Reabilitar agressores e previnir reincidência de crimes sexuais
“Actualmente são acompanhados seis indivíduos, dois dos quais iniciaram em 2012. No ano de 2013 foram acompanhados três indivíduos em São Miguel, um no Pico e dois nas Flores”, disse o psicólogo José Belicha, do Centro de Terapia Familiar e Intervenção Sistémica.
O Programa de Reabilitação para Agressores Sexuais de Crianças e Jovens, que arrancou em 2012, insere-se na Estratégia Regional de Prevenção e Combate ao Abuso Sexual de Crianças e Jovens. Conta com a participação de várias entidades, como o Ministério Público, a Polícia Judiciária, a Direcção Regional da Solidariedade Social, a Direcção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, o Centro de Terapia Familiar e Intervenção Sistémica, a Universidade de Coimbra e o Instituto de Segurança Social dos Açores.
Os casos são encaminhados para o programa pela Direcção Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais na sequência de condenações judiciais. A intervenção passa, numa primeira fase, pela avaliação e, posteriormente, o acompanhamento psicológico dos condenados por abuso sexual ou violação, que se encontrem em regime de pena suspensa ou em suspensão provisória do processo-crime.
As consultas individuais visam "essencialmente o ajustamento emocional e a reestruturação cognitiva através da modificação de crenças associadas à sexualidade, o desenvolvimento de aptidões pessoais e relacionais para a intimidade, o controlo dos impulsos e a empatia com a vítima”. Em paralelo, é feito "um trabalho psicoeducativo junto dos agressores sobre a legalidade dos seus actos", disse o psicólogo José Belicha, lembrando que nalguns casos é também tido em conta que estes agressores sofrerem de outras patologias, como "o abuso de substâncias, défice cognitivo ou perturbações da personalidade”.
O intervalo de idades dos homens acompanhados pelo programa varia entre os 18 e os 70 anos, sendo a média de idades próxima dos 30 anos, segundo o psicólogo, que indicou que "existe uma prevalência de crimes de abuso sexual" sobre os de violação.
A explicação "residirá na natureza do crime per se”, se se levar em consideração que, “na maioria das situações em acompanhamento psicológico, o agressor não recorre à força física, nem existe premeditação do acto”.
“Nestes casos, o abuso sexual surge frequentemente em contextos de relacionamentos amorosos consentidos por parte da vítima, em que existe um diferencial muito significativo entre a idade do agressor e a idade da vítima com enquadramento penal", afirmou. "Este comportamento não é percepcionado como crime e assenta numa distorção baseada em valores individuais e culturais que a presente intervenção visa reestruturar", explicou ainda.
Para o psicólogo, já é possível verificar “alguns ganhos” com a intervenção, nomeadamente, "a modificação de comportamentos, a alteração de crenças culturais enraizadas que desvalorizam o abuso sexual, a inserção profissional, a abstinência do consumo de estupefacientes" ou "até a consciencialização para este tipo de crime por parte de alguns agressores com limitações cognitivas".
Quanto ao aumento das detenções por abuso sexual de menores nos Açores, José Belicha relaciona-o com “uma maior consciencialização" para denunciar, mas afirmou que este tipo de crimes geralmente é praticado "no silêncio, no seio da família ou assente nas relações de proximidade entre abusadores e vítimas, o que, muitas vezes, ainda encobre esta problemática".
“Creio que há um ‘antes’ e um ‘após’ o processo Casa Pia. A problemática do abuso sexual a crianças e jovens adquiriu outro impacto na sociedade portuguesa. A mediatização da problemática terá contribuído, ainda que lentamente, para a alteração de crenças e comportamentos aqui nos Açores, o que se traduz num aumento do número de denúncias efectuadas junto das autoridades”, sustentou.
A Estratégia Regional de Prevenção e Combate ao Abuso Sexual de Crianças e Jovens abrange também a intervenção junto das vítimas de abuso e famílias, acompanhando este ano 23 pessoas na ilha de São Miguel.