Um em cada 10 doentes em hemodiálise não tem rede de suporte
O estudo, realizado por um grupo de assistentes sociais, em coautoria com a investigadora Sónia Guadalupe do Instituto Superior Miguel Torga, adianta que quase 11% da população que faz hemodiálise não tem nenhuma rede de suporte.
A maioria (72,2%) tem como principal fonte de apoio a família, os amigos e os vizinhos. Um grupo restrito destes doentes com insuficiência renal crónica depende exclusivamente de uma rede de apoio formal.
O estudo, que envolveu 3.114 doentes em tratamento em 25 clínicas de hemodiálise de todo o país em 2016, indica que a maioria da população em hemodiálise é masculina, com mais de 65 anos, casada, com casa própria e tem baixos níveis de escolaridade e pouca literacia em saúde.
Há, no entanto, um grupo de doentes que apresenta indicadores que apontam para situações de vulnerabilidade social, refere o estudo, que pretendeu “conhecer a fundo” a população em hemodiálise, disse à agência Lusa Marta Olim, assistente social e uma das autoras do estudo, a par de Sónia Guadalupe do Instituto Superior Miguel Torga.
O estudo, publicado no National Kidney Foundation of Nephrology Social Work, salienta que a percentagem de doentes desempregados, que residem em habitações precárias, que vivem sozinhos ou em famílias monoparentais e de pacientes que foram deslocados dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) ou que não têm nenhum apoio informal ou formal é “altamente relevante”.
Entre os desempregados, destacavam-se os de longa duração, já sem benefícios sociais, o que se deve à dificuldade de encontrarem um trabalho compatível com as suas limitações e com os dias de tratamento.
Marta Olim adiantou que, tendo em conta que as dificuldades sociais têm um “impacto clínico determinante”, a investigação quis “perceber os perfis maioritários e minoritários” destes doentes para poder intervir “o melhor possível” junto desta população.
“Isso tem que ver com o conhecimento das suas famílias, dos seus recursos económicos e de como, por exemplo, vivem”, disse a investigadora.
Segundo o estudo, o primeiro a retratar esta realidade em Portugal, 10% dos doentes são oriundos dos PALOP (Países de Língua Oficial Portuguesa), maioritariamente de Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé.
Vêm para Portugal ao abrigo de acordos de saúde e chegam em “condições muito frágeis”, precisando de ser “muito apoiados e suportados”, disse Marta Olim.
Chegam com uma “fragilidade psicossocial enorme e com um desenraizamento muito significativo”, sustentou a assistente social, contando que vêm a pensar que a sua estada em Portugal é “muito temporária e a maior parte das vezes é para a vida toda”.
O facto de não terem apoios formais, de estarem deslocados do seu país, e as exigências do tratamento dificultam a criação laços sociais informais, o que os torna uma população vulnerável e um alvo especial para intervenções de assistência social, salienta o trabalho.
A maioria dos doentes (53,8%) tem o primeiro ciclo, mas ainda há muitos analfabetos (10,18%). Apenas 7% tinham o ensino superior.
São pessoas que “têm pouco acesso, pouca informação, pouca literacia em saúde” e recorrem aos serviços em situações “muito mais avançadas de doença”, disse Marta Olim, explicando que existe uma associação direta entre a baixa escolaridade, o acesso aos cuidados de saúde e o facto de entrarem em situações de doença crónica.
Também por isso há uma população maioritária de homens em diálise. “Esta é uma doença silenciosa e os homens culturalmente vão ao médico muito mais tarde, só quando a dor aperta, a mulher começa a ir mais cedo”, por exemplo na gravidez, em que se deteta diabetes e hipertensão, que são as duas grandes patologias que desencadeiam a doença crónica.
Para as autoras do estudo, o conhecimento do perfil sociológico destes doentes é decisivo para melhorar programas específicos de intervenção de serviço social, bem como medidas de política organizacional e social capazes de satisfazer as necessidades dos doentes e de promover o seu bem-estar individual e social.