“A paralisia cerebral não é uma doença mental”
A prematuridade é tida como uma das causas para a paralisia cerebral, estimando-se que esta seja 10 vezes mais frequente em bebés prematuros e de baixo peso. O risco aumenta em gravidezes gemelares.
Desenvolvendo-se em meio extra-uterino, os recém-nascidos prematuros, apesar de colocados em ambiente médico altamente tecnológico, necessário para a sua sobrevivência, incorrem em inúmeros riscos, sendo os pulmões, o intestino, os olhos, os ouvidos e o cérebro os órgãos mais afetados.
De acordo com os especialistas, “nascer prematuro implica algumas vezes a existência de doenças específicas”, muitas vezes detetadas ainda durante o internamento. São elas a hemorragia cerebral, a leucomalácia periventricular, a retinopatia e a displasia broncopulmonar.
Algumas destas situações comprometem o desenvolvimento e crescimento de diferentes órgãos, sendo que, são os bebés com idade gestacional inferior a 32 semanas e baixo peso os que apresentam um risco aumentado de doença.
A par das alterações dos diferentes órgãos e sistemas, persistem como as mais importantes sequelas da prematuridade, as alterações do neurodesenvolvimento, onde se enquadram os casos de paralisia cerebral, os défices visuais e auditivos.
A paralisia cerebral é uma perturbação do controlo dos movimentos voluntários que resulta de uma lesão ou anomalia cerebral que atinge o cérebro em período de desenvolvimento, sendo que, de acordo com o Programa de Vigilância Nacional da Paralisia Cerebral, “as partes do cérebro que controlam os movimentos musculares são particularmente vulneráveis à lesão nos bebés prematuros”.
No prematuro os membros inferiores são os mais atingidos, no entanto, não há dois casos iguais de paralisia cerebral, uma vez que as suas manifestações dependem da localização das lesões e áreas afetadas do cérebro.
O seu diagnóstico é, habitualmente, determinado pela associação de atraso das competências motoras e alterações do tónus muscular, reflexos e padrões de movimentos.
Este aspeto leva a que, em grande parte dos casos, a paralisia cerebral não seja diagnosticada nas primeiras etapas da infância.
“Nunca encarámos os nossos filhos como deficientes”
Diogo e José Marques, gémeos, nasceram às 30 semanas de gestação, com pouco mais de 1kg. A mãe, Natercia, tinha 24 anos e garante que a questão da prematuridade nunca se colocou. “Não disponhamos dessa informão médica”, revela.
“Posto isto, na altura, existiram todas as dúvidas e angústias inerentes à prematuridade, que se agravaram 24 horas após o nascimento com a entrada nos cuidados intensivo, com os bebés em incubadoras, entubados e ligados a máquinas de suporte de vida”, recorda admitindo que, rapidamente “todas as dúvidas e angústias foram susbtituídas pela incerteza de sobrevivência”.
Durante dois meses e meio, mãe e pai tiveram as suas vidas em suspenso para acompanhar os filhos. “Eu passava o dia no hospital e o pai ia depois do trabalho, onde ficava até à meia-noite”, conta.
Os principais riscos apontados pela equipa médica eram “insuficiência respiratória e a não-total formação dos pulmões”. “Ainda internados, falaram-nos de leucomalácia - que nós começámos a pesquisar em livros, pois não havia internet”, explica Natércia Marques.
Com uma condição delicada, os bebés eram vigiados e monitorizados com frequência. “Eram realizados exames de rotina para bebés de baixo peso, cujas avaliações eram feitas de 15 em 15 dias”, afirma a mãe.
“A paralisia cerebral foi a constatação de um facto aos cinco meses, após exames da atividade cerebral – ressonância magnética, eletroencefalograma – e análise pediátrica”, recorda adiantando que nunca houve qualquer sinal que os levasse a desconfiar do diagnóstico.
“Na altura, reagimos pessimamente à notícia. Aos cinco meses não sabíamos quais os níveis cerebrais afetados. Sabíamos, sim, que a paralisia cerebral tinha como padrão comum afetar a locomoção”, conta acrescentando que José sofre tetraplegia e Diogo de diplegia com locomoção autónoma “depois de realizadas cirurgias aos quatro anos de idade”.
Sabendo das dificuldades que iriam encontrar ao longo da vida, Natércia e o marido procuraram ajuda especializada. “Tentámos sempre pedir ajuda aos profissionais relacionados com a paralisia cerebral, como a Liga Portuguesa dos Deficientes Motores ou a Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa, e absorver o máximo possível de informação”, afirma.
Por outro lado, sempre tentaram que a integração fizesse parte do seu dia-a-dia. “Em relação aos nossos filhos, acreditamos que a integração no sistema de ensino regular foi a melhor forma de eles entenderem a diferença”, explica acrescentando que nunca encararam os filhos como deficientes. “Talvez devido ao facto de ambos terem um desenvolvimento verbal e cognitivo normal”, justifica.
A verdade é que José concluiu o 9º ano de escolaridade e é “atualmente interprete de uma companhia de dança adaptada – CIM-V’oarte – e frequenta o Centro de Atividades Ocupacionais da APCL”.
“O Diogo é um jovem alegre, focado, com gosto em aprender. Sempre deu grande importância aos estudos e encara todas as experiências profissionais como conquistas pessoais”, acrescenta revelando que o filho é licenciado em Ciências da Comunicação, tendo concluído, no início deste ano, o mestrado na mesma área.
Apesar de todos os obstáculos, a mãe salienta que o grande desafio continua a ser “fazer entender aos outros que a paralisia cerebral não é uma doença mental”.
“Fui educado para nunca encarar a paralisia como uma condicionante”
Até adquirir uma locomoção completamente autónoma, Diogo teve de passar por várias cirurgias durante a infância. “Aos quatro anos tive de fazer uma cirurgia para proceder ao alongamento do tendão de Aquiles, com imobilização de gesso para iniciar a marcha autónoma”, começa por contar o jovem.
“Aos 10 anos, durante o verão, e antes de entrar para o 5º ano, realizei uma cirurgia complexa a nível muscular que consistiu num novo alongamento do tendão de Aquiles, alongamento dos gémeos e tenotomia dos músculos adutores”, acrescenta explicando que esta cirurgia pressupunha o alongamento da tensão muscular e a criação de força.
“A minha paralisia cerebral afeta os membros inferiores, o que em parte, limita a minha capacidade de locomoção e equilíbrio”, justifica.
No entanto, admite que o facto de, desde cedo, ter tido contacto com outros casos de paralisia cerebral – “com crianças e jovens cuja paralisia provoca limitações que os impede de realizar pequenas tarefas como falar ou pegar numa colher para comer” – fez com que tenha encarado a sua condição como algo que tem de tentar contrariar.
“Nesse sentido, dou uma grande importância ao meu bem estar físico indo ao ginásio todas as semanas, por exemplo”, revela.
Por outro lado, apesar de sempre consciente das limitações adquiridas, nunca se sentiu diferente. E o mérito, esse é todo dos pais.
“Os nossos pais, para além de sempre nos educarem como se educa qualquer criança sem limitações, através da nossa integração no sistema de ensino regular, por exemplo, nunca foram demasiado protetores. Levavam-nos para todo o lado e deixavam-nos ter as nossas próprias experiências no mundo”, explica Diogo que aos nove anos viajou sozinho, com o seu grupo de Escuteiros, até à Disneyland em Paris.
Aceitar a deficiência é meio caminho andado para a integração, no entanto, Diogo lamenta que ainda exista algum preconceito contra aquilo que é diferente. “Muito devido à ignorância e falta de informação por parte das pessoas que associam, erradamente, a Paralisia Cerebral à deficiência mental e cognitiva”, afirma.
“A minha mãe costuma contar uma história caricata que lhe aconteceu quando eu tinha apenas 18 meses. Na altura foi tentar increver-me, a mim e ao meu irmão, num colégio religioso de Lisboa e a freira ao saber da nossa condição respondeu-lhe: «Deus nosso Senhor nos proteja dos deficientezinhos!»”, conta.
“Acredito que não tenha sido fácil para a minha mãe ouvir tal coisa, mas sei que a partir dessa experiência infeliz, teve a capacidade de nos preparar melhor para situações parecidas que pudessemos vir a enfrentar no futuro”, acrescenta Diogo.
Para contornar estes e outros obstáculos, Diogo usa a sua arma secreta: o sentido de humor.
“O uso do humor perante as minhas limitações é algo espontâneo e natural. Talvez sirva, de certa forma, não só para desarmar os outros, mas sobretudo para os colocar mais à vontade com a minha deficiência”, refere.
“No fundo, não deixo que a minha deficiência me defina como pessoa. Sou persistente e tenho os meus sonhos”, acrescenta. Por isso, tem um objetivo bem definido – trabalhar na sua área de formação e conseguir um emprego “para começar a garantir alguma estabilidade financeira”.
“Quero acreditar que a inclusão é um processo gradual...”, conclui