Vencer o cancro na tiróide
Ao contrário do que acontece na grande maioria dos casos, o tumor de Vera não apresentou qualquer tipo de sintoma. E, foi numas análises de rotina que descobriu que tinha a doença.
“Eu nunca tive qualquer sintoma, por isso este diagnóstico caiu como uma bomba na minha vida. E eu tinha 24 anos…”, começa por contar.
Embora fosse seguida por um endocrinologista desde os 18 anos “por ter uma alteração nos níveis da tiróide”, nunca apresentou qualquer tipo de queixa e nada faria prever o desenvolvimento da doença.
“Eu fazia apenas uma medicação para controlar os níveis da tiróide… Aliás, era o único medicamento que eu tomava e todos os anos fazia análises para monitorizar o seu funcionamento”, recorda.
Licenciada em Ciências da Comunicação entrou para a Força Aérea em 2004. Um ano que nunca vai conseguir esquecer.
“Na altura, eu estava muito focada na parte profissional. Já tinha feito a recruta, superado algumas dificuldades, e estava a meio do curso de oficiais quando soube que alguma coisa não estava bem”, explica Vera.
Nesse ano, por indicação do médico, tinha deixado de tomar a medicação para a tiróide. “Não sei se teve alguma coisa a ver com isso ou não. Sei apenas que tinha deixado de tomar a medicação para ver como a tiróide reagia sem ela”, adianta revelando que, nas análises de rotina, que fez nessa altura, o médico percebeu que havia algo de errado.
“Eu estava na Ota, a meio do curso de oficiais, quando o meu médico ligou para a minha mãe a dizer que as análises tinham qualquer coisa fora do normal e que eu tinha de fazer um exame”, conta.
Sem nunca pensar no pior, Vera fez uma biopsia e soube que tinha um nódulo na tiróide.
“Lembro-me que o médico teve alguma dificuldade em dar-me a notícia e eu, que não tinha ligado nenhuma ao exame, comecei a ficar inquieta com o que ele me estava a dizer. Eu tinha um nódulo, com nove milímetros, que tinha de ser removido antes que crescesse demais”, recorda admitindo que assim que ouviu a palavra “nódulo” a associou de imediato a “cancro”.
Revoltada, chorou. E não quis aceitar. “Chorei de raiva. Eu só pensava: como é possível ser seguida há tantos anos e de repente isto acontecer?”
“Aí caiu-me o Mundo. Eu não fazia ideia do que me ia acontecer dali para a frente. Sabia apenas que tinha de ser operada o quanto antes”, diz.
De um lado inquietava-a a incerteza da sua recuperação, por outro revoltava-se por se ter dedicado tanto a um projeto profissional, de vida, que agora corria o risco de perder. “Foi um misto de emoções. Antes do diagnóstico eu estava super focada no curso. Queria terminar bem classificada. Era a minha prioridade. E depois veio o medo de não sobreviver, de passar por alguma complicação”, admite Vera.
“Honestamente, acho que foi a conversa com o cirurgião, para o qual fui imediatamente encaminhada, que me deu força para enfrentar tudo o que me estava a acontecer”, explica.
Vera quis saber tudo ao pormenor. Tudo o que ia ou podia acontecer. Queria garantias. Que ia ficar bem e que podia cumprir com os seus objetivos.
“Uma das coisas que o cirurgião me garantiu é que ia poder terminar o curso de oficiais antes da cirurgia e que, embora fosse essa uma das suas complicações, não iria ficar com a voz afetada”, revela.
Confiante de que estava em boas mãos, acabou por se focar na sua recuperação.
“A dada altura eu só queria que tudo passasse o mais rápido possível e, embora tenha tido alguns momentos de introspecção, mantive o pensamento positivo”, recorda a jovem.
“Tive medo, claro… Medo de perder voz. Para alguém da área da comunicação e que ia integrar um projeto de rádio, perder a voz era o pior que podia acontecer… Tive medo de não acordar ou de acordar a meio da cirurgia”, conta.
Na realidade, antes da cirurgia o “nervoso miudinho era tanto” que passou a tarde a dizer disparates. “Eu acabei por ser a última a ir para o bloco, por isso, passei a tarde toda a contar anedotas, a rir com o meu pai, a dizer disparate e a minha mãe, coitada, nervosíssima. Mas nós não conseguíamos parar”, relembra.
Vera foi operada cerca de um mês depois de ter recebido o diagnóstico. “Correu tudo bem e eu senti dentro de mim que eu ia ficar bem”, acrescenta.
Sem tiróide e paratiroides passou a tomar um fármaco de substituição destas glândulas, cálcio e vitamina D.
Um ano mais tarde fez um tratamento com iodo radioativo. “As células da tiróide alimentam-se de iodo. A radioatividade do iodo destrói as células cancerígenas”, explica acrescentado que esta foi, sem dúvida, uma das fases mais complicadas deste processo.
“Eu fiquei isolada num quarto durante os três dias de tratamento. O meu corpo expelia radioatividade e por isso ninguém podia ter contato comigo”, recorda.
“Depois de sair do IPO, e pelo período de 15 dias, não pude estar perto de grávidas, bebés ou crianças. E mesmo os adultos, só podiam estar, no máximo, duas horas no mesmo espaço que eu. A radioatividade presente no meu corpo podia provocar infertilidade nas outras pessoas”, justifica.
Desde esta altura, Vera é seguida no Instituto Português de Oncologia onde faz exames anuais para monitorizar o seu estado de saúde.
“Vou ser seguida para o resto da vida e também não vou poder deixar de tomar a medicação e os suplementos de cálcio ou vitamina D, mas estou aqui! Foi uma batalha dura mas eu venci!”, conclui.
Sobre o cancro da tiróide:
O carcinoma da tiróide é um tumor maligno relativamente raro, que afecta sobretudo o sexo feminino, numa relação de 4 mulheres para 1 homem.
Apesar da grande maioria dos nódulos da tiróide serem benignos, surgem anualmente, em Portugal, cerca de 400 novos casos de cancro da tiróide. E embora represente apenas 1% de todas as patologias oncológicas registadas no país, a sua incidência tem vindo a aumentar.
O cancro da tiróide é mais frequente nas pessoas que receberam algum tipo de radiação ao nível da cabeça, pescoço e tórax. E há, contudo, tratamentos eficazes para os nódulos malignos.
O prognóstico para os carcinomas papilar e folicular é de 95% de sobrevivência, após dez anos.
O primeiro sinal de cancro da tiróide é, habitualmente, uma saliência indolor no pescoço. Rouquidão, endurecimento e presença de gânglios aumentados no pescoço são outros sinais.
O diagnóstico é realizado por meio de uma citologia aspirativa, sendo sempre necessária a confirmação através da análise microscópica (histológica) do nódulo, após a cirurgia.