Infecção urinária na criança
Até ao primeiro ano de vida há um predomínio das infecções urinárias no sexo masculino e a partir desta idade tornam-se mais frequentes no sexo feminino por razões anatómicas, já que as meninas têm uma uretra mais curta, facilitando a passagem de bactérias do exterior para o interior da bexiga. No sexo masculino, a fimose (aperto do prepúcio, que é a pele que envolve a extremidade do pénis), ou as aderências do prepúcio associadas a uma higiene deficiente desta região, podem também favorecer as infecções urinárias por via ascendente, mas em número inferior às que afectam as meninas.
As infecções urinárias englobam um grupo de situações em que há um crescimento significativo de colónias de microrganismos no aparelho urinário. Estes agentes são, na sua maioria, bactérias que colonizam o intestino e que sobem pelo aparelho urinário até à bexiga ou até ao rim causando infecção. No entanto, as infecções urinárias podem surgir de duas formas distintas, uma através de bactérias que contaminam o sangue e infectam secundariamente o aparelho urinário (via hematogénea), e outra, mais frequente, a partir de bactérias presentes na região do períneo (zona que rodeia o ânus e os genitais), que a partir da abertura da uretra infectam outras zonas do aparelho urinário (via ascendente).
A primeira forma de infecção (via hematogénea) é característica do 1º mês de vida, enquanto depois dessa idade a grande maioria das infecções urinárias se faz por via ascendente. A possibilidade de infecção por via ascendente está associada não só a deficiente higiene do períneo (onde se encontram microrganismos da flora intestinal transportados nas fezes), como a proliferação de bactérias se existem condições que facilitam a permanência prolongada da urina na bexiga (tais como o esvaziamento pouco frequente ou incompleto da bexiga ou a existência de anomalias do aparelho urinário).
Sintomas
Os sintomas são variáveis e frequentemente inespecíficos, tornando-se mais específicos à medida que aumenta a idade da criança, nomeadamente na sua capacidade de localização da infecção à bexiga (cistite) ou ao rim (pielonefrite). Na criança mais velha e no adolescente a sintomatologia é perfeitamente sobreponível à descrita para o adulto e com alguma facilidade permite distinguir a localização da infecção.
Assim, no caso de a infecção estar confinada à bexiga os sinais e sintomas mais frequentes são: dor e ardor ao urinar, urinar às "pinguinhas”, dor ou desconforto abdominais, incontinência, emissão de urina com cheiro ou impossibilidade de controlar a saída da urina (enurese). Para dificultar o quadro, as meninas têm frequentemente irritação da região genital (vulva), que pode causar também ardor durante a micção sem que haja infecção. Se a infecção se localizar no rim podem estar presentes sintomas como: febre elevada, náuseas e vómitos, mal-estar geral, dor lombar e ocasionalmente diarreia.
No recém-nascido e nos lactentes torna-se praticamente impossível identificar queixas como a dor ou o ardor ao urinar pelo que suspeita-se da infecção urinária na presença de febre, gemido, vómitos, recusa alimentar, irritabilidade ou perda de peso.
Factores de risco
São vários os factores de risco, sendo o principal o facto de pertencer ao sexo feminino. Nas raparigas as infecções urinárias ocorrem frequentemente no início do treino vesical, ou seja, quando a criança começa a deixar as fraldas. Nesta fase há uma tentativa de reter a urina para permanecer seca, contudo, a bexiga pode apresentar contracções originando um fluxo urinário turbulento ou um incompleto esvaziamento da mesma. Deste modo aumenta a probabilidade de multiplicação de agentes infecciosos na urina e, portanto, de infecção urinária.
Outros factores de risco são a não circuncisão dos rapazes, a colocação de algália ou da realização de exames complementares de diagnóstico, a obstipação que causa uma disfunção do esvaziamento de urina, higiene dos genitais feita de trás para a frente nomeadamente nas raparigas ou a utilização de roupa interior apertada.
Também a patologia do aparelho urinário com obstrução à passagem do fluxo urinário ou no refluxo da urina que se encontra na bexiga para o rim, a bexiga neurogénica com disfunção do funcionamento do músculo da bexiga.
Diagnóstico
O diagnóstico é feito após suspeita clínica. A confirmação faz-se através da análise da urina (urina II) e da urocultura. O especialista pode ainda considerar importante a realização de análises de sangue para identificar a localização da infecção urinária.
Tratamento
As infecções urinárias tratam-se com a administração de antibiótico, aumentando a ingestão de líquidos e corrigindo os factores que predispõem à infecção.
Têm indicação para serem tratadas todas as infecções urinárias sintomáticas e todos aqueles em que são identificadas bactérias na urina, mesmo sem apresentarem quaisquer sintomas, se existirem doenças nefro-urológicas ou doenças crónicas que condicionem susceptibilidade aumentada às infecções.
A escolha do fármaco deve ter em conta os agentes infecciosos mais frequentes, a idade e os antecedentes da criança, as resistências antibióticas locais, a gravidade da situação clínica e se houve ou não tratamento recente com antibiótico.
Há situações em que o especialista pode considerar a hipótese de instituir um tratamento preventivo, nomeadamente quando a infecção urinária ocorre no primeiro ano de vida, quando há infecções de repetição ou foram diagnosticadas anomalias do aparelho urinário (por ex. refluxo vesico uretral).
O objectivo do tratamento profilático é evitar as re-infecções, que podem deixar cicatrizes renais e causar complicações tardias graves, como a hipertensão arterial de causa renal ou a insuficiência renal.
Isto porque embora a maioria das infecções urinárias precocemente diagnosticadas e correctamente tratadas evoluam para a cura sem complicações, sabe-se 5 a 10 por cento das crianças com infecção urinária sintomática acompanhada de febre ficam com cicatrizes renais.
As infecções repetidas, incorrectamente tratadas ou de maior gravidade, podem originar complicações tardias e as que têm envolvimento renal (pielonefrite) podem provocar uma disseminação das bactérias através do sangue causando uma infecção generalizada e grave (sepsis). A probabilidade de isto suceder é bastante superior nos três primeiros meses de vida.