Dia Mundial do Coração

Meu coração, teu coração

Atualizado: 
17/12/2018 - 16:43
A evocação do dia mundial do coração é um pretexto anualmente revisitado para refletir sobre a problemática das doenças cardiovasculares. Este ano, a World Heart Federation (WHF) escolheu como lema “my heart, your heart” (“meu coração, teu coração”), instando a população mundial a comer de forma mais saudável, a fazer mais exercício e a não fumar. São verdades exaustivamente repetidas, mas ainda insuficientemente aplicadas na prática da vida de muitos.

Vivemos uma época de aparecimento quase diário de novos mitos que se propagam com uma velocidade e extensão desmesuradas. Sucedem-se atitudes que questionam frequentemente os resultados da ciência, ancoradas provavelmente no gosto pelo desafio ao politicamente correto e às verdades “oficiais”, suportadas na determinação inabalável de decisões autónomas e embaladas por culturas ditas alternativas. A informação para todos os gostos, disponível com apenas um clique tem alimentado uma nova iliteracia pseudo-culta e geralmente arrogante, que atinge segmentos socioeconómicos de níveis mais elevados, em contraste com a falta de informação esclarecida, tradicionalmente apanágio das camadas mais desfavorecidas. Assistimos, pasmados, à recusa a vacinas, à tentativa de desconstrução da sólida evidência científica dos malefícios do colesterol e de como combatê-lo, ao surgimento de miríades de suplementos alimentares sempre naturais, sempre benfazejos, mas sempre ou quase sempre não suportados por qualquer evidência científica. Entretanto, a mortalidade cardiovascular desceu 20% nas últimas décadas, como consequência direta da aplicação das múltiplas medidas de prevenção e tratamento e se as atitudes referidas fossem tomadas a sério por muitos, arriscaríamos a perder o já obtido.

Muito falta fazer e as doenças cardiovasculares continuam sendo a primeira causa de mortalidade (35.000 mortes por ano), mas o primeiro objetivo de todos os que nos interessamos por saúde cardiovascular tem que ser a consolidação do já conseguido. Cito, com exemplos, o tratamento do enfarte do miocárdio por intervenção coronária, a prevenção do AVC tromboembólico pela generalização da anticoagulação oral, o tratamento da insuficiência cardíaca, a identificação do risco de morte súbita e seu tratamento.

Nalgumas áreas, contudo, muito falta fazer. Tanto na hipertensão arterial como na elevação dos lípidos no sangue, o problema é conhecido e razoavelmente identificado, mas a agressividade terapêutica e sua proporcionalidade com o risco individual de cada doente tem ainda um grande caminho a percorrer até se atingirem os alvos terapêuticos previstos nas normas de orientação clínica internacionais e nacionais. Quanto à diabetes, situação verdadeiramente dramática pois calcula-se que atinja cerca de um milhão de portugueses dos quais só 700.000 estão até agora identificados, justifica uma ampla mobilização atendendo à catástrofe cardiovascular associada a esta doença (mais que duplica o risco cardiovascular) que tem uma mortalidade anual de 3% (homens) a 4% (mulheres), predominantemente por enfarte ou AVC.

Quanto à insuficiência cardíaca, situação pouco conhecida, mas cuja mortalidade é superior à da maior parte dos cancros, calcula-se que atinja 2.5 a 4% dos portugueses e também aqui a sua identificação e intuição de tratamento precoce á fundamental.

As boas notícias são que depois de vários anos de certa estagnação, surgiram recentemente tratamentos que acrescentam valor às terapêuticas prévias quer na insuficiência cardíaca quer na diabetes, com demonstração de diminuição da mortalidade cardiovascular em ambos os casos.

Entretanto, a recomendação da WHF para 2018 continua viva e a merecer adoção urgente: comer saudável, fazer exercício e não fumar.

Um bom ano de saúde cardiovascular para todos!

Autor:
Professor Victor Machado Gil
Coordenador da Unidade Cardiovascular do Hospital Lusíadas Lisboa
Presidente-eleito da Sociedade Portuguesa de Cardiologia

Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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