Doença Inflamatória Intestinal

Inflamação crónica do trato digestivo afeta cerca 15 mil portugueses

Atualizado: 
21/10/2020 - 11:22
Dor abdominal, diarreia e perda de peso são os sintoma mais frequentes da Doença Inflamatória Intestinal, uma inflamação crónica do tubo digestivo cuja prevalência tem vindo a aumentar nos últimos anos. O gastroenterologista Vítor Viriato explica tudo o que precisa saber sobre o tema.

O termo Doença Inflamatória Intestinal (DII) descreve um grupo de doenças em que o intestino está cronicamente inflamado.

Há, essencialmente, dois tipos principais de DII: a Colite Ulcerosa e a doença de Crohn. Enquanto a Colite Ulcerosa atinge apenas o intestino grosso ou cólon, a doença de Crohn por sua vez pode atingir qualquer segmento do tubo digestivo desde a boca até ao anus. No entanto, o mais frequente é atingir a porção terminal do intestino delgado ou o cólon (ou ambos).

A DII tem habitualmente um curso de exacerbações e remissões. Quando há inflamação severa a doença considera-se activa e o doente tem um acesso de sintomas. Quando a inflamação é pouco activa ou inexistente a pessoa não tem sintomas e diz-se estar em remissão.

O que provoca a DII?

A causa da DII é desconhecida. Pensa-se que existirá um agente ou combinação de agentes – bactérias, vírus, antigénios - que desencadeiam uma resposta imunológica que produz uma reacção inflamatória no intestino.

Os estudos mais recentes mostram haver uma combinação de factores hereditários, genéticos e ambientais que levam ao surgimento da DII. Independentemente da causa, a reacção inflamatória continua a atingir sem controle a parede intestinal e leva ao aparecimento dos sintomas, os mais frequentes dos quais são a dor abdominal e a diarreia.

Quais são os sintomas de DII?

Tal como em outras doenças crónicas, uma pessoa com DII tem períodos de recrudescimento dos sintomas e períodos de remissão em que os sintomas desaparecem voltando ao seu estado de saúde normal. Os sintomas variam de ligeiros a severos dependendo muito da porção do tubo digestivo que se encontra envolvida. Indicam-se os mais frequentes:

  • Colicas e dor abdominal
  • Diarreia (por vezes com sangue)
  • Urgência para defecar
  • Febre
  • Emagrecimento
  • Perda de apetite
  • Anemia por défice de Ferro (devido ao sangramento)

A DII pode levar a complicações?

A DII pode levar a algumas complicações nos intestinos incluindo:

  • Hemorragia abundante devido às úlceras
  • Perfuração ou ruptura intestinal
  • Estreitamento – chamado estenose - e obstrução intestinal (exclusivo na doença de Crohn)
  • Fistulas e doença peri-anal (muito mais comum na doença de Crohn que na Colite Ulcerosa)
  • Megacólon tóxico (dilatação extrema do cólon, situação de grande gravidade e mais associada com a Colite Ulcerosa que com a doença de Crohn)
  • Má nutrição

A DII, particularmente a Colite Ulcerosa , também aumenta o risco de Cancro de cólon. A DII pode levar a sintomas noutros órgãos – manifestações extraintestinais - nomeadamente artrite, doenças da pele, inflamações dos olhos, figado e rim ou osteoporose. De todas estas manifestações a mais frequente é a artrite.

Como se diagnostica a DII?

O diagnóstico da DII baseia-se na avaliação dos sintomas e de variados exames que o médico pode solicitar:

Exames de fezes: para excluir doenças bacterianas, víricas ou parasitárias, para ver se contêm sangue não visível a “olho nu” ou se há sinais de inflamação no intestino.

Análises de sangue, nomeadamente hemograma que poderá sugerir a presença de inflamação se houver aumento dos glóbulos brancos ou anemia se o valor da hemoglobina estiver baixo..

Outras análises de sangue, como ionograma, e marcadores de inflamação, como a velocidade de sedimentação ou a proteina C reactiva, que podem dar indicações sobre a severidade da doença. Os níveis de anticorpos pANCA costumam também estar elevados na Colite Ulcerosa. Por fim poderão também ser solicitadas análises para excluir doenças sexualmente transmitidas.

Ecografia abdominal, TAC e Ressonância Magnética são também frequentemente utilizados no diagnóstico de DII.

Colonoscopia: O colonoscópio, um tubo flexível com luz e uma câmara permite visualizar o intestino grosso (recto e cólon) e procurar a presença de inflamação sangramento ou úlceras, bem como determinar a  extensão da doença e efectuar biópsias.

A endoscopia alta pode também ser usada em doentes com queixas de náuseas, vómitos e dor já que na doença de Crohn cerca de 10% dos doentes apresenta alterações no estomago ou duodeno.

A enteroscopia por cápsula pode ser útil para diagnosticar a doença de Crohn do intestino delgado. Consiste na visualização deste segmento digestivo por uma pequena cápsula com uma câmara que é deglutida pelo doente e envia as informações para um receptor que a pessoa leva num cinto. No final do procedimento as imagens são passadas para um computador e a cápsula é normalmente excretada pelas fezes.

Como se trata a DII?

O tratamento da DII envolve uma combinação de cuidados gerais, nomeadamente alimentares e terapêutica médica.

Cuidados gerais

Embora esteja comprovado que nenhuma dieta previne ou trata a DII, há algumas alterações nos hábitos alimentares que são úteis. Dependendo dos sintomas poderá ser necessário reduzir a quantidade de fibras ou de leite e derivados na alimentação.

A dieta com poucos resíduos (pouca fibra) permite controlar melhor a diarreia e a dor abdominal, por exemplo.

Outro aspecto com importância é aprender a lidar melhor com o “stress”, o qual pode agravar os sintomas. A meditação, o exercício físico e a participação em grupos de apoio com outras pessoas com o mesmo problema são de reconhecida utilidade sob este ponto de vista.

Terapêutica Médica

O seu principal objectivo é a supressão da resposta inflamatória a nível da parede intestinal, levando ao desaparecimento dos sintomas de diarreia e dor abdominal. Depois destes sintomas se encontrarem controlados o foco passará a ser a redução do número de crises e a manutenção em remissão

Os médicos usam no tratamento destas situações uma abordagem por etapas usando inicialmente os medicamentos menos agressivos, passando para outros de outro patamar se os primeiros falharem. Usam-se inicialmente os aminosalicilados (Sulfasalazina, Mesalamina, Olsalazina)  que podem ser administrados por via oral, como supositórios ou como enemas. São úteis no alívio dos sintomas e na manutenção em remissão.

Podem ser também receitados para alívio sintomático anti-espasmódicos, inibidores da bomba de protões ou anti-diarreicos (não se deve nunca iniciar um anti-diarreico sem conselho médico, na DII). Na doença de Crohn com manifestações peri-anais é frequente receitar-se antibióticos.

Se os primeiros medicamentos não são suficientemente eficazes passa-se ao degrau seguinte que é a prescrição de corticosteróides, agentes antiinflamatórios potentes, de rápida actuação que proporcionam rápido alívio sintomático, mas que devido aos efeitos laterais associados com o seu uso prolongado só devem ser usados no tratamento das crises e nunca na manutenção em remissão. Se os corticóides falharem ou forem necessários por longos periodos de tempo usam-se os medicamentos de tipo imunosupressor que não são úteis nas crises, já que demoram 2 a 3 meses a iniciar seus efeitos. São exemplos destes medicamentos a Azatioprina, 6 – mercaptopurina ou o Metotrexato .

Os medicamentos Biológicos, último degrau da escalada terapêutica, são anticorpos que têm como alvo determinadas proteínas que causam inflamação e usam-se no tratamento da doença moderada a grave quando as medicações standard foram ineficazes. Alguns dos utilizados são o Infliximab, o Adalimumab, o Natalizumab, o Vedolizumab ou o Ustekinumab.

Terapêutica Cirúrgica na DII: Quando?

Apesar de haver tratamentos eficazes tanto para a doença de Crohn como para a colite ulcerosa pode acontecer que não se consiga a  remissão e os sintomas se tornem persistentes e duradouros levando o médico a discutir com o paciente a possibilidade de cirurgia. Nesse caso a cirurgia seria apresentada como uma alternativa para trazer a doença sob controle.

Outro fator que pode trazer a discussão acerca da cirurgia é o caso de uma complicação da doença que não tem como ser tratada efetivamente com o uso de medicamentos. Um exemplo pode ser a oclusão intestinal na doença de Crohn.

As causas que mais frequentemente levam à Cirurgia na doença de Crohn são:

Persistência (resistência) dos sintomas, mesmo com terapêutica médica;

  • Complicações como abscessos e fístulas que não se cicatrizam;
  • Estenoses  com sintomas obstrutivos;
  • Megacólon tóxico;
  • Hemorragia (sangramento);
  • Cancro do intestino.

Na Colite Ulcerosa o recurso à Cirurgia faz-se nas seguintes situações:

  • Persistência (resistência) dos sintomas apesar da terapêutica médica;
  • Intolerância à terapêutica médica;
  • Perfuração do cólon;
  • Desenvolvimento de megacólon tóxico;
  • Hemorragia (sangramento);
  • Aparecimento de displasia, que pode levar a cancro, ou aparecimento de cancro.

Se uma criança ou adolescente tem colite ulcerosa (ou doença de Crohn) e não se está a desenvolver  normalmente a cirurgia pode ser necessária.

A DII tem um curso clínico imprevisível variando o grau e o tipo de sintomas entre doentes. São situações crónicas e de natureza recidivante, tornando-se essencial, por estes motivos, o estabelecimento de uma boa relação entre o doente e o médico que o segue.

De igual modo a pertença a grupos de suporte onde possa partilhar a sua experiência com outras pessoas com problemas semelhantes pode ser importante na sua atitude perante estas situações.

Autor: 
Dr. Vítor Viriato - Gastroenterologista Hospital Lusíadas Porto
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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