Síndroma de Morte Súbita do Latente
A definição da síndrome de morte súbita do latente (SMSL) foi sofrendo alterações ao longo dos tempos, com o intuito de identificar critérios de diagnóstico mais preciso e aceites universalmente. Facto que ainda hoje permanece um desafio1 para a comunidade científica. Desta dificuldade em haver um conceito universalmente aceite, resulta uma incongruência dos certificados de óbito, na inclusão/exclusão inadequada de cada caso e na dificuldade em comparar dados estatístico1.
A primeira definição surge em 1969, pelo Dr. Bruce Beckwith e era definida como a “morte súbita de qualquer criança, inesperada atendendo à história, e cujo exame post-mortem não demonstra uma causa adequada para a mesma”1-7. Outras definições foram surgindo, sendo a mais consensual a que surgiu em 2003, pelo mesmo autor e que a definiu como sendo a “morte súbita de uma criança com menos de um ano de idade, durante o sono, e que permanece por explicar após uma investigação composta pela realização de uma autópsia completa, pela revisão das circunstâncias da morte e pela elaboração de uma histórica clínica”1-7.
Outra definição bastante utilizada foi a apresentada em 1989 pelo National Institute of Child Health and Human Development que a definiu como sendo a “morte súbita de uma criança com menos de um ano de idade, que se mantém inexplicável após a investigação do caso, incluindo uma autópsia completa, análise das circunstâncias da morte e uma revisão da história”1-7.
Diagnóstico
O diagnóstico é feito pela história clinica detalhada, investigação das circunstâncias da morte e uma autópsia completa que elimine outras causas. Morte que ocorre em crianças aparentemente saudáveis, com menos de um ano de idade e durante o sono.
Fatores de risco
Dos fatores de risco destacam-se a posição de dormir (posição ventral), até treze vezes mais; a idade, com maior incidência entre os dois e os quatro meses (90% dos casos)2; o sexo, mais comum no masculino (60%); a raça, mais frequente nos índios e negros no que na raça branca (1,5 a 2 vezes); a prematuridade e o baixo peso ao nascimento (3,5 vezes mais frequente em crianças com peso ao nascer abaixo de 1500 gr e 2,5 vezes em crianças com peso entre 1500 e 2500gr); o tabagismo durante e após a gravidez (três vezes mais), mesmo que deixe de fumar após o parto e sempre que ocorra uma morte por SMSL na família, existe a probabilidade de ocorrer nos futuros irmãos três a cinco vezes mais do que em outras crianças.
Outros estudos têm apresentado como estando associados à SMSL os seguintes fatores de risco: anomalias cerebrais do latente na utilização da serotonina, essencial para diminuir o dióxido de carbono e que estaria diminuída durante o sono; nível socioeconómico baixo; o consumo de álcool, sobretudo nos primeiros três meses de gravidez; mães adolescentes; parto pré-termo; APGAR reduzido; gravidez não vigiada; não serem alimentados por leite materno e não usar a chupeta.
Referir que a nível sezonal, ocorre com maior frequência no inverno4 e durante a noite.
Epidemiologia
Actualmente a SMSL é a primeira causa de mortalidade pós-neonatal nos países desenvolvidos2 e a terceira causa de morte na infância3. Nos países onde existem estudos as taxas de incidência variam entre 0,09% no Japão e 0,8% na Nova Zelândia2. Em Portugal, desconhece-se com precisão a incidência2, contudo parece variar entre 0,17% e 0,22%8.
Fisiopatologia
Apesar de enormes avanços na medicina nos últimos anos, permanece ainda hoje desconhecida a causa exata desta síndrome. Atualmente é unanime que a SMSL é de etiologia multifatorial e a hipótese do Triplo Risco tem sido a mais consensual para a explicar. É apresentada, resumidamente, como se segue5:
- Período crítico do desenvolvimento – primeiros seis meses de vida;
- Evento de stresse – posição prona para dormir; exposição ao fumo do tabaco; superfície macia para dormir; partilha da cama; sobreaquecimento da criança; entre outros;
- Vulnerabilidade subjacente – possível anormalidade do tronco cerebral ou uma mutação genética.
Quanto à posição ventral de dormir, a razão mais comum, parece estar associada com um sono mais profundo e um aumento do limiar do despertar. Outras hipóteses sugerem a inalação de CO2, a obstrução de vias aéreas superior e a menor capacidade de despertar em resposta a eventos nocivos (hipoxia e hipercapnia)6.
Prevenção
A partir da década oitenta do século passado, as diversas Academias de Pediatria, baseadas nos estudos que evidenciavam que a maioria dos óbitos ocorriam com as crianças a dormir em decúbito ventral, começaram diversas campanhas a aconselharem o decúbito dorsal até, pelo menos, aos seis meses. Apenas com estas campanhas os resultados foram impressionantes e a diminuição das mortes foi significativa.
Ao longo dos tempos a Associação Americana de Pediatria vem emitindo recomendação para prevenir a SMSL, sendo as últimas datadas de julho de 2018 e são, resumidamente, as seguintes7:
- Deitar a criança em posição de supina – posição que diminui o risco de aspiração aquando do refluxo gastroesofágico;
- Deitar a criança numa superfície (colchão) duro, coberto por um lençol justo, sem outro tipo de roupa de cama (almofadas, travesseiros ou protetores de berço) – evita que a criança sufoque ou fique inalando o mesmo ar;
- O aleitamento materno, se possível, é recomendado – pois trata-se de um fator protetor e deve ser realizado até os seis meses;
- A criança deve dormir no quarto dos pais, contudo noutra superfície;
- Oferecer chupeta na hora de dormir – estudos apontam como fator protetor;
- Evitar exposição ao fumo do tabaco, álcool e drogas elícitas durante e após a gestação;
- Evitar sobreaquecer e cobrir a cabeça da criança;
- As grávidas devem ter um acompanhamento adequado (protocolo);
- Evitar o uso de dispositivos comerciais que contenham inconsistências com as recomendações de sono seguro;
- Não usar monitores cardiorrespiratórios para reduzir o risco de morte súbita (não há evidência cientifica que o comprove);
- Nas consultas de Saúde Infantil, os profissionais de saúde devem aconselhar os pais/cuidadores destas recomendações, assim como os média devem seguir diretrizes de sono seguro nos suas publicidades;
- Manter pesquisas visando eliminar as mortes.
Ponto de situação em Portugal
Apesar de haver um esforço na divulgação das medidas da prevenção, nomeadamente pela Direção Geral de Saúde (DGS), no Boletim de Saúde Infantil e Juvenil e pela Sociedade Portuguesa de Pediatria (Secção de Neonatologia), não foram ainda desenvolvidas campanhas organizadas de sensibilização alargadas, à semelhança do ocorrido noutros países.
Este facto parece confirmado pelos poucos estudos nacionais que confirmam uma baixa adesão dos pais e dos profissionais às recomendações divulgadas pelas sociedades científicas relativamente à prevenção do SMSL.
Como referido, o maior fator preventivo é deitar a criança em posição dorsal. Contudo, os referidos estudos confirmam que apenas 19,7% das mães optavam por deitar a criança nessa posição9 e noutro estudo relativo aos profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) dos Cuidados de Saúde Primários e de Pediatria, apenas 3% e 28% respetivamente recomendavam deitar a criança em decúbito dorsal10. Num estudo mais recente (2015) 8,2% dos pais afirmam deitar a criança em decúbito dorsal, mas apenas 6,7% afirmavam optar sempre por essa posição11.
Estes resultados estão muito longe do que se pretende e que merecem alguma reflexão, pois as recomendações da DGS relativas à posição de deitar a criança já datam do início dos anos noventa.
Conclusão
Constata-se que a SMSL apesar de ser fatal pode ser prevenida. De todos os fatores de risco o dormir em posição ventral permanece o mais significativo. Assim, o simples aconselhamento do posicionamento do deitar da criança (posição dorsal) durante o sono tem um impacto importante na redução destas mortes, que pode ser ainda maior se atuarmos nos restantes fatores de risco, pois estes estão bem definidos.
Aqui é essencial melhorar os conhecimentos dos pais, só possível por uma maior sensibilização e consciencialização dos profissionais de saúde desta problemática, para estarem motivados nas orientações a darem aos pais.
Referências bibliográfica
1KROUS, HF (2010). Sudden unexpected death in infancy and the dilema of defining the infant death syndrome. Current Pediatric Reviews, 6: 5-12
2FERNADES, A [et al] (2012). Síndrome da morte súbita do lactente: o que sabem os pais. Acta Pediátr Port, 3 (2): 59-62
3MOON, RY & FU, L (2012). Sudden infant deadth syndrome: na update. Pediatrics in review/American Academy of Pediatrics, 33 (7): 314-20
4OLANREWAJU, O & MOON YR (2008). Sudden infant death syndrome: a review of literature. Current Pedietrics Reviews, 17 (4): 31-39
5FERNANDES, P [et al.] (2012). Síndrome da morte súbita do latente: o que sabem os pais? Acta Pediátrica Portuguesa. 43(2); 4
6HORNE, R; PARSLOW, P & HARDING, R (2004). Respiratory control and arousal in sleeping infants. Paediatric Respiratory Review. 5(3): 190-198
7American Academy of Pediatrics (2018). SIDS and other sleep-related infant death: update 2016 recommendations for a safe infant slleping environement.
8GARCIA, FE; SILVA, MM & MIRAVALLES, MIM (2014). Síndrome de la muerte súbita del lactente. CorSalud. 6 (Supl. 1): 90-95
9REMOALDO, PCA (2000). Comportamentos preventivos dos pais relacionados com o sindrome de morte súbita do lactente. Saúse Infantil. 22: 19-22
10FERREIRA, MC; GOMES, A; PINTO, E & MARQUES, R (2004). Sindrome da morte súbita do lactente. Saúde Infantil. 26: 13-22
11AZEVEDO, L; MOTA, L & MACHADO, AI (2015). Ambiente de sono seguro no primeiro ano de vida. Nascer e crescer. XXIV(1): 18-23