Ladrão silencioso da visão afeta 150 mil portugueses
Com uma incidência de 1 a 2% em toda a população mundial, o glaucoma é considerado como a principal causa de cegueira não reversível em todo o mundo. Em Portugal afeta cerca de 150 mil pessoas e estima-se que em cada 3 doentes apenas 2 estejam diagnosticados.
“O glaucoma é uma neuropatia ótica degenerativa, ou seja, uma doença degenerativa do nervo ótico, que leva a alterações progressivas e irreversíveis do campo visual”, começa por explicar António Figueiredo, coordenador do Grupo Português de Glaucoma da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia.
A hipertensão ocular é tida como a principal causa, havendo, no entanto, outros fatores de risco. “Tensão ocular elevada, não detetada e não controlada, vai conduzir com o tempo ao aparecimento da doença”, refere o especialista apontando ainda a idade e a existência de familiares diretos com glaucoma como fatores que podem condicionar o desenvolvimento da doença.
“A probabilidade de ter a doença aumenta com a idade, começando a ter incidência significativa a partir dos 45-50 anos. Mas pode aparecer em qualquer altura”, acrescenta o médico oftalmologista, tendo em conta os glaucomas não são todos iguais.
Existem dois grandes tipos de glaucoma, o mais frequente chamado de ângulo aberto e o outro, menos comum chamado de ângulo estreito, ambos relacionados com o espaço “livre” existente na parte interior do olho, entre a íris e a córnea. “Os ângulos estreitos podem impedir a circulação do líquido intra-ocular (o humor aquoso) e causar um tipo particular de glaucoma, o glaucoma agudo, de início abrupto, muito doloroso e grave se não houver tratamento rápido e adequado”, explica António Figueiredo.
Embora menos frequente, sabe-se que este tipo de glaucoma ocorre em 25% dos casos, sendo responsável por cerca de metade dos casos de cegueira.
É assim, por comparação com o glaucoma de ângulo aberto, mais grave causando maior morbilidade.
Também menos frequentes, ou até mesmo raros, são os casos de glaucoma congénito “que pode manifestar-se logo no recém-nascido” e de glaucoma juvenil.
Por outro lado, a doença pode ocorrer como complicação de outras doenças oculares, dando origem a glaucomas secundários.
“À exceção do glaucoma agudo, hoje relativamente raro, as formas mais frequentes de glaucoma são completamente assintomáticas na fase inicial”, alerta o coordenador do Grupo Português de Glaucoma da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia.
Nas formas mais avançadas, tal como explica o especialista, “começam a aparecer perturbações várias na visão, que correspondem à perda de campo visual”.
“Por último, a evolução natural da doença pode levar a grande restrição visual ou mesmo à cegueira”, refere quanto à sua sintomatologia.
Tendo em conta tratar-se de uma doença progressiva e irreversível, é fundamental o diagnóstico precoce para evitar o agravamento dos sintomas. “A oftalmologia possui métodos clínicos e exames complementares sofisticados que permitem detetar a doença muito antes de ela dar sintomas, prevenindo com tratamento adequado a sua progressão”, revela o clínico.
Tratamento não cura mas evita progressão da doença
O primeiro passo para o diagnóstico é a medição da tensão ocular. “Valores adequados ou suspeitos, conjugados com outros dados de observação, levam a que sejam realizados exames auxiliares de diagnóstico: gonioscopia, paquimetria, estudo dos campos visuais assistido por computador (PEC) ou exames tomográficos específicos (OCT)”, descreve António Figueiredo explicando que o exame clínico é fundamental uma vez que, em alguns glaucomas, a tensão ocular pode ser aparentemente normal.
“Não existe, infelizmente, nenhuma cura para o glaucoma, no sentido de erradicar a doença ou devolver a visão perdida”, afirma.
Deste modo, o objetivo da terapêutica é evitar a progressão da doença. “No caso do glaucoma agudo, a deteção precoce do chamado ângulo estreito permite prevenção muito eficaz por laser – por isso ele é hoje bastante mais raro entre nós”, explica o oftalmologista.
O tratamento pode consistir na utilização de medicação específica (as mais utilizadas são as gotas oftálmicas), no recurso a tramentos de laser ou cirurgia.
No entanto, nem sempre é necessário o tratamento cirúrgico. “Em geral é usado em 3 situações: quando os medicamentos falham no controlo da tensão ocular, quando os doentes não toleram a medicação (por alergia ou contra-indicações, por exemplo) ou quando não cumprem o tratamento e a doença continua a avançar, o que não é tão raro como possa parecer”, explica o especialista advertindo, no entanto, que também a cirurgia não oferece uma cura efetiva.
“Recordo que, ao contrário do que por vezes se pensa ou é sugerido, a cirurgia não cura o glaucoma. Ela faz o mesmo que os outros tratamentos: baixa a tensão ocular, que é a forma comprovadamente mais eficaz de controlar a doença”, justifica.
De acordo com o especialista, a cirurgia comporta alguns riscos uma vez que se trata de uma técnica invasiva e mais agressiva. “No entanto, as modernas técnicas microcirúrgicas, com recurso a microimplantes, são muito mais seguras e certamente o seu uso tenderá a aumentar”, assegura.
António Figueiredo termina deixando um conselho: "se tem mais de 45 anos e nem sabe a sua tensão ocular, se tem familiares com glaucoma, proteja a sua visão”.