Na primeira pessoa

Quando o cancro da mama não leva a melhor

Atualizado: 
28/06/2019 - 12:00
Tinha acabado de fazer 33 anos e tinha, ainda, tantos sonhos por sonhar quando o médico lhe pediu para se preparar para o pior. Vera Ferreira chorou, gritou, zangou-se com Deus naquele inicio de Outubro. Tinha cancro! Mas arregaçou as mangas e, como não se cansa de dizer, fez “o que tinha de ser feito”. Encarou-o de frente e não o deixou vencer. Alguns anos depois garante que o cancro lhe deu a oportunidade de pôr em prática a sua filosofia de vida – “Aceito, confio, entrego e agradeço!”

Foi num momento de intimidade que o companheiro de Vera, como a própria explica, detetou a presença de um nódulo na mama esquerda. “Desvalorizei. Achei tratar-se de um quisto que é comum aparecer no período pré-menstrual”, recorda. E deixou passar!

Na realidade, deixou passar a menstruação e rapidamente percebeu que o nódulo não tinha desaparecido e tinha ficado maior.

“Consultei o meu ginecologista que me fez uma biopsia no dia seguinte. Quatro dias depois tinha o resultado: um tumor muito agressivo que já estava com seis centímetros e metástases na axila”, revela explicando que este era um tipo de cancro “particularmente agressivo, conhecido por HER2 positivo, não hormonal”.

O diagnóstico chegou-lhe pela voz do primo, médico na área da oncologia. “Sei que foi duríssimo para ele ser o portador desta notícia, mas acho que tive muita sorte porque recebi o diagnóstico em casa junto da minha família, da boca de quem me ama”, afirma Vera.

“Sendo o meu primo médico da área da oncologia, tive logo a oportunidade de esclarecer algumas dúvidas”, acrescenta.

“Mas no dia seguinte tive de ir ao meu ginecologista…esta consulta foi desastrosa”, recorda.

A verdade é que, Vera ainda hoje lamenta a forma como o seu próprio médico lidou com o seu cancro. “A frieza com que ele falou do meu diagnóstico foi cruel. Com meia dúzia de palavras ditou o meu fim. Foi como se aos olhos dele eu não tivesse a possibilidade de sair disto”, explica.

“Lembro-me como se fosse hoje! Estava sentada com a minha mãe do meu lado esquerdo e o meu companheiro do lado direito. As minhas mãos seguravam as deles com toda a minha força”, diz.

Saiu da consulta desfeita. Pensou que tinham trocado os exames. Não conseguiu, à primeira, aceitar aquele cancro.

“Eu sentia-me tão bem, como é que podia estar a morrer?”, pensou. Mas, quando caiu em si, percebeu que teria de escolher como viver o desfecho da doença.

“Senti que eu é que iria escolher de que lado cairia a moeda (entre a vida ou a morte). Eu escolhi viver e sabia exatamente o que precisava fazer para dar a volta a isto”, recorda.

Ainda assim não esconde a inquietação com que viveu os primeiros momentos desta nova realidade. “Chorei, zanguei-me com Deus, deixei sair tudo”, confessa. “O que fiz para ter um cancro?”, questionou na altura.

Até que sentiu que tinha de fazer o que tinha de ser feito. Quis saber tudo. Tudo sobre a doença, sobre o que lhe estava a acontecer. “A primeira coisa que pedi ao meu primo, pais e companheiro foi que nunca me escondessem nada. Queria saber sempre a verdade. Ter a informação do nosso lado dá-nos um poder tremendo e eu precisava desse poder para conseguir fazer as escolhas mais adequadas”, explica.

Pediu que respeitassem as suas opções. E o facto de praticar, estudar e ensinar yoga e meditação fez com que, naturalmente, procurasse outras práticas que podiam complementar os tratamentos. “Sabia que o facto de optar por terapias ditas alternativas podia deixar os meus familiares preocupados”, refere.

“O meu primo alertou-me que, devido à agressividade do tumor, não poderia escapar aos tratamentos convencionais e que seriam muito duros. Na verdade nunca pensei em não fazer quimioterapia, mas optei por caminhar em paralelo com terapias orientais. No dia do diagnóstico tracei logo o meu plano e partilhei-o com os que estavam comigo – ajustar a alimentação e seguir a via macrobiótica, fazer acupunctura, explorar a psicoterapia transpessoal e continuar as minhas práticas de Yoga e meditação. Explorei outras abordagens, foi um período fértil em experiências”, diz.

Vera fez oito ciclos de quimioterapia, duas cirurgias, 30 sessões de radioterapia e 18 sessões de trastuzumab. Foram 16 meses “barra pesada” como a própria refere.

“Comecei em Outubro de 2013 e terminei em Janeiro deste ano, sendo que agora estou em fase de reconstrução de mama”, conta.

Recorda que, apesar do sucesso dos tratamentos – ao fim de três ciclos de quimioterapia já não sentia o tumor -, este foi um processo extremamente duro.

“No meu caso a quimioterapia usada foi mais invasiva. Havia alturas em que parecia que me tinham arrancado a alma do corpo. Tive dias em que até respirar custava”, recorda.

Vera ficou com feridas na boca. Não conseguia comer. Tinha febres altas e dores por todo o corpo, “tudo resultado dos fármacos usados na quimioterapia”.

“Houve momentos em que pensei que não fosse aguentar”, admite apesar de nunca ter pensado em desistir.

Parte da sua força e da forma extraordinária com que olha a vida deve-a aos seus. “Tenho a sorte de ter uns pais, um irmão, um companheiro e uns amigos fora do comum”, diz genuinamente agradecida.

“E o Yoga teve, e terá sempre, um papel muito importante… Percebes que tu não és a dor do corpo e passas ao papel de observador. Fica tudo mais fácil. Se não fosse o Yoga tenho a certeza que o corpo, mas sobretudo a alma, não teria aguentado tão bem”, acrescenta com segurança.

“Por causa do Yoga e da meditação que estudo, ensino e pratico há alguns anos, foi muito mais fácil aceitar o cancro e ver nele uma oportunidade. Faz parte da minha maneira de viver orientar-me sempre para o lado luminoso e construtivo, mas isso é algo que pode ser trabalhado com técnicas que usamos nas práticas de Yoga. A pergunta não é “porquê comigo”, mas “o que posso fazer com isto?”. É um caminho que pode ser percorrido por qualquer um. Na verdade trata-se de escolher”, explica Vera.

“Há uma frase do professor Hérmogenes que serve de mantra para a minha vida: Aceito, confio, entrego e agradeço. Não é fácil, mas uma vez que se consiga sentir o significado destas palavras entra-se num processo de rendição e aceitação que fortalece muito”, garante.

“O cancro só veio dar-me a oportunidade de por em prática a filosofia em que acredito. Existirá algum desafio maior do que a aceitação da morte? Nesse sentido acho que sou uma privilegiada. A Vida ficou com cores muito mais vivas e poucas são as coisas que me abalam”, confessa.

Por tudo isto acalenta o sonho de levar o Yoga e a meditação a unidades oncológicas hospitalares. “Sei que ajudará outras pessoas. Existem diversos estudos que comprovam os benefícios de práticas meditativas, tanto no controlo da dor quanto na gestão de stress que todas as doenças acarretam”, justifica.

Como consequência dos tratamentos, Vera poderia vir a sofrer de uma menopausa precoce e infertilidade. “Da primeira acho que já me livrei, da segunda ainda não sei, mas acredito que serei mãe um dia. Conseguir ser mãe vai ser a maior das vitórias”, diz emocionada.

Em jeito de conclusão, Vera recorda a página de facebook que criou um dia antes de começar a quimioterapia – Cancro é Vida (https://www.facebook.com/Cancro-é-Vida-201509020040382/)

“Achei que me iria ajudar a falar do cancro sem o peso que habitualmente atribuímos a esta palavra. Partilhar uma forma menos convencional de viver estes processos foi, e ainda é, uma tentativa de não me sentir sozinha”, refere.

E garante que já ganhou tanto com projetos criados por outras mulheres que também tiveram cancro que “o mínimo que podia fazer era dar o meu contributo de forma a honrar o percurso feito por tantas nós. Ser inspirada e inspirar. Dar e receber”.

“A palavra cancro assusta, mas não precisa de ser uma sentença de morte. Cancro pode ser Vida. Confiem, vai correr tudo bem”, conclui.

Conheça um pouco melhor a Vera e o seu trabalho - http://veraferreirayoga.com

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro e/ou Farmacêutico.