Pensar é muito incómodo
Pensar ou causar dor em si próprio? Os cientistas do departamento de Psicologia da Universidade de Virgínia demonstraram que a maioria prefere a segunda hipótese. A conclusão é surpreendente e agora será preciso perceber porquê. Os investigadores de um dos núcleos de psicologia social mais conceituados nos Estados Unidos acreditam que os estudos publicados este mês na revista "Science" são agora mais um passo para entender melhor uma das contradições da existência humana. Por um lado, as neurociências percebem cada vez melhor como é que estamos equipados para nos abstrairmos do mundo real, mergulhando nos pensamentos. Por outro, esse é um dom que não parece ser do nosso agrado, apesar de sermos a única espécie com essa capacidade.
Numa síntese de 11 estudos que explora este paradoxo, os psicólogos perceberam que a aversão vai ao ponto de 67% dos homens e 25% das mulheres não hesitarem em apanhar choques eléctricos quando a alternativa é ficar sozinho 15 minutos numa sala com a simples tarefa de pensar. E isto apesar de terem assegurado instantes antes que pagariam para evitar essa autopunição.
Autores clássicos, como o inglês Bertrand Russell, já tinham percebido que haveria um qualquer duelo do homem com a sua capacidade de autoconsciência. "A maior parte das pessoas prefere morrer a pensar; na verdade, é isso que fazem", escreveu o filósofo. Em pleno século XXI, contudo, esta equipa acredita que está na altura de voltar à pergunta, até porque alguma coisa tem atraído cada vez mais pessoas para técnicas como a meditação, aparentemente porque isso as faz sentir bem.
Resultados O método dos 11 estudos foi relativamente simples. Era pedido às cobaias - estudantes universitários e posteriormente pessoas recrutadas num mercado e numa igreja local - que estivessem períodos entre seis e 15 minutos sentados numa sala sem decoração e sem ter por perto objectos pessoais. Durante esse tempo poderiam pensar no que quisessem. Numa primeira fase, mais de metade dos participantes informou ter sido difícil concentrar-se, mesmo sem haver nada a distrai--los. Quase cinco em dez (49,3%) considerou a experiência desagradável.
Para perceber se era o ambiente asséptico de laboratório que dificultava o desfrutar do tempo a sós, os investigadores desafiaram 15 cobaias a fazer a experiência em casa, seguindo as instruções para ficarem em estado de introspecção por um quarto de hora. No fim, um terço admitiu ter feito batota e não ter resistido a mexer no telemóvel ou a ouvir música.
A descoberta de que a aversão a estar sozinho com os pensamentos foi a mais surpreendente, explicou Erin Westgate, uma das autoras, a investigação visa tentar estudar porque é que parece ser tão difícil pensar e, por outro lado, porque é que há pessoas que lidam melhor com a experiência.
E aqui, os resultados mostram que ainda há muito por perceber. Uma das teorias seria que as pessoas, ao ficarem sozinhas com os seus pensamentos, poderiam começar a "ruminar" sobre os seus defeitos, o que explicaria o desconforto. Mas, ao testar a ideia, a equipa percebeu que pensar em si próprio não estava correlacionado com mais ou menos satisfação. Outro problema poderia ser terem de pensar no próprio momento em como iriam ocupar a cabeça. Porém, quando deram tempo para planear, os resultados não se alteraram.
A única ligação que, para já, dá pistas tem a ver com o tipo de personalidade dos participantes, mas ainda assim as correlações encontradas foram limitadas. Após testes psicológicos, perceberam apenas que quem consegue direccionar os pensamentos para sentimentos de felicidade tem 20% mais probabilidade de encontrar prazer na experiência.
Erin Westgate conta que avaliaram também se usar mais ou menos o telemóvel no dia-a-dia tinha alguma correlação com a capacidade de desfrutar do devaneio mental, o que também não se verificou. O que leva a outra conclusão do estudo: "O uso parece ser um sintoma de um problema, não a causa. Talvez os telemóveis e as redes sociais sejam tão apelativos precisamente porque somos tão maus a entretermo-nos com as nossas cabeças. Se algumas pessoas até preferem electrocutar-se, obviamente que a maioria de nós prefere mexer no telemóvel a pensar."
A investigadora acredita que estamos perante um problema, que não sendo novo está a aumentar e só agora começa a ser estudado: "Dantes havia outras distracções. Ao longo dos séculos, líderes religiosos têm pedido às pessoas para passarem mais tempo em contemplação e silêncio: se fosse fácil aderir a isso, não estaríamos sempre a ouvir a mensagem."
A ideia do grupo é conseguir respostas e encontrar uma forma de treino que permita contrariar o que parece ser a dificuldade natural de desfrutar do pensamento. Enquanto não há novas experiências, Westgaste explica, qualquer adulto pode fazer a experiência em casa. Desde que, por precaução, substitua os choques eléctricos por algo mais inofensivo: uma fotografia desagradável ou uma gravação de um barulho enervante.
Basta escolher um momento do dia em que se esteja sozinho, ir para um corredor sem decoração e deixar todos os bens pessoais, dos telefones ao relógio, na sala ao lado. Se conseguir estar 12 minutos sozinho sem olhar para a fotografia ou ligar o som e apreciar a experiência faz parte de uma minoria. A mente do comum dos mortais, concluí a equipa, "se não for disciplinada não gosta de estar sozinha com ela própria."