O uso da chupeta no recém-nascido
Revisão histórica
Os primeiros textos sobre “bicos” diziam respeito a “bicos” mamários e foram encontrados no papiro médico de Ebers (Séc. XIV aC) e representavam vasos antropomórficos que mostravam a eventual prática de aleitamento artificial no Egipto1. Posteriormente, escavações arqueológicas na Grécia, na Itália (4000 aC) e no Egipto (888 aC), encontraram utensílios semelhantes a biberões2.
Contudo, a primeira referência à chupeta surgiu no fim do século XV, por Metlinger (1473)3. Mas foi Albrecht Durer que em 1506 representou pela primeira vez uma espécie de chupeta na tela Madonna with a Siskin, que consistia num pedaço de pano (linho trançado) amarrado em forma de chumaço onde se podia colocar no seu interior alimentos (pão, grão, gordura, carne ou peixe) ou era embebido em liquido doce (mel), alcoólico (brandy) ou em opiáceos, utilizada para acalmar e nutrir as crianças “fazendo-as dormir”3. Estas eram bastante grandes para que as crianças não as pudessem engolir e possuíam uma ponta para serem atadas à roupa da cama ou ao berço e não como actualmente à roupa do recém-nascido (RN)3.
Com o decorrer do tempo estas chupetas foram muito contestadas por serem anti-higiénicas e produzirem lábios grossos e bocas grandes. Mas foi muito mais tarde, em 1845, que surgiu a primeira patente de bico de borracha, nos Estados Unidos por Ellijah Pratt, fazendo lembrar a chupeta actual4. Esta demorou muito até ser aceite, devido ao mau sabor e cheiro que possuía. Inicialmente as chupetas eram constituídas por materiais primitivos e em várias peças, que facilmente se desagregavam, colocando em risco a saúde da criança. Estas foram evoluindo, com o intuito de proporcionar maior conforto e segurança. A borracha deu lugar ao latex, potencialmente tóxico, que não permitia a esterilização repetida e rompia facilmente. Actualmente é sobretudo o silicone que predomina, em peça única e com menor potencial alergénico. Existem em diferentes tamanhos e formas e os bicos podem ser longos/curtos e de formato redondo ou achatado. Mais recentemente, meados do século passado, surgiram as chupetas ortodônticas, mais fisiológicas e teoricamente (pois mesmo isto é controverso) mais adaptáveis ao palato, reduzindo o seu efeito sobre a estrutura dentária, permitindo ainda uma respiração correcta (nasal).
O uso da chupeta
O uso da chupeta está largamente difundido na nossa população, pelos aparentes benefícios que produz e pelo seu baixo custo e facilidade de compra. Esta prática depende de hábitos culturais e de práticas sociais, sendo poucas as crianças que não fizeram ou fazem o seu uso. A motivação para os pais é sobretudo a sensação de conforto e calma que transmite à criança, associada à insegurança e inexperiência dos mesmos no acto de cuidar e amamentar o filho. Outros aspectos referidos pelos pais para o uso da chupeta são o facto de evitar a sucção dos dedos, o aspecto de “beleza” pela sua utilização, a influência dos media e a conduta de alguns profissionais, com orientações inadequadas, por desconhecimento dos benefícios/malefícios do seu uso.
As vantagens/desvantagens do uso da chupeta
Para muitos autores as vantagens do uso da chupeta são indiscutíveis, referindo sempre o efeito calmante/analgésico, o auxilio na indução do sono e o efeito protector contra a morte súbita. Para muitos outros os contras são igualmente importantes, alguns afirmam mesmo que o seu uso deve ser o último recurso. Das desvantagens salientam-se:
- O desmame precoce e dificuldade na amamentação, pela “confusão do mamilo”, traduzido pela técnica de sucção ser totalmente diferente quando é feita no seio da mãe e na chupeta;
- O facto do eventual efeito calmante da chupeta poder/dever ser substituído pelos pais por carinho, colo, falar/cantar, amamentar, entre outros;
- Má oclusão dentária, com deformação na arcada dentária e alterações na mastigação, além de atraso na fala, dado que a chupeta ocupa a cavidade oral, limitando o balbucio, a imitação de sons e a emissão de palavras, levando a uma vocalização distorcida e alterações emocionais;
- Alteração da postura e tonicidade dos músculos da boca, com o lábio superior encurtado, o inferior flácido e evertido, bochechas híper/hipotonificadas e caídas e língua hipotónica;
- Alterações respiratórias, com uma expiração prolongada, podendo reduzir a oxigenação e frequência respiratória;
- Maior frequência de candidíase oral, pela falta de higiene;
- Está associada a maior número de episódios de otites médias agudas;
- Está associada à cárie dentária quando o seu uso é feito com a colocação de produtos açucarados.
Faz sentido o uso da chupeta actualmente?
O uso da chupeta começou a ser questionado nos anos setenta do passado século quando começou o movimento de incentivo ao aleitamento materno. Sendo desaconselhado sobretudo em crianças amamentadas, enquanto a lactação não estiver bem estabelecida.
Isto parece dever-se ao facto da sucção para o RN ter apenas dois tipos de significados, a obtenção das necessidades nutricionais e alimentares (sucção nutritiva) e o consolo (sucção não nutritiva). Dado que o RN que usa a chupeta tem mais dificuldade para extrair o leite da mama por poder fazer “confusão de sucção” provocada pelas diferenças fisiológica de sucção da chupeta (sucção negativa) e do seio (movimento de ordenha), pode levar à diminuição do número de mamadas diárias, levando a uma menor estimulação e produção de leite e, por inerência, a necessidade de eventual introdução de suplemento. A diminuição de estimulação parece advir do facto de a sucção da chupeta activar a salivação e a deglutição, enviando informações erradas ao sistema funcional da alimentação, produzindo a sensação de saciedade, disfarçando assim uma possível fome ou sede.
Instituições como a OMS e a UNICEF, são peremptórias ao desaconselharem o uso da chupeta, quando no ponto nove das medidas para o sucesso da amamentação e para atribuição de centros de reconhecimento de apoio ao aleitamento materno afirmam isso mesmo: “não dar tetinas ou chupetas a crianças amamentadas ao peito”5. Outras entidades, como a Academia Americana de Pediatria (AAP) e a Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP) partilham da mesma opinião, mas admitem a sua introdução quando o aleitamento estiver bem estabelecido. Assim, a AAP desaconselha o seu uso no primeiro mês de vida, enquanto a SPP diz que “não deve ser oferecida nas primeiras semanas de vida”. Contudo, ambas estão de acordo da importância do seu uso no início do sono numa fase posterior, por reduzir o risco de morte súbita, apesar de se desconhecer os mecanismos envolvidos nesse processo.
Em síntese, cabe aos profissionais de saúde, em particular aos enfermeiros, esclarecerem os pais de todos os benefícios/malefícios do uso da chupeta para que estes possam decidir de forma livre e consciente do uso ou não da chupeta. Quando optarem pelo uso, ter em conta que este é recomendado quando a amamentação estiver bem estabelecida. Este facto depende de criança para criança, mas nunca acontece antes dos quinze dias de idade e deve iniciar-se de forma progressiva a retirada para terminar antes dos dois anos de idade, porque o crescimento ósseo está concluído sensivelmente nesta idade e é importante que o seu uso já esteja terminado para evitar uma arcada dentária indesejável e má oclusão dentária no final da fase de dentição primária.
Referências
1FERRAZ, AR; GUIMARÃES, H (2007). História da neonatologia no mundo. Revista da Sociedade Portuguesa de Pediatria, Secção de neonatologia.
2ICHISATO, SMT; SHIMO, AKK (2002). Revisitando o desmame precoce através de recortes da história. Revista Latino-americana de enfermagem. 10: 578-385
3TOSATO, JP; BIASOTTO-GONZALEZ, DA & GONZALEZ, TO (2005). Presença de desconforto na articulação temporomandibular relacionada com o uso da chupeta. Revista Brasileira de Otorrinolaringologia. 71:3. P. 365-368
4REA, MF (1990). Substitutos do leite materno: passado e presente. Revista de Saúde Pública. 24(3): 241-49
5LEVY, L; BÉRTOLO, H (2012). Manual do aleitamento materno. Comité Português para a UNICEF, Comissão Nacional Iniciativa Hospitais Amigos dos Bebés.