Entrevista – Dia Mundial do Cancro do Ovário

“A precocidade no diagnóstico é determinante para a eficácia das terapêuticas e para a evolução da doença”

Atualizado: 
08/05/2015 - 10:38
No dia em que se assinala o Dia Mundial do Ovário o Atlas da Saúde esteve à conversa com o especialista Daniel Pereira da Silva, responsável pelo Grupo Português de Estudos do Cancro do Ovário.

Atlas da Saúde (AdS) - É possível saber qual a incidência e a prevalência do cancro do ovário em Portugal?

Daniel Pereira da Silva (DPS) - Em Portugal temos cerca de 600 novos casos por ano e cerca de 350 óbitos por essa causa. É um tumor que aparece em 80% dos casos após o 40 anos de idade, mas há formas mais raras que aparecem em mulheres mais jovens.

AdS - Habitualmente e de uma forma geral qual o prognóstico da doença. A mortalidade é elevada?

DPS - O cancro do ovário apresenta-se sob várias formas. Há tumores menos agressivos em que o prognóstico é muito bom. Há tumores de agressividade elevada onde o prognóstico é muito desfavorável, porque o diagnóstico faz-se em fases avançadas da doença. Quando temos a felicidade de chegar ao diagnóstico em fases iniciais, tudo se modifica, a cirurgia radical é mais fácil de realizar e menos invasiva, e o tumor é irradiado. A quimioterapia consolida o tratamento e a cura é possível.

AdS - Quais os principais factores de risco para o cancro do ovário?

DPS - O mais pesado de todos é o familiar. Hoje conhecem-se alguns genes que predispõem ao aparecimento do cancro do ovário e da mama. Este aspecto tem sido muito focado na comunicação social pelo caso da Angelina Jolie. Esta situação está perfeitamente tipicada e teste genético está indicado, quando a mulher o quer fazer e tem as seguintes condições:

  1. Tem um familiar do 1º grau com cancro da mama na pré-menopausa,
  2. Tem 2 familiares do 1º grau, ou 1 do 1º e outro do 2º grau, que tiveram cancro do ovário. Quando tem cancro da mama bilateral
  3. Família com cancro hereditário não-polióide do cólon (síndrome de Lynch). Estas são as situações que podem justificar a realização do teste genético numa mulher sem doença.

As mulheres que não têm filhos, que nunca usaram pílula, que fizeram terapêutica hormonal na pós-menopausa, que têm endometriose e que usam talco na sua higiene genital, têm risco acrescido. As mulheres de raça branca têm risco acrescido, particularmente as mais obesas, em contraponto ás mulheres de raça negra e com índice de massa corporal equilibrado. Em contraponto os factores protetores são o uso da pílula, que é o de maior impacto, mas também a multiparidade e a intervenção cirúrgica sobre as trompas: laqueação ou amputação parcial ou total.

AdS - O diagnóstico precoce é importante em todas as doenças e no cancro do ovário também. O diagnóstico é fácil? A que sintomas deve a mulher estar atenta?

DPS - Claro, a precocidade no diagnóstico é determinante para a eficácia das terapêuticas e para a evolução da doença, mas esse objectivo é muito difícil. As fases iniciais da doença são completamente assintomáticas e mesmo em fases avançadas os sintomas confundem-se com queixas intestinais banais e habituais. Hoje uma mulher pode estar bem, com o exame ginecológico perfeitamente normal e passados uns meses ter uma situação de grande gravidade, porque a doença pode apresentar-se numa forma galopante.

AdS - A visita regular ao ginecologista é determinante?

DPS - É importante que a mulher faça a sua avaliação ginecológica com regularidade, pelo menos uma vez por ano. As que têm factores de risco devem ter cuidados redobrados, principalmente quando há história familiar. Pode também ter algumas atitudes preventivas - o uso da pílula diminui o risco de aparecimento do cancro do ovário!

AdS - Muitas mulheres entendem que após entrar na fase da menopausa já não precisam ser consultadas pelo médico ginecologista.... Como entende esta “postura”?

DPS - É verdade, relaxam. É algo estranho, pois a maior parte dos tumores aumenta a incidência com a idade. Todos, da mama, ovários e útero todos têm relação com a idade e são mais frequentes nas mulheres mais idosas. Além disso, há uma série de questões relacionadas com a menopausa e o envelhecimento que convém ser prevenidos ou minimizados. A atrofia genital é muito comum, com repercussões no funcionamento da bexiga e na sexualidade, a osteoporose é silenciosa e só dá sinais quando aparece a fractura que é uma causa muito importante de incapacidade e dependência, e mesmo de mortalidade.

AdS - O que significa em termos de risco de cancro do ovário a existência de quistos nos ovários?

DPS – Esclarecer que não há miomas nos ovários, os miomas são no útero. Quanto aos quistos a maior parte são benignos, mas não é fácil ter a certeza absoluta que assim é. A ecografia é determinante e permite ter uma ideia sobre a natureza do quisto. Podemos realizar o doseamento de alguns marcadores tumorais no sangue que nos ajudam, mas em alguns casos só a cirurgia e a análise histológica do quisto permite chegar ao diagnóstico. Por outro lado, não é possível ter a certeza pela ecografia ou outros métodos de imagem quando estamos perante um quisto com potencial evolutivo para fases mais graves. Salvo os quistos funcionais que são inerentes ao funcionamento dos ovários da mulher que não toma a pílula, todos os outros têm indicação para cirurgia.

AdS - Os tratamentos que actualmente existem representam uma boa resposta para o cancro? Qual a qualidade de vida de uma mulher pós-cancro do ovário?

DPS - Em minha opinião não oferecem a resposta desejável, que seria permitir a cura ou transformar a situação numa doença crónica controlável. Oferecem uma boa resposta durante meses ou mesmo anos, em situações muito complicadas que implicam sofrimento e perda de qualidade de vida para essas mulheres. Existem novas opções terapêuticas, que em casos devidamente selecionados melhoram significativamente a expectativa e qualidade de vida dessas doentes.

AdS - Existem actualmente alguns constrangimentos no diagnóstico, tratamento e/ou acompanhamento destes mulheres?

DPS - No diagnóstico não há qualquer constrangimento. O acompanhamento de mulheres com menos recursos pode ser dificultado pelos custos das deslocações e outras despesas a que têm de fazer face. A Liga Portuguesa Contra o Cancro apoia as doentes com esse tipo de dificuldades e tem recebidos muito mais pedidos do que há anos atrás. No tratamento considero que há constrangimentos por vezes importantes, pois há opções terapêuticas que estão disponíveis noutros países e tem restrições em Portugal.

AdS - Enquanto especialista como vê a retirada dos ovários como forma de evitar o cancro?

DPS - É uma decisão muto complexa. Hoje conhecemos e podemos identificar a mutação em alguns genes que predispõem ao aparecimento do cancro do ovário, refiro-me aos genes BRCA1 e 2, que são os mais conhecidos. Sabemos que quando esses genes estão multados o risco de aparecer cancro do ovário ou mama pode atingir 80%, o que é marcante. Quando a mulher pertence a famílias com associação de casos  como referi anteriormente, têm o direito a ser informada que existe a possibilidade de saber se ela tem essa predisposição ou não. Deverá ser também informada do que a possibilidade de reduzir o risco é fazer a extração dos seios e dos ovários, o que é muito violento. É de facto um dilema muito difícil. Se na extração dos seios ela pode fazer uma cirurgia reconstrutiva que lhe permite ter um resultado estético aceitável, a extração dos ovários significa a menopausa precoce, sem possibilidades de fazer reposição hormonal. Podemos tentar minimizar as consequências o que não é fácil, até porque sabemos que a mortalidade por doenças cardiovasculares é maior na mulher com menopausa precoce. É uma opção da mulher.

AdS - A existência de um dia mundial é importante porquê?

DPS - É importante porque significa um alerta de consciências todos os níveis: da mulher para que não desvalorize os cuidados que deve ter com a sua saúde, dos profissionais para que não desvalorizem a doença, dos poderes públicos para chamar a atenção dos doentes, das suas carências e dificuldades.

AdS - Que actividades estão programas para assinalar este dia?

DPS - Está previsto o lançamento de um livro sobre cancro do ovário da iniciativa do Grupo Português de Estudos do Cancro do Ovário e a participação em iniciativas públicas de esclarecimento.

Autor: 
Célia Figueiredo
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro e/ou Farmacêutico.
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