“Sou uma pessoa optimista e cheia de sonhos”
Foi-nos proposta uma conversa motivadora e um discurso muito positivo de alguém que sofreu o infortúnio de lhe ter sido amputada uma perna, mas sem perder a vontade de caminhar com segurança e sempre em direcção a um futuro sorridente.
Cumpriu-se a proposta. O Atlas da Saúde falou com Paula Leite, mulher, mãe, cidadã portuguesa e presidente da Associação Nacional de Amputados. Confirmámos a boa disposição de Paula, mas também uma pessoa motivada, empreendedora e sobretudo lutadora. “Fui brutalmente atropelada por um automóvel, quando sinalizava uma avaria em plena faixa central. Marquei esse dia como o momento em que enfrentei a morte e, a partir daí, nada nem ninguém me podia fazer desistir de viver”, conta Paula Leite.
Esteve 18 dias em coma e descreve a dureza de como foi lidar com a sua nova condição, a de amputada. Questionou-se sobre tudo: “Porquê eu? O que fiz para merecer isto?”. Mas depressa percebeu que não valia de nada vitimizar-se, “não faria crescer a minha perna, nem mudaria em nada o que já tinha acontecido”, diz. A aceitação do novo “eu” foi a etapa seguinte, dura etapa, mas que sabia ser determinante para a sua felicidade. “Foi um processo lento, que durou alguns meses, mas, como em todas as perdas, é necessário enterrar o sucedido, fazer o luto e deixar, de uma vez por todas, de lamentar o sucedido. Eu tinha duas opções: esconder-me ou aceitar. Para ser feliz, aceitei”, descreve Paula Leite.
Durante muito tempo Paula Leite usou uma prótese que a fazia sangrar, lhe causava dor e que a obrigava a usar canadianas para suporte. A solução surgiu mais tarde com a amputação da perna acima do joelho. Com a prótese perfeita Paula voltou a sentir-se completa.
Apesar disso, a presidente lamenta que a sociedade ainda discrimine as pessoas com deficiência. “São vistas como humanos incapazes, inactivos e não produtivos. A pessoa com deficiência é vista como o resto de um todo”, diz.
Obstáculos e dificuldades
“A falta de sensibilidade por parte dos profissionais de saúde foi o primeiro e maior obstáculo” que Paula Leite vivenciou associada à “solidão e ausência de palavras de conforto e de esperança. Paula confessa que sentiu falta de apoio moral e psicológico, no próprio meio hospitalar. “Não tive alguém para me dizer que o mundo não tinha acabado e que, quando eu saísse do hospital usaria uma prótese e teria uma vida como antes da amputação”.
Ao fim de quatro meses de internamento Paula tem alta hospitalar e depara-se com outro tipo de dificuldade: as barreiras arquitectónicas. “Deparei-me com a falta de acessibilidades, com a dificuldade em subir e descer rampas ou escadarias muito íngremes. A falta de civismo e actos de cidadania eram uma constante no meu dia-a-dia. Os apoios técnicos limitados e as burocracias encontradas para resolver todos os problemas que a amputação me causou, foram, obviamente, obstáculos que encontrei no meu caminho”, refere.
Os apoios
Mas Paula é uma mulher determinada e a vida e a felicidade de estar viva foram as principais motivações para continuar a lutar contra as barreiras que foi encontrando. “O meu espírito foi o da determinação, o de provar a mim mesma que seria capaz de enfrentar qualquer desafio e qualquer obstáculo que se cruzasse no meu caminho”, assegura. A somar a esta determinação estava o suporte da família, dos amigos e do filho, o seu “grande pilar”: “foi ele que sempre me deu força e ânimo para continuar a ser o seu orgulho”. Também os profissionais de saúde que encontrou depois de seis anos de sofrimento foram um importante apoio para recuperar a qualidade de vida a autonomia. Houve mesmo uma época, passageira, que recorreu à ajuda psicológica para ultrapassar os maus momentos. Porém, conta, “sou uma pessoa optimista e cheia de sonhos, que acredita que as mudanças não acontecem por acaso. Sou tão optimista que acredito que um dia serei a primeira mulher a correr de prótese em Portugal e que todas as pessoas com membros amputados serão felizes como eu”.
Paula leite, a Presidente
A Associação Nacional de Amputados (ANAMP) é uma associação sem fins lucrativos criada em Dezembro de 2014 e que neste momento está na fase de angariação de sócios e de parceiros com vista à oferta de serviços específicos dirigidos aos amputados e familiares/amigos.
O objectivo da ANAMP é simples, tirar as pessoas amputadas de casa e mudar mentalidades, criando um colectivo de aceitação, não só social, como focada num objectivo “eu próprio me aceitar”. Romper barreiras, valores, desbravar caminhos para a felicidade, abrir horizontes e afirmar a qualidade de vida. O desafio é angariar sócios dispostos a lutar com a ANAMP ‘Por uma Vida mais Viva’.
O objectivo da criação da Associação foi o de “ajudar as pessoas amputadas a sair de casa, qualificar uma nova vida, acrescentando a ideia de qualidade nas novas etapas”, explica Paula Leite, acrescentando que, “as pessoas precisam saber que com membros amputados que a vida pode ser vivida da mesma forma, mas de uma maneira diferente”.
Por isso, a mensagem que Paula Leite pretende passar é de mudança: “temos de mudar os tempos e dar um novo rumo às mentalidades. Temos a garra, a força nas convicções que nos move. Estas são as nossas principais armas para ir à luta por esta mudança”.
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