Preservar a dignidade e autoestima do doente de Alzheimer
A doença de Alzheimer é o tipo de demência mais comum, estimando-se que afete entre 50 a 70 por cento de todos os casos.
Sendo um tipo de demência que provoca uma deteriorização progressiva e irreversível de múltiplas funções cognitivas, como a memória, pensamento ou concentração, que, além de levar a alterações no comportamento, na personalidade e na capacidade funcional da pessoa, dificultando a realização das suas atividades de vida diária, implica ainda “alterações significativas ao nível da comunicação em todos os domínios – expressão e compreensão”.
De acordo com o especialista em enfermagem, Carlos Sequeira, estas alterações variam de pessoa para pessoa e acompanham a evolução da doença tornando-se “progressivamente mais significativas”.
“As primeiras alterações estão muito associadas à perda de memória, pelo que as pessoas revelam dificuldades em encontrar determinadas palavras ou em compreender o seu significado”, começa por explicar o professor.
Com a progressão da doença, o doente vai perdendo a capacidade de leitura e da escrita “e as alterações da linguagem vão-se tornando mais significativas”. Com o tempo vai sendo cada vez mais dificil manter uma conversa e vai-se perdendo a capacidade de expressar as emoções.
“Dizem frases sem sentido, repetem as mesmas frases ou expressões, muitas vezes interrompem os outros quando falam, falam mais alto, dizem “palavrões”, podem insultar os familiares, fazem afirmações sem fundamento”, exemplifica Carlos Sequeira.
Como consequência, estas alterações afetam não só a sua relação com os familiares e cuidadores “em virtude de ser mais díficil a manutenção da comunicação de acordo com o “normal” de uma interação social”, como dificultam a avaliação dos profissionais de saúde, “uma vez que as dificuldades de expressão e compreensão, por vezes, não permitem ter acesso aos sentimentos e pensamentos da pessoa” e dificultam a transmissão das informações, na medida em que a compreensão do doente se encontra limitada.
A nível familiar, a situação é mais “grave”. “A comunicação com os familiares é mais díficil, porque a sua maioria não tem conhecimentos específicos que lhe permita minimizar os problemas de comunicação do familiar”, revela o professor Carlos Sequeira.
Esta situação leva a que, muitas vezes, os familiares se afastem. “Em muitas situações, os familiares evitam estabelecer interação e isso é prejudicial para a pessoa com a doença de Alzheimer”, revela acrescentando que esta relação acaba comprometida. “Por isso, é fundamental fazer formação aos familiares e aos profissionais de saúde sobre estratégias de comunicação que devem privilegiar – o que dizer, o que não dizer, como dizer”.
Na realidade, uma comunicação inadequada pode agravar as manifestações do doente e facilitar a progressão da doença.
Do lado cuidador, os prejuizos também são vários, sobretudo no que diz respeito à relação de prestação de cuidados, sofrendo uma sobrecarga, uma vez que “tem mais dificuldades em cuidar e receber feed back dos cuidados prestados”.
“Uma comunicação adequada é muito importante para a pessoa com Alzheimer pois esta continua a ter sentimentos e emoções, apesar da sua dificuldade em expressar-se. Preservar a autoestima e dignidade de um doente com Alzheimer é fundamental”, afirma.
“A doença já penaliza suficientemente a pessoa, pelo que não devem ser o profissionais de saúde ou os familiares a aumentarem o seu sofrimento”, acrescenta Carlos Sequeira referindo que existem pequenas estratégias de comunicação que fazem toda a diferença no momento em que se comunica com o doente.
“Os elementos chave da comunicação são o interesse, a disponibilidade, o respeito e a adequação da comunicação à deteriorização da pessoa com Alzheimer”, refere adiantando que o doente necessita comunicar e, sobretudo, sentir-se acarinhado.
Deste modo, o especialista afirma que se deve preparar o contexto e o conteúdo comunicativo eliminando “ao máximo” os ruídos externos, privilegiando um ambiente calmo e utilizando uma linguagem simples e o "mais familiar para a pessoa".
“Falar devagar, evitar a infantilização e dar tempo para a pessoa responder são estratégias fundamentais que melhoram todo o processo de comunicação com o doente de Alzheimer”, afirma.
Por outro lado, a utilização da linguagem não verbal, “mais efetiva e afetiva que a verbal” tem especial importância ao longo deste processo.
“A comunicação não verbal é fundamental em qualquer relação. Neste contexto, assume uma maior relevância pois pode ser um elemento facilitador da interação”, adianta. “O toque, o sorriso, a expressão facial são fundamentais e permitem à pessoa uma melhor compreensão e envolvimento. Muitas vezes, o estar junto, o tocar ou segurar a mão é mais significativo do que muitas palavras”, justifica o especialista.
“Falar alto com a pessoa, repreendê-la constantemente, estar sempre a corrigi-la, discutir com a pessoa por não ser capaz de dizer as coisas corretamente, ter expressões pejorativas” são erros a evitar nesta relação.
“Atualmente, existe muita informação em livros, em sites (Associação Alzheimer) e em estudos que podem servir de guias orientadores para os profissionais de saúde saberem o que dizer, o que não dizer e como o dizer, através da comunicação verbal e não verbal”, refere Carlos Sequeira reafirmando que o doente “tem o direito de receber cuidados de qualidade suportados numa comunicação adequada às suas limitações e condições de saúde, de modo a que se sinta melhor e com mais dignidade”.
O livro “Comunicação Clínica e Relação de Ajuda”, que conta com a coordenação deste especialista, é um guia orientador para todos os profissionais da área da saúde que pretendam melhorar as suas competências de comunicação, e onde todos podem aprender mais sobre este tema.