Transplante de órgãos: uma história de sucesso da medicina Portuguesa
A transplantação de orgãos sólidos constitui uma das áreas mais desafiantes e, simultaneamente, de maior sucesso da medicina moderna. Portugal, também nesta área, esteve na “linha da frente” com Linhares Furtado (em Coimbra) e João Pena (em Lisboa) a iniciarem e a desenvolverem programas de transplantação renal desde o final da década de sessenta, do século passado.
A transplantação renal é a que predomina em quase todas as séries, quer de forma isolada, quer em transplante duplo (ex: pâncreas + rim ou fígado + rim).
Ao longo de quase cinco décadas, as equipas multidisciplinares de médicos portugueses (incluindo nefrologistas, cirurgiões, urologistas, gastrenterologistas, cardiologistas, pneumologistas, imunologistas, etc.) aprofundaram e otimizaram programas de transplantação de órgãos, que são hoje apontados como referência a nível mundial.
A transplantação de orgãos pode ser a única alternativa para manter a vida dum doente. A transplantação de orgãos sólidos constitui uma das áreas mais desafiantes e, simultaneamente, de maior sucesso da medicina moderna. (como acontece, por exemplo num transplante hepático, num transplante de coração ou num transplante de pulmão).
Pelo contrário, na transplantação de rim isolado ou de pâncreas + rim, o resultado da transplantação compara com as alternativas existentes para a manutenção da vida (hemodiálise, diálise peritoneal, insulina, etc). Por isso, nestes últimos, temos de ser ainda mais rigorosos na seleção dos candidatos, dos dadores, das terapêuticas e no despiste dos eventuais riscos, para que os benefícios ultrapassem claramente os riscos associados a qualquer grande cirurgia.
Os orgãos para transplante são um bem muito escasso e que deve ser tratado como tal, quer pela equipa terapêutica quer pelo doente transplantado. Importa salientar que o tempo de espera média por um transplante renal de dador cadáver é de três a quatro anos e que a sobrevida média de um enxerto renal é de 10 a 11 anos.
Por estes motivos, a pressão para a transplantação de orgãos sólidos tem sempre de ser balanceada com os verdadeiros ganhos em saúde e qualidade de vida para o transplantado.
Os novos fármacos imunossupressores permitem uma modulação da resposta imunitária, atuando de forma altamente seletiva, e protegendo o hospedeiro dum risco muito aumentado de infeções oportunistas e do desenvolvimento de tumores. Estes são os principais “espinhos” da atividade de transplantação.
O binómio entre o médico responsável pelo acompanhamento do transplantado nas fases pré, per e pós transplante e o hospedeiro constitui a unidade fundamental para a otimização da atividade de transplantação. Esta relação joga-se sempre, em temos terapêuticos, num equilíbrio instável entre a deficiente imunossupressão que pode conduzir à rejeição (aguda ou crónica) e o excesso de imunossupressão que se associa a um risco muito aumentado de infeções e de tumores.
Em 2015 realizaram-se, em Portugal, 485 transplantes renais (estando incluído neste total os transplantes duplos de rim e pâncreas e de rim e fígado). Este nº de transplantes renais corresponde a 46,7 por milhão de habitantes, o que está longe dos melhores anos da transplantação renal em Portugal, que foram 2009 e 2010 com 55,8 transplantes por milhão de habitantes. No entanto são números francamente melhores que os alcançados em 2012, nos quais se registou uma queda preocupante para 40,6 transplantes por milhão de habitantes, a qual foi justificada por importantes alterações organizacionais e de coordenação da atividade de transplantação, entretanto ultrapassadas.
Quando olhamos para a área específica da transplantação renal, o sucesso a longo prazo é uma evidência, como é ilustrado pelo facto de sermos o 12º país do mundo com mais transplantes renais realizados anualmente por milhão de habitantes e subirmos para o 2º lugar a nível mundial (apenas ultrapassados pela Noruega), no nº de transplantados vivos com enxerto renal funcionante, por milhão de habitantes. Este ressultado indica que os doentes transplantados renais portugueses têm uma sobrevida prolongada e um longo periodo com enxerto renal funcionante.
Portugal ocupa o 9º lugar no mundo na incidência (novos doentes / ano) de doentes com insuficiência renal crónica terminal (IRCT), isto é de doentes que para sobreviverem necessitam de fazer diálise (hemodiálise ou diálise peritoneal) ou de ser transplantados.
Subimos para o 5º lugar no mundo no que respeita à prevalência (nº total acumulado de doentes vivos) com estas características.
A esmagadora maioria dos doentes com IRCT, em Portugal, iniciam terapêutica substitutiva da função renal através de hemodiálise (89,5%). Cerca de 9,5% fazem-no através de diálise peritoneal.
Menos de 1% dos doentes foram diretamente transplantados (“pre-emptive”), sem passarem por uma das técnicas dialíticas. Só conseguiremos aumentar este número se fôr significativamente incrementada a dádiva de doação em vida.
Mesmo neste capítulo reconhecemos, com grande agrado, que a evolução tem sido muito positiva: embora os recetores prevalentes de dador vivo sejam de apenas 8%, os transplantados de dador vivo incidentes em 2015 já subiu para 12,8%.
Para respondermos às necessidades nacionais dos candidatos a transplantação renal, que neste momento têm de esperar, em média 4 a 5 anos por um enxerto renal, é necessário:
• aumentar as colheitas de dador cadáver, vencendo barreiras organizacionais, que parecem estar na origem de assimetrias acentuadas entre diferentes zonas do país.
• implantar um programa nacional de transplante renal com dador em "paragem cardio-respiratória", que apesar de já ter suporte legal para implementação, coloca enormes desafios organizacionais para os hospitais envolvidos.
• incentivar a dádiva em vida, recorrendo sempre que necessário, com mais frequência, à dádiva "cruzada" em pares de dador / recetor.
Na verdade, como dizia um slogan feliz da Sociedade Portuguesa de Transplantação, há alguns anos, a dádiva de um enxerto renal em vida, faz bem ao coração…