Publicação de estudo sobre medicina tradicional portuguesa
Aurélio Lopes disse que o seu estudo, “Ritual e magia nas terapias populares – a ciência da crença e a crença da ciência”, partiu de uma edição do espólio de Michel Giacometti (“Artes de cura e espanta males”), do Instituto de Estudos de Literatura Tradicional e Património Imaterial (IELT) da Universidade Nova de Lisboa, que lhe permitiu o acesso “a alguns milhares de registos”, a que juntou dados de outras proveniências e trabalho de campo que realizou no Ribatejo.
O estudo, disse, “versa as lógicas subjacentes das práticas de medicina popular (ontem e hoje), as suas razões de ser, configurações e explicações”, numa “concepção do mundo holística, empírica e analógica”.
Aurélio Lopes procurou descortinar as “maneiras de pensar”, a linguagem, os rituais, o porquê do uso de determinadas plantas, do que está para além da eficácia da cura, ou seja, “as analogias, as configurações, o entendimento do mundo, a noção cíclica do Mundo”.
Uma das questões que se colocou foi por que razão as pessoas continuam hoje a procurar o “curandeiro”, visto como “um membro da comunidade” a que se vai “porque alguém recomenda e lhe reconhece competências também transcendentais”.
Ao contrário do médico, a medicina tradicional usa a “sugestão”, pelo que o “curandeiro” tem que “se interessar pelo doente, criar empatia”, disse.
Exige uma “perspicácia empírica”, sublinhou, referindo que, se a doença não passa, “nunca a culpa é do curandeiro. Ou é vontade de Deus ou a culpa é do paciente”.
A confiança no médico é condicionada pela relação que este estabelece com o doente. Se este “não gostar do médico, não só não acredita nele como não acredita nos medicamentos que ele receita”, afirmou.
“O famoso placebo é o que o curandeiro faz há milénios”, disse, realçando que a medicina popular beneficia também de “experiências milenares que se sabe que resultam”.
Aurélio Lopes referiu o facto de outras culturas terem mantido “aspectos essenciais da existência do ritual”, ao contrário da cultura ocidental, marcadamente técnica e científica, quase reduzida à prescrição e “sem muita paciência para aturar” o doente.
O seu trabalho procurou olhar a “lógica funcional da medicina tradicional”, as semelhanças práticas com a medicina científica e até que ponto é importante a relação empática com o doente, já presente na moderna medicina humanista.
A medicina tradicional, ao contrário da convencional, tem muito presente a importância de o paciente participar no acto de cura – muitas vezes o mal é psicossomático –, e da noção de que o indivíduo deve ser visto como um todo e não como um conjunto de sintomas.
São “comportamentos e estratégias que os curandeiros desenvolvem há milénios (e explicam as suas persistências), tão visíveis na tradição portuguesa, e que a medicina científica (imersa numa lógica quase estritamente tecnológica) só agora está a descobrir”, disse.
Aurélio Lopes é autor de livros como “Religião Popular do Ribatejo” (1995), “Videntes e Confidentes” (2009), um estudo sobre as aparições de Fátima, e “Anátema, devoção e poder - a santa da Ladeira” (2014), que resultou da sua tese de doutoramento.