Um terço dos casais com embriões congelados prefere doá-los à ciência
A investigação, realizada pela especialista em medicina da reprodução Margarida Silvestre, vai ser apresentada durante as Jornadas Internacionais de Estudos da Reprodução, que decorrem em Óbidos.
O objectivo do estudo foi avaliar a autonomia e responsabilidade nos casais que recorrem à Procriação Medicamente Assistida (PMA), nomeadamente ao nível do destino que estes dão aos embriões excedentários, os quais resultam dos tratamentos contra a infertilidade.
Em Portugal, segundo dados do Conselho Nacional de PMA, existiam, a 31 de Dezembro de 2013, 19.406 embriões criopreservados.
Para o estudo, foram enviados 932 questionários a 27 centros públicos e privados, dos quais foram respondidos 328 (35%) de 20 centros (74%).
De acordo com os resultados, 55% dos casais tencionam ainda transferir num futuro próximo os embriões que se encontram criopreservados, tendo para estes um projecto parental.
Muitos destes casais, esclarece Margarida Silvestre, ainda não estão no prazo-limite de ter que tomar uma decisão imediata sobre o destino dos seus embriões, preferindo prolongar a criopreservação, para que se mantenha a possibilidade destes virem a ser utilizados.
Segundo os resultados do estudo, mais de um terço (35%) dos inquiridos não tenciona transferir os embriões num futuro próximo.
Aos casais que não tencionam transferir os embriões criopreservados foram colocados quatro destinos alternativos: prolongamento da criopreservação, descongelação e eliminação dos embriões, a sua doação a outros casais ou a doação para investigação.
A autora ressalva que “estas soluções não são necessariamente uma escolha dos casais, mas sim uma obrigação legal, sendo que muitos deles prefeririam não ter que decidir sobre elas. Alguns dizem que é uma decisão particularmente difícil, que prefeririam não ter que tomar, e que os deixa desconfortáveis”.
Quase metade destes casais (47%) pretende doar os embriões para investigação. Destes, 90% tomou esta opção devido à sua “vontade de ajudar a ciência a avançar”.
Perto de um quarto (24%) dos casais que não têm projecto parental para os seus embriões pretende doá-los a outros casais e 23%opta pela sua destruição.
Como recorda a autora, a lei portuguesa determina que os casais submetidos a técnicas de PMA com criação de embriões in vitro são informados por escrito de que “todos os embriões viáveis não transferidos serão criopreservados”.
Os casais têm depois três anos para definir um destino para os embriões, pois, caso não o façam, estes serão destruídos no final desse prazo.
“Em situações pontuais, é possível solicitar a prorrogação deste prazo por até mais três anos, como em casos de doença da mulher, por exemplo”, disse.
Aquando da análise da capacidade de decisão dos participantes, a autora apurou que 25% dos participantes assumiram não terem sido capazes de tomar uma decisão até ao momento da resposta a este questionário.
Margarida Silvestre recorda que encontrou, no decorrer da sua investigação, registo de “embriões congelados desde 1999”.
Segundo a investigadora, conforme o tempo vai avançando, diminui o projecto reprodutivo e aumenta o número de casais que não pretendem transferir os embriões criopreservados.
Para Margarida Silvestre, os formulários de consentimento informado que os casais preenchem desde 2009, referindo o destino para os embriões excendentários que possam resultar dos tratamentos, foi “uma mais-valia” para estes.
“Os formulários ajudaram os casais a entender que esta é uma decisão que têm de tomar”, adianta.
Este estudo será em breve publicado no livro “Embriões excedentários – entre a técnica, a lei e a ética”, no qual a autora refere: “Os casais precisam de um médico que os esclareça, os estude e os trate, mas que seja simultaneamente um amigo que os ouça, os acompanhe e os apoie”.
“Num contexto social de diversidade cultural e moral, de contenção económica e com regulamentação e requisitos rigorosos para a prática da PMA, os casais inférteis têm que definir o seu caminho na procura do filho desejado e assumir as inerentes responsabilidades como pais e guardiões dos seus embriões criopreservados”, conclui Margarida Silvestre.