Tão útil quanto verificar a temperatura corporal ou a pressão sanguínea

O que as fezes têm a dizer sobre a sua saúde?

Chega de mudar de assunto: muitas doenças e problemas do organismo podem ser resolvidos se prestar mais atenção ao que deixa na sanita.

As fezes podem ser consideradas um assunto engraçado, desagradável ou tabu, mas na verdade deveriam ser levadas mais a sério. O aspecto das fezes – a sua cor, forma e consistência – pode reflectir a qualidade da alimentação, indicar falta de vitaminas e proteínas, e até mesmo alertar para a presença de alguma doença.

“Considerando que saúde não é apenas a ausência de doenças, mas sim a contínua sensação de bem-estar, podemos afirmar que saúde intestinal é fundamental para a saúde de todos os outros órgãos”, aponta Fernando Gomes Romeiro, professor de Gastroenterologia do Departamento de Clínica Médica na Faculdade de Medicina da Unesp (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho). Isso fica evidente quando há algum problema no intestino: pessoas com o intestino doente geralmente apresentam mudanças, inclusive de humor e de personalidade. Isso acontece porque é no intestino que temos a maior concentração de neurónios fora do sistema nervoso central – o que explica a dificuldade em manter qualquer sensação de bem-estar sem a saúde intestinal.

Por ser um assunto que a maioria das pessoas não se sente muito à vontade para discutir, não é raro que o problema cresça até ficar mais grave. “Se não conversamos sobre isso com quem gostamos, fica mais difícil falar com quem não conhecemos, então é comum que as pessoas sofram sozinhas com o problema”, diz o gastroenterologista Fernando Romeiro. O preconceito ou a vergonha acabam por somar-se ao desconhecimento da extensão de consequências que um intestino afectado pode causar. “Problemas intestinais podem afectar pele, cabelos, unhas, sangue, fígado, estômago e praticamente qualquer outro órgão”, diz Romeiro. “Por isso o diálogo sobre esse assunto deve ser sempre estimulado.”

Processo importante
As fezes nada mais são do que resíduos de alimentos não digeridos, bactérias da flora intestinal e produtos da descamação do nosso intestino que se renova diariamente. O processo começa quando o alimento entra na boca: a mastigação, a saliva, a contracção dos músculos gastrointestinais, as bactérias, o ácido clorídrico, as enzimas digestivas, a bile e outras secreções agem em conjunto num complexo processo que transforma a comida numa massa chamada quimo. Os nutrientes são absorvidos ao longo do tubo digestivo, enquanto as partes não aproveitadas seguem em frente até ao intestino grosso, onde se misturam com água e formam o bolo fecal, ou seja, os excrementos.

Se o processo seguir tranquilamente até ao final, é uma visita saudável à sanita. “Um intestino saudável, com bom funcionamento, é reflexo de bom funcionamento do aparelho digestivo como um todo, com a eliminação adequada dos resíduos sem problemas de acumulação”, explica Bruno Zilberstein, professor de cirurgia do aparelho digestivo do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). “É o que chamamos de equilíbrio orgânico adequado.”

Só em casa
O contrário, infelizmente, também é verdade. Ficar um bom tempo sem ir à casa de banho causa uma série de problemas desagradáveis, como dor abdominal, sensação de inchaço, irritabilidade, indisposição e alterações no apetite e no humor. Quem tem intestino preso ou prisão de ventre sabe bem como é. A obstipação intestinal – nome médico para o problema – acontece quando a pessoa evacua menos de duas vezes por semana ou quando o esforço para evacuar é demasiado grande e pouco produtivo.

As causas mais comuns costumam ser uma dieta pobre em fibras, pequena ingestão de líquidos, sedentarismo e consumo excessivo de proteína animal e de alimentos industrializados. O factor comportamental também entra na conta. Muitas pessoas não conseguem usar a sanita em locais públicos – muitas vezes porque se sentem desconfortáveis e constrangidas para fazer isso fora do ambiente acolhedor do lar. Os médicos avisam que é um péssimo hábito. Em primeiro lugar, quanto mais tempo os resíduos alimentares permanecem no intestino, mais secos e duros ficam - o que os torna mais difíceis de expelir. Segundo: com o tempo, o intestino acaba por acostumar-se e diminuindo a frequência de “visitas” ao WC. Portanto, aquela história de “não consigo ir à casa de banho fora de casa” pode acabar por criar um problema bem complicado.

Outros factores emocionais, como stresse, depressão e ansiedade também são capazes de interferir nos hábitos intestinais.

Quanto mais, melhor?
Não ir ao WC é mau, mas ir muitas vezes pode ser ainda pior. A diarreia é sinal de que os alimentos e os seus nutrientes estão a movimentar-se muito rápido pelo corpo e não estão a permanecer tempo suficiente no intestino - o que causa aumento do número de evacuações e a perda de consistência das fezes, que se tornam aguadas.

A causa mais comum da diarreia é a gastroenterite viral ou o vírus intestinal. Consumir água ou alimentos contaminados pode causar evacuações frequentes. Contudo, a diarreia pode ser sintoma de várias doenças, como úlcera gastrointestinal e alguns tipos de cancro, por isso é importante procurar assistência médica - especialmente se a diarreia não melhorar em um ou dois dias e se houver presença de sangue nas fezes.

Cor é tudo
Além da frequência de visitas ao WC, a cor, o formato e a textura das fezes também são importantes indicativos da saúde do intestino – e de todo o corpo.

As fezes normais devem ter coloração acastanhada e textura moldada e macia. Apesar de haver uma grande variação de tons conforme a dieta de cada pessoa, alterações muito grandes nesse padrão podem sinalizar problemas.

Pequenas bolinhas isoladas podem indicar falta de fibras na alimentação. A presença de sangue, muco e pus pode ser sinal de um intestino inflamado. Fezes compridas e finas são causadas por esforço excessivo, e se o problema persistir por semanas, pode indicar a presença de um cancro no reto, pois o tumor vai se expandindo e estreitando a cavidade do cólon. “Em todas essas situações que saem do padrão normal, é preciso procurar ajuda médica”, alerta Fernando Gomes Romeiro, do Departamento de Clínica Médica na Faculdade de Medicina da Unesp.

A cor também pode ser indicativa de que algo não está a funcionar bem. “Na maioria das vezes, a coloração está relacionada com o tipo de alimento, mas às vezes pode ser consequência de sangramento gástrico ou intestinal, doenças do fígado”, aponta Bruno Zilberstein, da Faculdade de Medicina da USP. “A perda de gordura nas fezes indica quadros de falta de absorção intestinal e infecções.”

A cor das fezes pode variar pontualmente, de acordo com a dieta. É o caso da ingestão de beterraba, que torna as fezes mais avermelhadas ou com um tom castanho mais escuro, por exemplo. Atenção, porém, para colorações que devem ser sinais de alerta. Se as fezes estiverem “pálidas”, por exemplo, pode ser sinal de que a vesícula não está a funcionar adequadamente, ou de que há presença de cálculos biliares. Se a cor for castanho-avermelhada, pode ser consequência de sangramento no trato digestivo inferior, um sintoma associado a cancro de intestino. Já fezes negras podem indicar sangramento no estômago ou no intestino delgado, provavelmente causado por uma úlcera.

Cuidando do intestino
Ter hábitos saudáveis reflecte-se directamente na saúde do intestino. Manter o órgão a funcionar adequadamente todos os dias, além de ser um “alívio”, também ajuda na imunidade, absorção dos nutrientes, produção de vitaminas e manutenção da saúde de todo corpo.

Para manter a saúde do intestino, é preciso, em primeiro, ter uma alimentação equilibrada, com ingestão de muitas fibras e pouca gordura. As fibras absorvem líquido e ajudam a formar o bolo fecal, que distende a parede do intestino e força a evacuação. Já as gorduras são mais difíceis de serem digeridas, exigindo muito do tubo digestivo.

A água também é essencial no processo. “Como o intestino grosso é responsável pela absorção de água, evitando que tenhamos grandes perdas de líquido pelas fezes, se a pessoa toma pouca água o intestino tem que tirar o máximo possível das fezes e estas podem ficar duras, levando a outros problemas”, explica o gastroenterologista Fernando Romeiro.

Existem hábitos que fazem toda a diferença, como não fumar (o cigarro é associado a várias doenças inflamatórias intestinais), comer devagar (a digestão começa na boca, e quanto mais tempo o alimento ficar na boca, mais é digerido e melhor a absorção de nutrientes no intestino) e também praticar exercícios físicos.

Os exercícios físicos aumentam os movimentos peristálticos, por libertar hormonas que activam o processo e ajudam na movimentação do bolo alimentar pelo sistema digestivo. “A actividade física, mesmo que de pouca intensidade, auxilia a propagação das fezes dentro do intestino. Do contrário, se ficarmos muito tempo parados, o intestino pode ter mais dificuldade pra fazer todo o trabalho sozinho”, diz Romeiro.

Tomando esses cuidados, é possível garantir o bom funcionamento do intestino e evitar muitos problemas de saúde. O seu organismo agradece.

Fonte: 
Diário Digital
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico e/ou Farmacêutico.
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