Técnicas de preservação de fertilidade em doentes oncológicos
Apesar do crescente número de novos casos de cancro registado todos os anos, nas últimas décadas tem-se assistido ao aumento das taxas de sobrevivência dos doentes oncológicos.
O diagnóstico precoce e as novas técnicas de tratamento têm contribuido, e muito, para o aumento da esperança média de vida destes doentes, assegurando ainda a promoção da qualidade de vida após a doença.
Neste contexto, e uma vez que se tem assistido ainda ao aumento de casos de cancro em idades mais jovens, a doença pode constituir uma ameaça quanto ao futuro reprodutivo dos doentes.
Embora a doença possa não afetar diretamente a função reprodutiva, excepto em casos muito particulares, alguns tratamentos oncológicos acabam por ter efeitos negativos sobre esta função.
“Os tratamentos quimioterápicos e, menos frequentemente, os radioterápicos ou cirúrgicos podem agredir as gónadas (ovários e testículos) e comprometer a produção dos gâmetas (ovócitos e espermatozóides). Em situações específicas, como os tumores testiculares ou os linfomas, a própria doença base pode comprometer a função gonodal”, começa por explicar Sérgio Soares, diretor da Clínica IVI Lisboa.
Por outro lado, tal como indica ainda o especialista, em algumas ocasiões, como é o caso do cancro de mama, os doentes “têm também, antes dos tratamentos, a reserva ovárica já mais baixa que o habitual para a idade”.
Deste modo, o principal recurso para a preservação do potencial reprodutivo é a criopreservação (‘congelação’) de ovócitos e do material seminal antes do início do tratamento oncológico.
De acordo com o diretor do IVI Lisboa, “é fundamental que as pessoas envolvidas na condução do problema oncológico, desde o seu primeiro momento, tenham a consciência da importância do tema da preservação do potencial reprodutivo e, nos casos indicados, façam a referenciação precoce do doente a um centro de procriação medicamente assistida”.
Não interferindo com o tratamento da doença oncológica, as técnicas de preservação de fertilidade devem ser iniciadas tão cedo quanto possível, sem nunca ser necessário adiar os tratamentos de combate à doença. “No caso masculino o procedimento é uma simples recolha seminal. No caso feminino, os protocolos da estimulação ovárica são específicos para pacientes oncológicos, e os níveis hormonais no final da estimulação são equivalentes àqueles que uma mulher em no seu ciclo natural”, justifica o especialista.
Quanto ao momento ideal para engravidar, Sérgio Soares revela que este deve ser “definido caso a caso e deve ser ponderado com o colega da oncologia que faz o seguimento do doente”.
A criopreservação de esperma
“A criopreservação de esperma consiste no armazenamento de uma amostra seminal a temperaturas de 196 graus negativos”, podendo ser mantida congelada por tempo indeterminado.
De acordo com Susana Alves, diretora do Laboratório de Andrologia do IVI Lisboa, “as recolhas de sémen são feitas através de masturbação e recomenda-se que sejam feitas pelo menos duas recolhas, uma vez que, durante o procedimento de criopreservação das amostras, existe uma queda na mobilidade dos espermatozóides que se mantém estável durante todo o tempo de armazenamento”.
É recomendado ainda um período de abstinência sexual e de ejaculação de dois a cinco dias, antes do procedimento.
Para segurança dos pacientes são solicitados alguns exames sorológicos, nomeadamente para despiste de doenças como o HIV, Hepatite ou Sífilis.
Antes de criopreservado, o produto seminal é alvo de uma avaliação. “Após cada recolha, o sémen será avaliado antes de congelação para verificar volume, pH, concentração de espermatozóides, mobilidade e morfologia espermática”, explica Susana Alves acrescentando que, depois do processo de congelação “uma pequena parte será descongelada para verificar a sobrevivência dos espermatozóides”.
Estima-se que cerca de 50 por cento do material seminal sobrevive ao procedimento e a sua capacidade de fertilização não sofre qualquer alteração.
A criopreservação de ovócitos
De acordo com Sofia Nunes, diretora do Laboratório de Fecundação in vitro do IVI Lisboa, “a congelação de óvulos consiste em preservar óvulos em nitrogénio líquido a 196 graus, usando uma técnica de esfriamento, podendo ficar armazenado por muitos anos”.
Para se proceder à recolha de ovócitos é necessária a estimulação ovárica “com recurso a injeções hormonais” para estimular a ovulação. “Este procedimento tem a duração de cerca de duas semanas. No caso das pacientes oncológicas os protocolos de estimulação são específicos”, explica a especialista acrescentando, no entanto, que “os níveis hormonais no final da estimulação são equivalentes àqueles que uma mulher tem no seu ciclo menstrual natural”.
“Quando os folículos atingem a quantidade e o tamanho adequados programa-se a punção folicular”, que consiste, tal como explica Sofia Nunes, “na aspiração dos folículos através da punção transvaginal guiada por ecografia, ligada a um sistema de aspiração com pressão controlada”.
Sendo realizado sob efeito de anestesia, este procedimento tem a duração de 15 minutos.
Após a recolha segue-se a congelação propriamente dita, sendo a vitrificação a “técnica mais adequada e com maior índice de sucesso”.
Calcula-se que a taxa de sobrevivência dos ovócitos ultrapasse os 80 por cento.
No caso de doentes hormono dependentes não existem dados que demonstrem que a estimulação ovárica traga qualquer prejuízo para a sua saúde. “Os estudos corroboram a ausência de impacto negativo dos tratamentos de preservação do potencial reprodutivo nos resultados dos tratamentos oncológicos que foram realizados exatamente nesse universo de doentes”, afirma a especialista.