A alimentação do bebé

Os benefícios da amamentação e acção do enfermeiro na sua promoção

Atualizado: 
21/04/2014 - 15:28
O leite materno é o melhor alimento para o bebé e o ato de amamentar tem benefícios para a saúde da mãe e reforça vínculos e afetos entre ambos. A Organização Mundial de Saúde, associações científicas e os Estados recomendam o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida.
Os benefícios da amamentação

“O aleitamento materno é a prenda mais preciosa que uma mãe pode dar ao seu filho.

Na doença ou na desnutrição, esta prenda pode salvar a vida. Na pobreza pode ser a única prenda”.

Lawrence (1991)

 

 

Porquê amamentar? Amamentar porque o leite é um produto natural, vivo e inimitável. Este transmite ao bebé, de forma natural, inócua e gratuita, anticorpos, água e nutrientes em quantidade adequada e suficiente.

Atualmente as organizações internacionais, governos, associações científicas e técnicas, entre as quais a Organização Mundial de Saúde (OMS), a Academia Americana de Pediatria (AAP) e a Associação Americana dos Médicos de Família (AAFP) recomendam o aleitamento materno (AM) exclusivo, durante os primeiros seis meses de vida, assim como a sua continuação até aos dois ou mais anos. É então desejável que o aleitamento materno prossiga ao longo de todo o programa de diversificação alimentar e, enquanto for mutuamente desejado pela mãe e latente. No entanto alguns latentes poderão necessitar de complementar o aleitamento materno antes dos 6 meses (mas nunca antes dos 4 meses) de forma a assegurar um crescimento e desenvolvimento normais.

Do ponto de vista nutricional é importante lembrar que a partir dos 6 meses o volume de leite ingerido é insuficiente para suprimir as necessidades energéticas, proteicas e em micronutrientes do bebé. Para além dos aspetos nutricionais associados à amamentação, a maturação fisiológica e neurológica do latente requerem um plano seguro na diversificação alimentar até ao regime familiar (Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2012).

O leite materno pela sua composição é facilmente digerido, metabolizado e absorvido sendo adequado à imaturidade da função gastrointestinal e renal do recém-nascido. Apenas por volta dos 4 meses o bebé se encontra preparado para a diversificação alimentar do ponto de vista da evolução maturativa e, também, pela aquisição de maior estabilidade cervical e maxilar. Entre o 5º e o 8º mês o padrão primitivo da sucção modifica-se e estabelece-se a passagem da sucção para a mastigação (Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2012).

Benefícios do Aleitamento Materno
Amamentar é um ato que traz benefícios para a saúde da mãe e filho, a curto e a longo prazo. Estes benefícios em saúde repercutem-se em vantagens sociais, económicas e ambientais.

Seria impossível condensar num artigo todos os benefícios e vantagens do aleitamento materno. Por esse motivo serão apresentados aqueles que consideramos cientificamente comprovados como benéficos para a saúde.

Benefícios para o latente
Diversos estudos comprovam uma associação do aleitamento materno a um menor risco das seguintes complicações (Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2012):

  • Otite média;
  • Gastroenterite aguda;
  • Infeções respiratórias baixas severas;
  • Dermatite atópica;
  • Asma;
  • Obesidade;
  • Diabetes de tipos 1 e 2;
  • Leucemia;
  • Síndrome de morte súbita no lactente;
  • Enterocolite necrotizante.

Estima-se que se todas as crianças no Reino Unido estivessem em programa de amamentação exclusiva, o número de hospitalizações a cada mês, por diarreia, seria reduzido a metade, e o número de crianças hospitalizadas por infeção respiratória, reduzida para um quarto (National Institute for Health and Clinical Excellence, 2008).


Figura 1: “Maternidade” de Picasso (1963)

Benefícios para a mulher que amamenta

  • Formação do Globo de Segurança de Pinard (contração uterina) e menor risco de hemorragia pela ação da ocitocina;
  • Menor risco de anemia e aumento das reservas de ferro pela diminuição do sangramento durante o puerpério, e ação da amamentação sobre o eixo hipotálamo-hipófise-ovário inibindo a ovulação e, consequentemente, a menstruação;
  • Recuperação do peso pré-gravídico devido ao gasto energético da produção de leite (ao amamentar, queima até 500 calorias a mais por dia), sendo mais evidente a partir dos 3 meses e localizada na cintura e anca;
  • Prevenção da osteoporose devido ao aumento da metabolização de cálcio que ao mesmo tempo que é mobilizado dos depósitos ósseos para a produção de leite, também aumenta a sua absorção;
  • Atraso no regresso da fertilidade, pela ação da prolactina mas, tendo em conta outros fatores, como manutenção da amamentação exclusiva, amamentar no período noturno, o bebé mamar em livre demanda (7 a 8 mamadas), a mulher estar amenorreica;
  • Diminuição do risco de cancro da mama e do ovário.

Vantagens económicas

  • Além dos custos associados às fórmulas infantis e artigos relacionados (biberons, esterilizadores, etc.), há que ter em conta o menor gasto em consultas, internamentos, medicamentos e absentismo dos pais.

Vantagens psicológicas

  • Desenvolvimento de um vínculo de apego saudável e duradouro. Maior autoestima e autoconfiança, maior satisfação íntima, superação das dificuldades biológicas e psicossociais e, menor índice de depressão pós-parto ou o seu aparecimento tardio.

Vantagens ambientais

  • Permite poupar energia e recursos alimentares e, não sendo necessárias embalagens nem produtos para limpeza ou desinfeção, poupa-se o ambiente.

Mundialmente é difícil realizar afirmações sobre a incidência e prevalência da amamentação, uma vez que os dados que existem são dispersos e relativos a anos díspares e apenas referentes a alguns países, mas, sabe-se que entre 1996 e 2006, houve uma melhoria nas taxas do aleitamento materno exclusivo, de 22% para 30% em África e, na América Latina, de 30% para 45%. Em termos Europeus, a tendência revela que a iniciação do aleitamento materno é elevada de um modo geral, sendo que entre 1996 e 2006 houve um aumento das taxas de 10% para 19%, mas revela-se um decréscimo de 50% nos primeiros seis meses.

Em Portugal, Cardoso (2006) e Levy e Bértolo (2008) referem que alguns estudos apontam para uma alta incidência do aleitamento materno: 80% a 90% das mães portuguesas iniciam o aleitamento materno. No entanto, esses mesmos estudos mostram que quase metade das mães desiste de dar de mamar durante o primeiro mês de vida do bebé, decrescendo para 25% aos seis meses, sugerindo que a maior parte das mães não consegue cumprir o seu projeto de amamentar, desistindo muito precocemente da amamentação.


Figura 2 - "Mi nana y yo" de Frida Kahlo (1937)

Aleitamento Materno Exclusivo - o latente recebe unicamente leite materno (mesmo se retirado com bomba ou proveniente de doadora) e nenhuns outros líquidos ou sólidos à exceção de gotas, suplementos vitamínicos ou minerais, fármacos ou soro de reidratação oral.

Aleitamento Predominante - além de leite materno o latente recebe outros líquidos não lácteos como chã ou água (conteúdos não energéticos).

Aleitamento Misto - o latente recebe leite materno e de fórmula infantil.

Aleitamento Complementar ou Parcial - está presente quando o latente recebe leite materno e sólidos ou semissólidos.

(Sociedade Portuguesa de Pediatria, 2012) (Direção-Geral da Saúde | Mama Mater, 2013

Medidas práticas a adotar para promover a amamentação

  • Eliminar as barreiras à amamentação (físicas, culturais, sociais);
  • Treinar os profissionais de saúde;
  • Implementar programas estruturados de suporte à amamentação. Estes programas devem ser sujeitos a auditorias;
  • Educação e informação pré-natal relativa à amamentação e apoio pós-natal;
  • Existência de políticas que promovam a amamentação: diretrizes escritas, identificação dos profissionais envolvidos, auditorias externas. Essas políticas deviam ter dimensão nacional.

Vantagens do aleitamento materno nos recém-nascidos pré-termo

  • Perfil fisiológico de lípidos e aminoácidos;
  • Contém aminoácidos essenciais ao pré-termo;
  • Micronutrientes em quantidades fisiológicas;
  • Melhor digestibilidade e absorção;
  • Baixa carga renal;
  • Presença de enzimas ativas e fatores anti-infeciosos;
  • Baixa osmolaridade;
  • Específico da espécie e bio disponível;
  • Proteção contra enterecolíte necrosante;
  • Maturação mais acelerada do trato gastrointestinal;
  • Proteção contra infeções nosocomiais;
  • Melhora a função da retina;
  • Melhora o desempenho cognitivo.

Intervenção do enfermeiro na promoção e manutenção do aleitamento materno
Para muitas mulheres a experiência da gravidez e parto fornece o primeiro contato com o sistema de saúde e, nomeadamente, com os profissionais de enfermagem. Sendo os cuidados de enfermagem caracterizados por uma interação entre enfermeiro e utente, com o estabelecimento de uma relação de ajuda, a promoção da saúde assume-se como um objetivo fundamental da prática de enfermagem. Como promotores de saúde, estes profissionais devem por isso realizar um esforço consciente e sustentado nos seus locais de trabalho, para uma efetiva promoção e apoio do aleitamento materno.

Os enfermeiros têm um papel especialmente importante na promoção, proteção, suporte e sucesso do aleitamento materno:

- devem atuar no período pré-natal, parto, pós-parto e enquanto durar a amamentação;

- os períodos de atuação mais importantes são: o momento a seguir ao parto, na chegada a casa e, no período em que ocorre o estabelecimento da lactação (quinze dias a três a quatro semanas a seguir ao parto);

- nas consultas pré-natais devem dar especial atenção às primíparas e às multíparas que tiveram insucesso em processos anteriores;

- nestas consultas devem fornecer ao casal informação escrita sobre: vantagens do aleitamento materno e desvantagens da introdução precoce de leites artificiais;

- devem iniciar a educação para a saúde, relacionada com o aleitamento materno, durante a infância e, quando a criança entra para a escola, devendo ser-lhe dada oportunidade de visualizar a prática da amamentação, para que se possa familiarizar desde muito cedo com a mesma;

- nas sessões de promoção do aleitamento, e/ou sempre que possível, devem incluir: a mãe, o pai, os avós, outros familiares significativos para os pais.

Junto da mãe:

- Realizar todos os esforços para garantir a tomada de decisão de amamentar, fundamentada numa informação correta e adequada;

- Transmitir informações para melhorar a prática da amamentação;

- Proporcionar orientações e conhecimentos técnicos, demonstrando interesse pela prática da amamentação, criando um clima afetivo com o binómio mãe-filho, pois os profissionais de saúde, por meio das suas atitudes e práticas, podem influenciar positiva ou negativamente o início da amamentação e a sua duração;

- Ajudar a mãe a iniciar a amamentação precocemente, a fim de aumentar a sua auto- confiança;

- Desenvolver ações de apoio à amamentação, abordando as vantagens do aleitamento materno e do seu real significado. Quando se faz esta promoção do aleitamento materno, deve-se pôr ênfase no prazer e não no dever, uma vez que estamos numa sociedade hedonista;

- As orientações fornecidas pelas diferentes profissionais de saúde não devem ser diferentes nem contraditórias, pois isso só iria aumentar a ansiedade e a angústia materna;

- Têm a função de garantir uma escuta ativa de cada mãe; isto é, ouvi-la, entendê-la, responder às suas dúvidas e esclarecê-la sobre as suas crenças e tabus, de modo a transformar a amamentação num ato de prazer;

- Observar a dupla mãe-filho durante a mamada, para despiste de necessidades de apoio, havendo um guião proposto pela OMS/UNICEF;

- Acompanhamento da mãe, após a alta hospitalar, pelos enfermeiros que atuam nos programas de saúde familiar a nível dos cuidados de saúde primários;

- Fazer visitação domiciliária nos primeiros dias depois da alta, para despiste de crianças de risco, antes que percam peso excessivo;

- Promover o aleitamento materno junto das mães, apoiando-as e incentivando-as, mas nunca forçar a mãe a amamentar caso ela não deseje fazê-lo, nem culpabilizá-la se decidir não amamentar.

Junto da família:

- Valorizar o papel da família no aleitamento materno, procurando aliar-se a ela para obter melhores resultados junto da mãe da criança;

- Ouvir a família, saber as suas dúvidas e inseguranças em relação à amamentação;

- Conhecer o contexto histórico, social, cultural, afetivo, económico e espiritual em que a família está inserida, valorizando-o e desempenhando ações através do processo de interação com a família;

- Conhecer as expetativas e os medos da família, compreender as suas interações, de forma a elaborar um plano de cuidados adequado a cada utente.

Junto do pai:

- Tem a responsabilidade de promover a paternidade;

- Deve encorajar a presença do pai e incentivar a mãe a apoiar o envolvimento do pai nos cuidados prestados à criança;

- Nos programas de apoio e incentivo ao aleitamento materno incluir ações destinadas aos pais ou futuros pais, contribuindo assim para uma melhor alimentação dos recém-nascidos e latentes;

- Nas sessões pode motivar os pais para os benefícios do aleitamento materno, no sentido de: poder ajudar e apoiar a mãe a manter a amamentação; ajudar a resolver algumas dificuldades decorrentes da mesma; poder participar nas mamadas apoiando o bebé; partilhar a relação afetiva que geralmente se estabelece entre a mãe e o filho;

- Estabelecer uma comunicação eficaz, de forma a transmitir interesse e compreensão pelas preocupações do pai. Permitir que os pais exteriorizem os seus medos e dúvidas, de forma a ajudá-los a adquirir confiança na sua capacidade de amparar a mãe e o filho.

Junto dos avós

- Incentivar os avós, sobretudo as avós, a exporem as suas crenças, experiências e dúvidas em relação à amamentação e fornecer novas informações, para que fiquem mais preparadas para ajudarem e apoiarem as suas filhas ou noras;

- O programa de promoção deve ser adequado ao contexto cultural da população alvo.

A equipa de enfermagem deve aproveitar todas as oportunidades para promover a amamentação, ensinando medidas facilitadoras da manutenção do aleitamento materno.

Bibliografia
Direção-Geral da Saúde & Mama Mater (2013) – Registo do Aleitamento Materno. Disponível na web em http://www.dgs.pt/upload/membro.id/ficheiros/i019070.pdf.
National Institute for Health and Clinical Excellence (2008) – Maternal and child nutrition. Disponível na web em http://publications.nice.org.uk/maternal-and-child-nutrition-ph11.
Saraiva, H. (2010), Aleitamento Materno – Promoção & Aleitamento, Lisboa: Lidel.
Sociedade Portuguesa de Pediatria (2012), Alimentação e Nutrição do Lactente. In Acta Pediátrica Portuguesa Vol. 43, Nº 5, setembro – abril 2012 - Suplemento II. Disponível na web em http://www.spp.pt/UserFiles/file/Protocolos/Alimentacao_Nutricao_Lactent....
Weimer, J. (2001), The Economic Benefits of Breastfeeding: A Review and Analysis. In Food and Rural Economics Division, Economic Research Service, U.S. Department of Agriculture. Food Assistance and Nutrition Research. Report No. 13. Disponível na web em http://www.ers.usda.gov/publications/fanrr-food-assistance-nutrition-res....

Nota: Este artigo foi escrito pelos autores ao abrigo do novo acordo ortográfico

Nelson Odilon, Enfermeiro Especialista em Saúde Materna e Obstetrícia, ACES Entre Douro E Vouga II, [email protected]

Pedro Quintas, Enfermeiro Especialista em Saúde Comunitária, ACES Baixo Mondego, [email protected]

Autor: 
Pedro Quintas e Nelson Odilon
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico e/ou Farmacêutico.
Foto: 
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