Opinião

O mesentério: novo órgão? Que implicações?

Atualizado: 
23/01/2017 - 12:18
A classificação do mesentério enquanto órgão do corpo humano poderá vir a permitir não só um maior conhecimento sobre diversas patologias digestivas e abdominais, bem com conduzir ao desenvolvimento de novas técnicas cirúrgicas menos invasivas, com menos complicações ou com uma melhor taxa de recuperação do paciente. Pelo menos, é o que esperam os investigadores que conduziram o estudo que permitiu a sua reclassificação. O especialista em gastrenterologia, Vítor Viriato, escreve sobre as implicações desta descoberta.

O mesentério, já conhecido há centenas de anos, foi inclusive descrito por Leonardo da Vinci como uma estrutura contínua e assim perdurou até 1885 quando os achados de Sir Frederick Treves o apresentaram como fragmentado e dividido entre o intestino delgado, o cólon transverso e o cólon sigmóide.

Esta descrição  corroborava Henry Gray que na 1ª edição de Gray,s Anatomy – livro de referência no estudo de Anatomia para os estudantes de todo o mundo - referia a existência de vários mesentérios.

Qual a função do mesentério?

O mesentério é uma membrana que fixa o intestino à parede abdominal. Se não existisse o intestino ligar-se-ia directamente à parede abdominal o que certamente não permitiria os seus movimentos de contracção e relaxamento. Mantém o intestino com a conformação que conhecemos e impede que, ao levantarmo-nos ou a caminhar, ele colapse na pélvis e não funcione.

Para além disso existem vasos sanguíneos, linfáticos e nervos que através do mesentério alcançam o intestino. É conhecido que tem importância nos sistemas vascular, endócrino e imunológico embora seja necessária mais investigação para um conhecimento detalhado dessas funções.

O órgão “mesentério”

As investigações de J. Calvin Coffey, Cirurgião do Hospital de Limerick na Irlanda permitiram reclassificar o mesentério como uma estrutura contínua (através de cirurgias várias e estudos post mortem), condição necessária para a sua classificação como órgão, estabelecendo a sua anatomia e demonstrando  que essa continuidade é real, embora não observável de todas as formas que o mesentério é exposto.

Essa investigação foi recentemente publicada ( The Lancet, Gastroenterology and Hepatology, Vol 1, nº 3, p238-247, Nov. 2016) tendo já sido solicitado que a próxima edição de Gray,s Anatomy se refira ao mesentério como um órgão, o que parece ter sido já aceite.

O mesentério tem então uma forma espiral no abdómen e está disposto ao longo da coluna entre a porção superior do abdómen e a pélvis. Entre estes dois limites adopta uma conformação em leque, tipo “leque Chinês”, englobando todo o comprimento do intestino desde o duodeno até ao recto.

Esta clarificação e simplificação na sua estrutura e anatomia permitirão uma melhor definição das suas funções, do que acontece quando funciona incorrectamente e das doenças que o afectam. 

Coffey espera que uma melhor compreensão do mesentério possa levar a formas menos invasivas para o avaliar já que presentemente apenas é acessível por via cirúrgica ou radiológica. 

Será  porventura a base para o desenvolvimento de técnicas endoscópicas menos invasivas para o seu estudo e o início de uma nova especialidade ou sub-especialidade médica que estude e trate as suas doenças de forma mais rápida e menos invasiva.

Autor: 
Dr. Vítor Viriato - Gastrenterologista Hospital Lusíadas Porto
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
ShutterStock e J Calvin Coffey/D Peter O'Leary/Henry Vandyke Cart/Reprodução