“As pessoas com hemofilia têm capacidades para serem activos e úteis na sociedade”
Assinala-se hoje o Dia Mundial da Hemofilia, uma doença crónica de transmissão genética que se caracteriza pela ausência ou acentuada carência de um dos factores de coagulação. “Trata-se de uma deficiência orgânica congénita no processo da coagulação do sangue que é mais demorada ou inexistente, provocando hemorragias frequentes, especialmente a nível articular e muscular”, explica Miguel Crato presidente da Associação Portuguesa de Hemofilia (APH).
O especialista considera de “toda a importância haver um dia dedicado à doença, embora todos os dias devam ser dias mundiais da hemofilia”.
Porém, neste dia, conta Miguel Crato, “todo o público em geral pode ser correctamente informado sobre esta patologia e ter a possibilidade de conhecer um pouco melhor, de uma forma descomplexada e clara, uma doença que pode bater à porta de qualquer um”. É também nesta efeméride que chama a atenção para os problemas que as pessoas com hemofilia ainda lidam: “não só com os aspectos físicos e sociais da sua doença, mas igualmente garantir um tratamento de qualidade, seguro e eficaz é essencial para que tenham uma qualidade de vida igual aos demais concidadãos”.
A Associação Portuguesa de Hemofilia assinala o Dia Mundial numa dupla perspectiva. “Por um lado a nível comunicacional para o grande público a APH, como faz todos os anos escolheu um tema que preocupa a nossa comunidade, tendo em 2015 o tema que resolvemos dar enfoque. O facto de em Portugal a escolha das terapêuticas para esta doença, presentemente, se basearem apenas no critério preço e não também nos critérios da qualidade, eficácia e segurança, tal como recomendam as guidelines internacionais e o Conselho Europeu”, refere o especialista.
A nível interno a APH organizará na sua sede e nos seus núcleos do Porto, Coimbra e Funchal o evento ‘Porta Aberta’. “É destinado a todos os sócios, doentes e famílias e que pretende ser um momento não só de convívio informal, mas igualmente de partilha de experiências e receios sobre a hemofilia e outros distúrbios hemorrágicos”, comenta.
A doença
A hemofilia aparece quase exclusivamente nos indivíduos do sexo masculino, transmite-se geneticamente e está ligada ao cromossoma X. “Desta forma, a mãe portadora assintomática na maioria dos casos, transmite a doença ao seu filho”, refere o especialista sublinhando que cerca de 70 % das pessoas com hemofilia tem um passado de hemofilia na família, 30% não o têm.
Estima-se que em Portugal existam cerca de 1000 doentes, embora apenas 700 estejam registados na APH. Miguel Crato afiança que existam doentes que não estejam diagnosticados, porque a hemofilia tem vários graus de gravidade (1% dos doentes serão graves, entre 1% e 5% serão moderados e de 5% a 40% serão ligeiros), dependendo do factor em falta, em circulação. “A hemofilia ligeira devido à existência de uma percentagem do factor em falta ainda significativa possibilita que estes doentes possam passar uma vida inteira sem saber que têm hemofilia e muitas vezes só é descoberta numa grande intervenção cirúrgica, num acidente ou numa extracção dentária quando os níveis de sangramento são elevados e a coagulação não se consegue fazer”, alerta Miguel Crato.
Cuidados e tratamento
As pessoas com hemofilia são, actualmente, tratadas com concentrados do factor em falta (factor VIII no caso da Hemofilia A e fact IX no caso da hemofilia B). Quanto à proveniência estes concentrados são hemo-derivados, quando no processo de fabrico é aplicado plasma humano ou recombinantes, que são produtos bio-similares, existindo neste caso produtos de 2ª geração, onde ainda existe uma percentagem de albumina no processo de fabrico e 3ª geração, quando já não existe. Os hemofílicos que desenvolvem anticorpos (inibidores) aos tratamentos ditos normais têm como solução terapêutica outros produtos, tanto hemo-derivados como recombinantes.
O tratamento é fornecido gratuitamente em meio ambulatório aos doentes com hemofilia. Miguel Crato considera-o eficaz, seguro e de qualidade, mas “o facto de o critério economicista estar a prevalecer pode ser um perigo no futuro, uma vez que a profilaxia pode ficar em causa”, alerta o presidente.
É recomendável que os doentes com hemofilia tenham cuidados diários para evitar actividades que potenciem hemorragias, bem como são desaconselhadas certas práticas desportivas de contacto e de cariz violentas. Porém, “com o advento da profilaxia (2 ou 3 tomas semanais do tratamento de forma preventiva), que pelo menos todas as crianças deverão fazer, praticamente todas as actividades físicas são permitidas”, observa o especialista.
Desta forma, é possível afirmar que com os tratamentos actuais, “a esperança de vida de uma pessoa com hemofilia é praticamente igual a uma pessoa que não tenha esta patologia. Por outro lado, estes doentes têm todas as capacidades para serem elementos perfeitamente activos e úteis na sociedade. Obviamente que muitas pessoas com hemofilia, antes da existência dos tratamentos actuais desenvolveram sequelas físicas que de uma forma ou outra as incapacitam fisicamente para algumas actividades. No entanto a nível intelectual e cognitivo são pessoas perfeitamente normais e inseridas e isto é uma mensagem muito importante que todos devem ter consciência”, conclui Miguel Crato.
Migel Crato, Presidente da Associação Portuguesa de Hemofilia