Médicos Sem Fronteiras já recuperaram quase mil crianças soldado no Sudão do Sul
A informação foi divulgada hoje por aquela organização internacional, que deu conta ainda que o stress pós-traumático, por exemplo, atinge 35% das crianças tratadas pela equipa de mais de 100 profissionais dos Médicos Sem Fronteiras (MSF). A depressão também é comum entre as antigas crianças-soldado, muitas têm ‘flashbacks’ e são assoladas por imagens recorrentes de momentos de combate.
Algumas das crianças consideram o suicídio ou automutilação.
“Para ajudar os nossos pacientes usamos técnicas de relaxamento, para tratar sintomas como a ansiedade e o medo. Tentamos fortalecer os mecanismos de resistência e resiliência. Fazemos atividades de grupo e educação psicológica, discutimos assuntos específicos e organizamos atividades de lazer como jogos de futebol e pintura”, lê-se num documento dos MSF, hoje divulgado.
São já 983 as crianças desmobilizadas pelo projeto dos MSF, no terreno há um ano, desde fevereiro de 2018, centrando-se na região de Yambio, no sudoeste do Sudão do Sul. Segundo dados da Unicef, citados pelos MSF, estas quase mil crianças representam cerca de um terço das 3.100 já desmobilizadas em todo o país.
Têm entre 10 e 19 anos e a maioria foi raptada a caminho da escola ou dos campos agrícolas onde trabalhava antes de serem forçadas a serem soldados.
O objetivo é a sua reintegração na comunidade a que pertencem, e se é verdade que isso foi possível para a maioria, segundo os MSF, também há casos de crianças que não conseguiram voltar para as suas famílias, seja porque estas morreram no conflito, seja porque foram deslocadas e não conseguem encontrá-las. Há aquelas que já regressaram à escola, que estão a trabalhar na agricultura, e até as que já se casaram. Há também casos de rejeição.
“Algumas são vistas como um fardo. Nas comunidades em que o conflito teve um impacte significativo, algumas crianças foram rejeitadas e receiam nunca virem a ser aceites”, lê-se no documento dos MSF.
Aquelas que lidam com maiores dificuldades chegam a ponderar voltar a ser soldado e a juntar-se a um grupo armado, não pela pertença a esse grupo em si, mas por ser um meio de acesso a melhores recursos e serviços. Conseguir que regressem à escola é “muito gratificante” para os profissionais que participam no projeto, mas também para as crianças, que acabam por sentir que são parte ativa da sua comunidade.
“As pessoas perguntam se a recuperação é possível. Sim, de facto é. Vemos crianças e adolescentes que passaram por enormes dificuldades e traumas, mas que estão ansiosas por se tornarem membros produtivos das suas comunidades. [..] A maioria destas crianças quer casar, ter um trabalho e regressar para as suas famílias. O processo terapêutico permite-lhes atingir esses objetivos”, lê-se no documento.