Remoção de impurezas de droga caseira pode levar à criação de fármacos para dor
Ao purificar a droga 'krokodil', uma substância "corrosiva, cáustica e muito aditiva", esta pode atuar no tratamento da dor de múltipla natureza, como é o caso do enfarte agudo do miocárdio, doentes com cancro em fase terminal, situações de queimadura ou pós-operatório, explicou à Lusa o investigador da Cooperativa de Ensino Superior, Politécnico e Universitário (CESPU), Ricardo Dinis-Oliveira.
Os efeitos nefastos da 'krokodil' são considerados "mais fortes e rápidos" do que os associados à heroína, levando ao aparecimento de úlceras, necroses (degeneração de um tecido pela morte das suas células), flebites (inflamações nas paredes das veias), gangrena, alterações na pressão sanguínea e na funções cardíaca, renal e hepática, lesões neurológicas (como alucinações, perda das capacidades cognitivas e da memória) e amputação dos membros dos utilizadores.
Segundo indica o toxicologista, a ideia de estudar os possíveis efeitos benéficos desta substância surgiu a partir de uma primeira linha de investigação, resultante de uma parceira entre a CESPU e as faculdades de Farmácia e de Medicina da Universidade do Porto.
Esse primeiro estudo visava compreender melhor a droga, "que se está a alastrar pela Europa" e é a " mistura estupefaciente mais tóxica de que se tem conhecimento", resultando na criação de métodos para a deteção da substância no sangue, na urina e nos órgãos dos utilizadores.
Após explorarem em detalhe a composição química do 'krokodil', os investigadores depararam com várias substâncias que, pelo facto de serem semelhantes à morfina, "podem ser também excelentes ferramentas terapêuticas para a dor, sobretudo quando os tratamentos clássicos deixam de ter eficácia", explicou o também presidente da Associação Portuguesa de Ciências Forenses.
Durante a análise da composição dessa substância, a equipa percebeu assim que, se remover as suas impurezas, podem produzir um produto "muito mais puro" e com "um enorme poder analgésico".
"O que é também interessante é que vários dos compostos semelhantes à morfina detetados na droga são, até à data, totalmente desconhecidos, embora detenham uma grande potencialidade terapêutica", indicou.
Segundo Ricardo Dinis-Oliveira, esta descoberta pode revolucionar o conhecimento que se tem do tratamento da dor, aumentando as alternativas dos médicos para controlar esse sintoma.
"Os toxicodependentes - e simultaneamente os produtores do 'krokodil' - poderão ter criado, mesmo que de forma totalmente casual, um arsenal terapêutico da dor, até à data verdadeiramente incomparável", afirmou.
De acordo com o investigador, já foi iniciado um segundo projeto, "exclusivamente focado no estudo daquela que se pode chamar a parte boa do 'krokodil'".
A etapa seguinte passa pela "purificação da droga", de forma para remover as impurezas, e ao estudo, em modelos celulares e em animais, para descobrir quais das dezenas de compostos podem ter maior benefício terapêutico, acrescentou.
A provar-se esta teoria, Ricardo Dinis-Oliveira prevê que o desenvolvimento de fármacos com este produto purificado (em formato de comprimidos, medicamentos injetáveis, xaropes ou pensos transdérmicos) demore, aproximadamente, uma década.
Para além dos investigadores portugueses, a equipa que vai dar seguimento ao projeto é composta por cientistas da Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro (Brasil), da República Checa, da Geórgia e da Holanda.
A "krokodil", os métodos desenvolvidos para a sua deteção e este novo estudo são exemplos de temas estão em debate, hoje e sexta-feira, nas Jornadas Científicas da CESPU e no II Congresso da Associação Portuguesa de Ciências Forenses, que decorrem na Alfândega do Porto.