoje em dia já não tomo medicação. Sou acompanhada pela consulta da DII e a dada altura o médico quis ver como me daria sem tomar os medicamentos. Na realidade, parece que já não preciso deles e espero continuar assim”, diz.

Sandra Silva teve um percurso inicial, em tudo idêntico ao de Inês, mas com um diagnóstico distinto: Doença de Crohn. “Comecei por ter dores abdominais, perda de apetite, vómitos, e só depois veio a diarreia”, começa por contar.

“Eu ia fazer 20 anos quando adoeci. De início, os médicos achavam que não era nada de mais. Associavam os primeiros sintomas ao stress da entrada na Universidade, a alguma instabilidade emocional que estava a viver na altura”, recorda.

“No entanto, os sintomas foram aumentando e foram-me debilitando cada vez mais. Cheguei a ter anemia e a dada altura, os médicos tomaram a decisam de me internar. Penso que suspeitaram poder tratar-se de uma bactéria que se teria alojado no fígado”,  acrescenta.

Seguiram-se vários exames, muitos inconclusivos até que se apresentou a possilidade de se tratar de uma doença inflamatória do intestino. “Eu fui toda picada, fiz vários exames até ter surgido esta possibilidade. E claro está, assim que fiz os exames adequados foi-me diagnosticada uma doença de Crohn que já estava a afetar outros órgãos do aparelho digestivo, nomeadamente o fígado”, conta.

De acordo com a especialista Sandra Faias, “a doença de Crohn é uma doença inflamatória crónica do intestino, que pode envolver qualquer segmento do tudo digestivo, desde a boca até ao ânus”.

“Tem três formas de apresentação distintas (os médicos chamam-lhe fenótipos): inflamatória, estenosante e fistulizante. Geralmente a inflamação é transmural. A doença localiza-se no cólon e ileon (em 35 por cento dos doentes), só no colón (30 por cento dos casos), só no intestino delgado (28 por cento) ou no estômago e duodeno (5 por cento)”, explica.

A doença de Crohn pode manifestar-se por dor abdominal, diarreia, obstipação, emagrecimento, perde de sangue nas fezes. “Náuseas e vómitos são a manifestação na localização gástrica e duodenal. Pode ainda ter manifestações extra-intestinais na pele, oculares, articulares ou no fígado”, acrescenta a médica.

Depois do diagnóstico, e devidamente medicada, Sandra Silva, apresentou melhorias significativas. “Tomei corticoides, aminosalicilatos e antibióticos, mas cheguei a ter várias crises ao longo dos primeiros três anos após diagnóstico”, refere.

“Foi um período conturbado e as pessoas não imaginam as limitações que temos. Esta não é uma doença que se veja no rosto, embora possamos ter um ar cansado ou possamos perder algum peso. Há dias em que as tarefas mais simples do dia-a-dia se tornam compicadas de realizar. Eu, por exemplo, tinha muitas dores nas articulações, e não conseguia agrafar papéis”, recorda.

Hoje em dia, continua a ser seguida por um especialista e a fazer medicação. “Continuo medicada e a ter alguns cuidados. Passei a praticar desporto e a fazer uma alimentação vegetariana”, afiança a jovem.

No capítulo dos cuidados a ter, a gastrenterologista Sandra Faias, defende que um dos principais é deixar de fumar. “Sendo uma doença crónica e adquirida em idade jovem é importante que os doentes estejam informados sobre a doença, o seu tratamento e prognóstico. Isto é importante para adesão ao tratamento e às colonoscopias de rastreio de neoplasia do colón após tempo prolongado da doença”, explica.

Quanto à alimentação refere que não há estudos que demonstrem que esta altere a atividade inflamatória da doença. “Os doentes são aconselhados a reduzir a ingestão de fibras – frutas e vegetais – quando a doença está ativa pois isto reduz os sintomas da doença, nomeadamente, a diarreia”, acrescenta.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
ShutterStock