Patologia benigna mas sem cura

Vitiligo: a vida a duas cores

Atualizado: 
16/03/2021 - 11:38
Atinge apenas 1% da população mundial e é mais frequente no adulto jovem. O vitiligo caracteriza-se pelo aparecimento de manchas despigmentadas, sobretudo na face e mãos, podendo afetar outras partes do corpo. Apesar de ser considerada uma patologia benigna, pode ter um impacto significativo na autoestima de quem dela padece. Marta e Ângelo convivem com a doença desde cedo. Mas se por, um lado, um tenta escondê-la, o outro nunca se sentiu diferente.
Mãos com vitiligo

Embora possa surgir em qualquer idade, o vitiligo é mais frequente no adulto jovem, sendo raro na primeira infância ou terceira idade. De causa desconhecida, sabe-se apenas que esta “é uma doença não contagiosa, com predisposição genética, que resulta da perda local de melanócitos” (das células responsáveis pela produção de melanina, o pigmento que dá cor à pele).

De acordo com a dermatologista, Helena Toda Brito, o mecanismo responsável pela destruição dos melanócitos não está ainda completamente esclarecido. “Mas pensa-se que tenha uma origem autoimune” sendo que o sistema imunitário identifica a melanina como um elemento estranho ao organismo, atacando e eliminando as células responsáveis pela sua produção.

Doenças da tiroide, diabetes, anemia perniciosa, doença de Addison ou alopecia areata são algumas das patologias às quais o vitiligo pode estar associado.

“O vitiligo caracteriza-se pelo aparecimento de manchas despigmentadas, com formas e dimensões variadas, dispersas pelo tegumento. Estas são tipicamente brancas, mas podem por vezes ter tonalidades intermédias”, descreve a especialista adiantado que, embora geralmente assintomáticas, as manchas podem cursar com prurido numa fase inicial.

Face, pescoço, dorso das mãos, extremidades dos dedos e contornos dos lábios, genitais ou mamilos são às áreas mais afetadas.

“Nas zonas pilosas, como o couro cabeludo ou sobrancelhas, pode ocorrer perda da cor dos pelos, com o aparecimento de pelos brancos”, refere a especialista. E para além das lesões na pele, “o vitiligo pode estar associado a alterações oculares e auditivas”. No entanto, estes casos são bastante raros.

Habitualmente, o seu diagnóstico é feito pela observação clínica das lesões pelo médico dermatologista. “Em alguns casos, pode ser necessária confirmação do diagnóstico por biopsia cutânea”, adverte Helena Toda Brito.

Quanto ao tratamento, uma vez que não existe cura para a doença, este apenas serve para minimizar o seu aspeto, podendo ajudar a restaurar a cor da pele.  

Entre as opções terapêuticas está o uso de medicamentos que induzem a repigmentação das regiões afetadas.

Podem ser ainda utilizadas tecnologias como o laser ou fototerapia, bem como técnicas de cirúrgicas com micro-enxertos de pele.  

“Adicionalmente salienta-se a importância da proteção solar adequada, que tem um duplo objetivo nos doentes com vitiligo: proteger as manchas brancas das queimaduras solares (a falta de melanina torna a pele mais vulnerável aos efeitos nocivos da radiação solar, aumentando o risco de queimaduras solares e cancro de pele) e evitar que a pele em redor se bronzeie e torne as manchas de vitiligo mais óbvias”, acrescenta a especialista em Dermatologia do Hospital Lusíadas Lisboa.

Apesar de se tratar de uma doença benigna não transmissível, o vitiligo pode ter um grande impacto na autoestima e qualidade de vida do doente, uma vez que ainda é encarada com algum preconceito. Ansiedade e depressão são a face menos visível de uma patologia que pode atingir qualquer pessoa, independentemente do seu sexo ou cor de pele.

 “O melhor tratamento é aproveitar a vida a sorrir”

Ângelo Pereira tinha 13 anos quando foi diagnosticado com vitiligo, uma doença à qual nunca deu importância. “Continuo igual a mim próprio, sem medos e sem receios”, afirma explicando que esta sempre foi a sua forma de encarar a vida.

No seu caso, foi o aparecimento de pequenas manchas de tom esbranquiçado na parte interior dos pés que deu o alerta.

“Estas manchas surgiram, curiosamente, duas ou três semanas após ter sofrido um efeito secundário de um relaxante muscular que tomei na altura para um pubalgia na perna direita”, começa por explicar acrescentando que a pele dos pés e mãos começou a saltar. “Parecia uma cobra em mudança de pele e até hoje associo isso ao aparecimento do Vitiligo”, confessa.

O diagnóstico foi bastante claro e bastou a observação médica. “O médico foi muito atencioso e tenho pena de já não me lembrar do nome dele”, refere Ângelo explicando que o especialista lhe terá dito de forma muito gentil e humana que sofria da mesma doença que o cantor Michael Jackson. “Não sentes dor, não tens qualquer tipo de problema. Só quando fores à praia é que tens de colocar bastante protetor solar de fator 50, pois a tua pele é mais sensível”, recorda as palavras do médico acrescentando que ainda dentro do consultório só pensava em ir jogar à bola com os amigos.

“Com 13 anos, via o mundo sem maldade e só queria brincar e fazer «asneiras» ”, justifica.

“Recebi desta forma a notícia que poderia mudar, e muito, a minha maneira de ser. Mas continuo igual a mim próprio sem medos e receios. Aliás, a parte pior disto tudo é que continuo sem saber fazer o Moonwalk (a eterna dança do Michael Jackson) ”, diz entre risos.


Para Ângelo Pereira o Vitiligo nunca foi um problema. No entanto, admite que muitos sofrem com a doença

No entanto, apesar da ligeireza com que encara o problema, Ângelo admite que muitos pacientes sofrem com o diagnóstico de uma doença que afeta a sua aparência.

“Existirá certamente casos em que as pessoas têm dificuldade em assumir a doença, sentindo-se rejeitadas pela sociedade e que esta possa levar inclusive ao suicídio”, afirma considerando que deveria existir um maior cuidado na abordagem do tema. E por isso, reforça a importância da existência de Associações como a Vitipor, constituída por doentes com vitiligo, que ajuda na divulgação desta patologia.

“Seria importante figuras públicas falarem deste tema, ou até o tema entrar numa novela… É que o olhar magoa e muito! Pelo menos é o tenho sentido em relação ao grupo do Facebook, onde a maioria está presa aos olhares. Eu como sou uma pessoa que meto sempre os outros à vontade, até me perguntam o que é e tento sempre informar o mais possível. Lá vem sempre o coitado do Michael Jackson à baila”, diz com humor.

O jovem mecânico afirma que o melhor tratamento para a doença é aproveitar a vida a sorrir.

“Não dou grande importância ao que me os outros me dizem. Respeito a opinião de cada um mas prefiro raciocinar sempre à minha maneira. Se tiver de ir à praia vou, se tiver de ir à piscina, vou. Basicamente faço o que me apetece”, afiança.

“Haverá sempre alguém a apontar o dedo, seja ao vitiligo, seja enquanto profissional, seja enquanto amigo. Nunca poderemos agradar a todos. Nós somos únicos…”, acrescenta afirmando que o vitiligo nem deveria ser considerado doença. “São apenas umas manchas (…) quantas pessoas estão acamadas em hospitais? No outro dia soube que o meu vizinho tinha cancro, e nós andamos preocupados com manchas?”, justifica.

Mas se a sua postura em relação a uma doença que ainda continua envolta em preconceito revela confiança e otimismo, a verdade é que nem todos os doentes conseguem aceitar a sua condição com a mesma facilidade.

Outros há que se escondem e que não aceitam a sua imagem quando se olham ao espelho. Marta Neto é o exemplo que contrasta com a alegria de viver de Ângelo. “Odeio ver-me ao espelho e possuo uma baixa autoestima”, revela.

Com um diagnóstico feito há mais de 20 anos (tinha 23 quando surgiram as primeiras manchas na mão esquerda), Marta revela que ficou abismada com a notícia. “Eu não sabia bem do que se tratava”.

Atualmente, garante que psicologicamente a doença mexe muito consigo e que tenta escondê-la o mais que pode. “Sinto-me diferente de tudo e todos. Não visto qualquer coisa com que não me sinta tapada”, admite. “Visto roupas para esconder e no verão uso autobronzeador”, revela admitindo que, tendo em conta que a extensão de pele afetada tem vindo a aumentar, esta tarefa é cada vez mais difícil. “Como agora tenho muitas manchas já fica difícil e além disso fico toda suja…”, lamenta.

Apesar de lidar pessimamente com a doença, Marta nunca procurou ajuda psicológica e admite já ter recorrido a diferentes opções terapêuticas sem que nenhuma surtisse efeito.

Sobre o impacto que a doença pode ter na vida de quem dele sofre, Marta reforça a necessidade de “de que a cada dia a diferença de peles deixe de fazer diferença" nas suas vidas. 

E Ângelo relembra que “a vida é sempre mais engraçada a cores e nós temos duas!” Viver, sorrir e amar são o principal conselho.

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Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
ShutterStock e Ângelo Pereira