Uma questão de equilíbrio
Excepto algumas deformidades com desvios demasiado evidentes como algumas escolioses (figura1), durante muito tempo a patologia da coluna foi maioritariamente tratada de um modo segmentar. Ou seja, olhando sobretudo para a lesão principal, dando pouco relevo à globalidade. Claro que houve inúmeras exceções, sobretudo ligadas a escola Francesa mas só há pouco anos se globalizou a ideia de que em muitos casos a “doença” pode ser geral (ou pelo menos a sua repercussão) e o tratamento também.
Por exemplo se tratamos cirurgicamente uma fractura da coluna não estamos só à espera que esta consolide (que o “osso una”), que os deficits neurológicos não se instalem ou que aumentem (diminuição da força motora ou da sensibilidade), mas tentamos estabelecer o equilíbrio da coluna, quer no plano frontal (de frente) quer no plano sagital (de lado). (figura 2)
Figura 1 Figura 2
A patologia da coluna pode dividir-se de um modo nosologico em Deformidades (uma alteração na forma da coluna), patologia Tumoral, Inflamatória (Artrite reumatoide p.ex,), Traumática (fracturas) e Degenerativa.
Em todas elas se procura com o tratamento obter um bom equilíbrio final ou “balanço” da coluna.
Esta ideia de “balanço” partiu da comparação da coluna com um guindaste (figura 3). Para estar de pé o ser humano necessita que a projeção do seu centro de massa passe entre os pés e à frente dos calcanhares (figura 5). Para isso é necessário que as varias curvas da nossa coluna (cervical, dorsal, lombar e pélvis) se equilibrem e que esse peso seja contrabalançado pela força dos nossos músculos (figura 4).
Figura 3 Figura 4 Figura 5
Se uma curva se torna mais proeminente, por exemplo, por uma fratura ou por um colapso de um disco (figura 6), sofremos uma inclinação do corpo (habitualmente para diante). Torna-se assim necessário uma compensação para não nos desequilibramos (ou cairmos...). Esta pode ser um aumento da tensão muscular, uma rotação da pélvis para trás, a flexão dos joelhos ou em ultimo caso o recurso a um apoio como uma “canadiana” ou um andarilho.
Figura 6
No caso da figura 6, um exemplo de patologia degenerativa do disco foi necessário o recurso a cirurgia por falência do tratamento conservador. Quando atinge uma faixa etária mais jovem, está hoje aceite que existe uma base genética. Mas também o movimento diário, agravado pela a sua má execução, exposição a fenómenos de trepidação, a “carga diária” e, claro, o normal processo de envelhecimento celular, levam a uma alteração adaptativa das células que se vai traduzindo num “desgaste” com perda de elasticidade, “desidratação” e alteração da estrutura interna do disco condicionando a diminuição da sua flexibilidade e resistência.
Também a capacidade de reparação e regeneração das células se encontra limitada e por três fatores em particular: desde tenra idade os discos deixam de ser vascularizados e essa ausência de vasos limita o aporte de nutrientes e fatores de reparação, ao mesmo tempo que permite o acumular de substâncias da degradação celular (radicais livres). Sem vasos, os nutrientes têm de chegar ao disco através do prato vertebral mas este, com o tempo torna-se menos “permeável” a esse aporte. Além disso alguns os discos são “enormes” tornando-se difícil a chegada de nutrientes a alguns locais. A estrutura dos discos começa a degradar-se, fragmentando-se, colpasa, diminuindo em altura e sua parte interna, central dispersa-se, constituindo-se os prolapsos ou hérnias discais.
Qual então o tratamento? Diz-se que bons cirurgiões sabem como operar, melhores quando operar e os realmente bons quando não operar (BMJ,1999; 318:0). Cada caso é certamente particular.
Na falência do tratamento conservador (não cirúrgico) com dor major que não melhora, lesão das estruturas neurológicas ou agravamento progressivo desta (p.ex. da medula ou da raízes que vão constituir o nervo ciático) ou um desequilíbrio/ instabilidade da coluna podem necessitar de cirurgia. Esta consiste em remover a razão da dor e/ou da compressão neurológica, estabilizando a coluna. Mantendo o equilíbrio.
Deixo alguns exemplos.
Na figura 7 vemos dois métodos de tratamento de um processo degenerativo cervical com remoção do disco, libertação da compressão das estruturas neurológicas e estabilização com “cage” (espaçador que vai ocupar o espaço normal do disco) e placa fazendo a “fusão” (ligação óssea entre duas vértebras). No caso 8 um processo semelhante tratado por via anterior lombar.
Figura 7 Figura 8
No caso 9 vemos uma fratura da coluna não tratada com o progressivo colapso da vértebra que resultou num desvio cifótico (aumento da curvatura dorsal) e seu tratamento, com osteotomia da coluna, um processo cirúrgico em que se remove a parte posterior de um segmento da coluna e se comprime conseguindo o realinhamento.
Figura 9
O caso 10 reflete uma exuberante hérnia lombar extrusa e seu tratamento por via minimamente agressiva, sem causar instabilidade.
Figura 10
Finalmente, na figura 11, uma grave fratura de C6/C7 num paciente com Espondilite Anquilosante e seu tratamento com redução (colocar os “segmentos ósseos partidos” em posição regular) e fixação por placa cervical anterior e sistema de parafusos e barra postero-lateral.
Figura 11
O princípio cirúrgico esse, é sempre o mesmo. Tratar a lesão, recuperar rapidamente a função mantendo sempre a estabilidade da coluna vertebral, permitindo o retorno precoce a uma vida ativa.