Moluscos bivalves
Este fenómeno é deve-se essencialmente a microalgas do grupo dos dinoflagelados. A maior parte são planctónicas e as suas toxinas atingem o Homem directamente através dos moluscos bivalves.
Diferente portanto do fenómeno das HABs ("proliferações de algas nocivas”), como exemplo as marés vermelhas, em que devido à proliferação maciça de microalgas, há uma alteração da cor da água.
Geralmente a água do mar não apresenta coloração diferente do que é normal quando o marisco está contaminado, nem o marisco apresenta odor, cor, ou sabor diferentes do marisco não tóxico. Para além disso, a cozedura ou a congelação também não diminuem o grau de toxicidade.
Devido à reduzida mobilidade dos bivalves, a sua contaminação é um fenómeno passível de ser monitorizado através de contagem microscópica das espécies tóxicas conhecidas na água do mar concentrado, em simultâneo com testes de toxicidade a uma amostra de animais de uma dada zona. Estes dados servem por sua vez para alertar para o perigo da apanha de marisco dessa mesma zona.
O Instituto Nacional de Investigação Agrária e das Pescas – IPIMAR (INIAP/IPIMAR) é a autoridade nacional competente para a classificação e controlo das zonas de produção de bivalves, e realiza a monitorização das microalgas tóxicas e de biotoxinas marinhas em moluscos bivalves.
Os bivalves são analisados periodicamente (semanalmente a quinzenalmente) no Laboratório Nacional de Referência de Biotoxinas Marinhas para a pesquisa de toxinas causadoras de intoxicação diarreica por marisco (DSP), intoxicação paralisante por marisco (PSP) e intoxicação amnésica por marisco (ASP), em simultâneo com a contagem das microalgas tóxicas na água do mar.
Quando estas são detectadas, a amostragem é intensificada de modo a prevenir que as toxinas atinjam valores susceptíveis de causar intoxicação nos consumidores.
A rede de amostragem cobre as zonas de produção, como estuários e lagoas, e bancos permanentemente submersos do litoral costeiro. Quando são detectados níveis de biotoxinas perigosos para a saúde humana, o INIAP/IPIMAR desencadeia a "Interdição da apanha e comercialização” dos bivalves afectados junto da autoridade marítima competente – Direcção Geral de Marinha, que através da Capitania do Porto local dá imediato conhecimento da situação por edital. Procedimento idêntico é seguido quando deixa de existir perigo para a saúde, desencadeando-se o "levantamento da interdição”.
Em Portugal existem casos confirmados de intoxicação por DSP e por PSP, mas não por ASP.
A intoxicação paralisante por marisco (PSP)
A paralytic shellfish poisoning (PSP) é reconhecida de há longa data devido à sua elevada taxa de mortalidade e tem uma distribuição mundial extremamente ampla. Nas regiões temperadas as principais algas produtoras são Alexandrium spp e Gymnodinium catenatum, enquanto nas regiões tropicais Pyrodinium bahamense var. compressu.
A intoxicação do tipo PSP caracteriza-se por um quadro neurológico.
O quadro ligeiro cerca de 5 a 30 minutos após o consumo, formigueiro ou dormência nos lábios, gengivas e língua. Segue-se dormência ou formigueiro nas extremidades dos dedos das mãos e pés, e nas 4 a 6 horas seguintes verifica-se progressão das mesmas sensações para os braços, pernas e pescoço, tornando os movimentos voluntários muito difíceis, e ainda uma sensação de flutuação.
O quadro extremo caracteriza-se por fraqueza muscular e dificuldade respiratória acentuada. A morte por paralisia respiratória pode ocorre desde algumas dezenas de minutos até algumas horas. A paralisia da musculatura respiratória torácica é a causa directa de morte por asfixia.
São necessários entre 1 a 4mg de PSP para causar a morte.
Apesar de ser estudada há relativamente bastante tempo não deixa de continuar a ser uma das principais intoxicações a forçar a introdução de programas de vigilância onde antes não existiam.
As principais toxinas são a saxitoxina e toxinas análogas. Hoje em dia conhecem-se mais de uma vintena de análogos da saxitoxina. Destas há 3 subfamílias que mundialmente têm sido encontradas com grande frequência: as toxinas N-sulfocarbamoiladas apresentam baixa toxicidade, as carbamato apresentam toxicidade elevada e as descarbamoiladas toxicidade intermédia.
O perfil de toxinas encontrado nos bivalves depende da espécie de alga ingerida e das biotransformações que o próprio bivalve realiza: as toxinas N-sulfocarbamoiladas são largamente convertidas nos seus análogos mais tóxicos – as carbamato
A intoxicação amnésica por marisco (ASP)
A amnesic shellfish poisoning (ASP) foi descoberta pela primeira vez em 1987 aquando de um surto de toxinfecções causado por mexilhões oriundos da costa nordeste do Canada, em que mais de uma centena de pessoas foram afectadas e registou-se a morte de três idosos.
Desencadeia um quadro gastrointestinal nas primeiras 24 horas: náuseas e vómitos, diarreia, cólicas abdominais.
Ou dentro de 48 horas um quadro neurológico: reacção à dor aguda diminuída, vertigens, alucinações, confusão e perda de memória temporária, de onde advém o nome desta intoxicação. Em pacientes idosos surgiram ainda lesões cerebrais, coma e morte.
O composto tóxico é um aminoácido invulgar: o ácido domoico (AD), produzido por uma diatomácea marinha Pseudo-nitzschia pungens.
A descoberta de uma diatomácea envolvida na produção de biotoxinas que afectam o Homem foi uma surpresa, e continua a ser uma excepção no protagonismo ocupado pelos dinoflagelados. Um pouco por todo o mundo têm vindo a ser identificadas outras algas produtoras de AD pertencentes ao mesmo género o que significa que o risco de intoxicações humanas está bastante disseminado.
A intoxicação diarreica por marisco (DSP)
A diarrhetic shellfish poisoning (DSP), apresenta exclusivamente um quadro gastrointestinal: diarreia, vómitos, dores epigástricas, dores abdominais, fraqueza muscular, cefaleias.
A diarreia pode surgir entre 1-2 horas até às 24 horas seguintes à ingestão, e a sua frequência pode chegar às 10 a 20 vezes por dia nos casos graves. Os sintomas cessam ao fim de três dias.
A DSP em humanos é provocada pela ingestão de bivalves contaminados tais como mexilhões, conquilhas, lingueirões, berbigões, amêijoas, vieiras ou ostras, já que as toxinas DSP lipossolúveis acumulam-se no tecido gordo dos bivalves.
Em Portugal os mexilhões e as conquilhas são os bivalves que atingem as concentrações mais elevadas de toxinas e também os que retêm a DSP por mais tempo.
No entanto, outras espécies têm também estado implicadas em intoxicações humanas.
As toxinas DSP são produzidas normalmente por dinoflagelados pertencentes ao género Dinophysis spp.. No entanto o género Prorocentrum também é responsável pela produção destas toxinas.
A produção de toxinas DSP pode variar consideravelmente entre espécies de dinoflagelados e entre tipos morfológicos regionais de uma espécie. O número de células de dinoflagelados por litro de água necessário para contaminar os moluscos é também variável.
A Europa é uma das regiões mundialmente mais afectadas pelo DSP, sendo o ácido ocadaico a principal toxina implicada, seguida da DTX1 e DTX2. O Japão parece ser também uma área bastante afectada.
Ocorrem níveis mais elevados desta toxina entre a Primavera e o Outono. O número de incidências de DSP, ou pelo menos a presença de toxinas DSP, parece estar a aumentar, e as algas produtoras de toxinas são frequentemente reportadas em novas áreas.