Mulheres que matam recém-nascidos não desejam gravidez
Mataram os filhos com menos de 24 horas de vida. Uma decapitou-o. Meteu-lhe a cabeça dentro de um saco de plástico e escondeu-a num lagar. Outra asfixiou-o, meteu-o num saco de plástico e escondeu-o num armário. A irmã encontrou-o volvido um mês. Outra infligiu-lhe lesões crânio-vasculo-encefálicas graves. E outra afogou-o. Primeiro, escondeu o cadáver num armário e depois atirou-o ao lixo.
Pouco se sabe sobre neonaticídios em Portugal, escreve o jornal Público. Um artigo publicado na última edição da revista Psiquiatria, Psicologia & Justiça – assinado por Catarina Klut Câmara (do Hospital Amadora-Sintra) Olindina Graça, Tiago Costa (ambos do Instituto Nacional de Medicina Legal) e Jorge Costa Santos (da Universidade de Lisboa) – sublinha a importância de se fazer diagnóstico precoce de gravidez, identificar sinais de stress, e garantir acompanhamento adequado.
Analisaram todos os processos tidos pela Unidade Funcional de Patologia Forense da Delegação Sul do Instituto Nacional de Medicina Legal entre 1 de Janeiro de 2001 e 31 de Dezembro de 2010. Os cinco casos de neonaticídio destetados correspondem a 1,13% de todos os homicídios autopsiados naquele período, 20% dos homicídios infantis, 2,96 por 100 mil nados-vivos.
É um crime de prevalência difícil de determinar, notam os autores. “É de admitir que um número indeterminado não tenha sido descoberto ou chegado ao conhecimento das autoridades.” Todas esconderam a sua condição. Nenhuma compareceu a consultas pré-natais ou comprou enxoval para o bebé. Nos quatro casos em que a informação está disponível, o parto ocorreu em casa, sem assistência.
Uma mulher temia a reação do pai, o julgamento dos vizinhos. Outra temia a reação do companheiro. Outra andava aflita com problemas financeiros e a incapacidade de comunicar com o companheiro. A principal motivação, porém, foi gravidez indesejada. Embora reduzida, a amostra revela dificuldade na comunicação, logo, no recurso à rede de apoio primário para interromper a gravidez . Duas ainda tentaram fazê-lo com medicamentos. Uma denegou a gravidez até ao bebé nascer.
A raridade de casos desta natureza "limita a aquisição de competências no seu manejo", notam no artigo publicado na revista editada pela Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Psicologia da Justiça. Uma possibilidade de reduzir o problema, defendem, seria concentrá-los em estruturas especializadas.