Culturas diferentes

Transição e adaptação dos estudantes dos PALOP no ensino superior em Coimbra

Atualizado: 
06/10/2015 - 16:29
Portugal constitui um dos principais países recetores de jovens estudantes provenientes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) – Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Inicialmente estes jovens vivenciam uma grande dificuldade de adaptação ao ensino superior devido à necessidade de integração numa cultura e num estilo de vida evidentemente distintas, com um sistema de ensino diferente daquele que conheceram anteriormente.

O novo paradigma, a relação pedagógica estabelecida entre professores e alunos, e a forma de avaliação, são também diferenciados dos países de origem. A esta situação acrescenta-se um sentimento de nostalgia, provocada pela desorientação e saudades de casa, que pode ser experienciada como um luto, e sempre acompanhada por uma maior vulnerabilidade às perturbações de humor.

Os primeiros sinais de alerta de depressão, ansiedade e ideação suicida, como respostas às novas exigências, a pressão académica e a reacção a novo espaço, surgem como dificuldades na mobilização dos seus recursos pessoais e na utilização de coping eficaz.

Em todo o mundo, o suicídio é a segunda principal causa de morte entre grupos com idade entre 15 e os 29 anos e a terceira em Africa (OMS, 2014).

A intervenção do enfermeiro é de enorme importância na prevenção do suicídio
A intervenção do enfermeiro de saúde mental e psiquiatria no processo de avaliar o risco de depressão e suicídio nos estudantes do ensino superior revela-se de enorme importância na identificação de sinais de alerta de depressão, do comportamento de risco suicidário e numa intervenção eficaz, enquanto tarefa imprescindível que pode salvar vidas. Exige do enfermeiro de saúde mental e psiquiatria o desenvolvimento de um conjunto de competências específicas, para melhorar a qualidade de observação, prevenção, deteção precoce do risco de suicídio e cuidados em geral, resultante da atualização e da formação contínua.

De acordo com o resultado do estudo desenvolvido por Varela (2015) em que participaram 250 estudantes inscritos no ano letivo 2013-2014, constatou-se, com a aplicação do Inventário da Depressão de Beck, a existência de estudantes com sintomatologia depressiva moderada e grave e com risco elevado de suicídio (aplicação do Questionário da Ideação Suicida), sendo as raparigas as mais afetadas.

Raparigas mais afetadas, rapazes melhor integrados
Os rapazes demonstram estarem mais satisfeitos com o suporte social e melhor integrados no ensino superior em Coimbra. Concluiu-se que a integração social destes estudantes não aumenta com o ano de curso, contudo melhoram os resultados académicos. Sendo o isolamento um fator de risco para o suicídio, torna-se importante desenvolver estratégias para aumentar a rede de suporte social tendo em conta a existência de estudantes que consideram a sua relação social baixa. Verificou-se ainda uma elevada taxa de reprovação no primeiro ano da frequência do curso, bem como estudantes com comprovada carência económica, em que efetuam menos de três refeições diárias.

Estes resultados obrigam- nos a uma reflecção crítica sobre a qualidade de vida dos imigrantes, face à situação da crise que assola o país, tendo em consideração a imigração como fator de vulnerabilidade para a doença mental.

Recomendações
Recomenda-se a criação de um gabinete de apoio que promova a estratégia de prevenção do suicídio de base populacional, e com foco no indivíduo.

As estruturas locais devem participar na definição do projeto, incluindo os conceitos dos sujeitos alvo, em especial as associações dos estudantes dos PALOP em Coimbra.

Os workshops, seminários e atividades multiculturais são exemplos do que cabe às instituições do ensino superior desenvolver no primeiro ano de contacto destes estudantes, como fator de integração a nível académico e extra universitário.

Bibliografia
WORLD HEALTH ORGANIZATION. – Preventing suicide: a global imperative.  Washington, DC: OPS, 2014. ISBN 978-92-4-156477-9
VARELA, M. D. – Avaliação de risco de depressão e suicídio em estudantes do PALOP no ensino superior em Coimbra (Tese de Mestrado). Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal, 2015.


Maria Dulce Varela
Nasceu no interior do Concelho de Santa Catarina, ilha de Santiago, Cabo Verde.
2001 – Curso de Enfermagem Geral – Escola de Enfermagem Manuel Olímpio, Cabo Verde.
Exerceu enfermagem em serviços de medicina, pediatria, maternidade, serviços de urgência (Adulto e Criança), no atualmente denominado Hospital Dr. Santa Rita, em Santa Catarina.
2010 – Licenciatura em Enfermagem pela Universidade de Cabo Verde.
2015 - Mestre em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria pela Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.
Membro ativo do Grupo de Apoio aos Doentes Evacuados, em tratamento no CHUC.
Sócia da Sociedade Portuguesa de Suicidologia.
Outras Formações:
2008 – Licenciatura em Engenharia Alimentar pela Universidade do Algarve

Nota: 
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