Premiado projeto que facilita acesso dos emigrantes aos serviços de saúde
Cristiano Figueiredo, atualmente médico interno na USF Ribeirinha, do Centro de Saúde do Barreiro, foi distinguido com o Prémio Hippokrates 2015, atribuído no início deste ano, pelo intercâmbio junto do colega Vikesh Sharma em Lambeth, no sul de Londres.
"Foi considerado diferente e o melhor estágio de 2015 porque não se limitou a observação, mas foi ativo e interventivo", justificou Figueiredo.
O programa Hippokrates, do Movimento Vasco da Gama, que é composto por 15 países incluindo Portugal e está ligado à Organização Mundial de Médicos de Família [WONKA na sigla inglesa], promove anualmente intercâmbios internacionais.
Interessado pelo sistema de cuidados primários do Reino Unido, Cristiano Figueiredo pretendia inicialmente juntar-se a uma clínica na província, mas foi seduzido pelo projeto de Vikesh Sharma na capital britânica.
"Fui atraído pela possibilidade de trabalhar num projeto com a comunidade portuguesa. Eu gosto da parte social e das determinantes sociais na saúde, nomeadamente migração e interculturalidade", disse.
A zona é conhecida por "Little Portugal" devido à elevada população lusófona: em Lambeth, um sexto dos cerca de 300 mil habitantes fala português.
Esta concentração ainda é mais notória entre os 6.000 utentes do centro de saúde Grantham Centre Practice, pois um terço são lusófonos.
"Precisamos de um intérprete três dos cinco dias da semana e 20 a 30% das consultas são feitas em português", revelou o médico britânico Vikesh Sharma à Lusa.
Além da barreira linguística, apercebeu-se, quando chegou ao centro de saúde, em 2013, que existia um óbice cultural.
"Existe uma relutância no relacionamento com o médico britânico. Há pessoas que ainda vão a Portugal pedir consultas", referiu.
O resultado, lamentou, é o agravamento de doenças como diabetes e a falta de assistência e acompanhamento em problemas de saúde mental como depressão, alcoolismo ou toxicodependência.
A chegada de Cristiano Figueiredo permitiu compreender melhor as diferenças entre os sistemas de saúde português e britânico e desenhar uma solução para contornar as dificuldades.
"Algumas pessoas notava-se que não confiavam completamente no médico britânico, mas não há dúvidas que têm a mesma qualidade, competência técnica e meios técnicos, senão melhores", enfatizou.
Uma das cismas é a menor frequência na realização de exames médicos no Reino Unido.
"Muitos portugueses habituaram-se a essa medicina preventiva, mas isso já mudou em Portugal, já não se fazem exames sem objetivo específico. A ciência mostrou que os exames preventivos não têm benefícios", referiu o clínico português.
Durante a estadia de duas semanas em 2015, Figueiredo adaptou e traduziu para português uma série de folhetos informativos, que os médicos da área podem agora aceder no sistema informático e imprimir durante as consultas.
Àqueles juntaram-se entretanto uma seleção de folhetos da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), que estão acessíveis aos médicos britânicos de acordo com palavras-chave.
Entretanto, Vikesh e Cristiano começaram a preparar a criação de um dossiê de boas vindas para os utentes, com um sumário com a lista de direitos, como os exames médicos, e um documento para transferência de cuidados para escrever sobre os problemas existentes.
E em breve terá início uma sessão mensal de informação e sensibilização para os portugueses no centro comunitário em Lambeth.
Além de querer aumentar o número de inscrições no posto médico e reduzir intervenções tardias em certas doenças, Sharma acredita que é importante mudar hábitos.
Por exemplo, num estudo feito descobriu-se que os portugueses ordinários da Madeira têm sete vezes mais propensão a procurar as urgências hospitalares locais do que cidadãos de outras nacionalidades.
Em Londres existem mais opções para serviços de cuidados agudos: além do médico de família e das urgências hospitalares, há médicos "fora de horas" e centros de atendimento permanente [walk-in centres[.
"Os portugueses que emigram para Londres replicam o comportamento que tinham em Portugal: recorrem às urgências para situações que não são graves", admitiu Cristiano.
Mesmo à distância, continua envolvido no projeto porque, salientou, "é importante explicar e passar a mensagem que os cuidados de saúde [no Reino Unido] são diferentes, mas não inferiores".